quarta-feira, março 31, 2010

Chega de Fado nas livrarias


"Gostaria que despedida não estivesse a ser tão triste, tão melancólica, tão amargurada. Ou que fosse diferente, apenas; por exemplo: poderíamos conversar tranquilamente sobre os nossos planos para o futuro, partilhando um último maço de cigarros;  ou recordar estórias antigas, sorrindo. Empurrar as caixas juntos e rir com gosto (uma última vez e por ser a última, talvez fossem os melhores risos de sempre)" quando elas se rebentassem à entrada do elevador ou algum vizinho se queixasse do barulho.
As caixas vão ficando cheias, devagarinho; simultaneamente, sinto que a minha vida vai ficando mais vazia, mais leve, pronta para recomeçar."
                                      pg.8,  in Paulo Kellerman, Chega de Fado

domingo, março 28, 2010

Santiago López- Petit [entrevista]




Em Maio chega O Estado-Guerra, de Santiago López-Petit, com tradução, abundantes notas e comentários de Rui Pereira. .
É um livro extremamente claro sobre a origem do nosso mal-estar social e das perspectivas de um novo niilismo saído do «acontecimento» 11 de Setembro. O autor, que virá a Portugal nas próximas Derivas de Maio, apresenta as possibilidades de encontrarmos a superação necessária do capitalismo. Rui Pereira, na esteira desta obra, apresenta-nos alguns «comentários marginais» a propósito de O Estado-Guerra titulado Da Impossibilidade de Saber e da Necessidade de Fazer.

Em breve editaremos, alguns trechos em pré-publicação.

sexta-feira, março 26, 2010

Derivas de Maio * 22 de Maio


“O mais belo espectáculo de horror somos nós. Este rosto com que amamos, com que morremos, não é nosso; nem estas cicatrizes frescas todas as manhãs, nem estas palavras que envelhecem no curto espaço de um dia. (…) Só a custo, perigosamente, os nossos sonhos largam a pele e aparecem à luz diurna e implacável. A nossa miséria vive entre as quatro paredes, cada vez mais apertadas, do nosso desespero. E essa miséria, ela sim verdadeiramente nossa, não encontra maneira de estoirar as paredes. Emparedados, sem possibilidade de comunicação, limitados no nosso ódio e no nosso amor, assim vivemos. Procuramos a saída – a real, a única – e damos com a cabeça nas paredes. Há então os que ganham a ira, os que perdem o amor.”


                                                                                                                                 António José Forte

quinta-feira, março 25, 2010

Morar e rememorar


"Encontramos em Filipa Leal não uma poética nómada e de proximidade com o espaço, como a deste poema ["Não moro não quero morar nunca"] de Catarina Nunes de Almeida, mas sim uma poética do lugar, da demora inquieta e da memória."
Miguel Ramalhete, "Morar e rememorar. O lugar em A Cidade Líquida e Outras Textura", in Jovens Ensaístas Lêem Jovens Poetas

“Põe a cassete da tempestade”, Quintas de Leitura | 25 de Março



“Põe a cassete da tempestade” é o título da próxima sessão das "Quintas de Leitura", ciclo poético promovido pela Câmara Municipal do Porto, através da Fundação Ciência e Desenvolvimento, que no passado dia 25 de Fevereiro celebrou a sua sessão número 100.
As "Quintas de Leitura" voltam à carga a 25 de Março, às 22h00, no Auditório do TCA. Carga poética de altíssima voltagem. Um espectáculo pensado no feminino, que reúne, à volta de um verso, quatro vozes singulares e insubmissas da novíssima poesia portuguesa: Ana Salomé, Filipa Leal, Catarina Nunes de Almeida e Bénèdicte Houart. (ler mais aqui)

A Inexistência de Eva, Filipa Leal

terça-feira, março 23, 2010

Peter Lamborn Wilson, Utopias Piratas


Quanto à evidente má reputação dos corsários - as bebedeiras, as prostitutas, a pândega, os motins - é óbvio que nem o mais duro desses rufias se lhe podia entregar a tempo inteiro, do Outono à Primavera. Pouco a pouco, os europeus, e especialmente os renegados, adaptavam-se aos ritmos da vida mourisca - uma rotina quotidiana, trabalhando ou socializando em cafés, pontuada por casamentos e funerais, circuncisões, festivais, intervenções públicas de ordens sufis, e claro, as ocasionais querelas entre Salé e Rabat. Um renegado podia interessar-se pela religião caso sofresse de tédio - última das hipóteses, já que a cultura local estava profundamente impregnada de espiritualidade , e por isso provavelmente muito difícil de evitar.            

         (pg. 135) Peter Lamborn Wilson, in Utopias Piratas

segunda-feira, março 22, 2010

DORREGARAI, A casa-torre , de Anjel Rekalde



"ETA tinha nascido anos atrás, em ruptura com a letargia do nacionalismo tradicional. A orfandade em que a sonolência do PNV deixou a resistência basca e empurrou os jovens a procurar um caminho próprio. 
A ETA cresceu entre solavancos à direita, os velhos círculos jekildes, e a esquerda clássica, marcada pelos posicionamentos do marxismo anquilosado que aceitava o quadro territorial do Estado e não entendia o carácter nacional basco. Foi uma procura difícil, tanto pelo peso da tradição jekilde, como pela efervescência do movimento operário.
Destas dúvidas e incpompreensões a ETA seguiu em frente pela sua vontade e resistência, que se traduziu num activismo que a longo prazo diluía e arrastava hesitações."

(pg. 304) Anjel Rekalde, DORREGARAI

Oficinas do Pensável #8

Memórias dos moradores do bairro da Relvinha em Coimbra: da Resistência Quotidiana à auto-construção no âmbito do SAAL

Realiza-se na próxima quinta-feira, dia 25 de Março, pelas 21h30, na Universidade Popular do Porto, a oitava Oficina do Pensável. Esta oficina será dinamizada por João Baía (FCSH/UNL), subordinada ao tema: e terá como título: "Memórias dos moradores do Bairro da Relvinha em Coimbra: da resistência à auto-construção no âmbito do SAAL".

A entrada é livre, estando apenas sujeita a inscrição via correio electrónico para: oficinasdopensavel@gmail.com .  Para mais informação consulte: http://odp.upp.pt

O Espírito Nómada , Kenneth White



Há, diz [MacDiarmid], dois modos de conhecer, dois tipos de conhecimento: "conhecer as coisas e acumular saber em torno das coisas: a realização estética e os dados científicos", e se no seu trabalho ele procura a fusão dos dois, está portanto a pôr ênfase na realização. Para si todas as informações acumuladas não são mais que metáfora:
Tudo isto, tudo quanto escrevo
não passa de uma enorme metáfora
de qualquer coisa de que não falo nunca.
(pg. 138)
                Kenneth White, in O Espírito Nómada 

 

domingo, março 21, 2010

Dou-te as palavras, de Maria Sofia Magalhães

(imagem daqui)

Dou-te as palavras
como quem se despe
secreta e completamente.
Fico nua e solitária
toda a alma descoberta
no papel
e nos teus olhos
a imperfeição da minha pele.
O poema como espelho
deste medo
que me vejas
só, nas tuas mãos.

Maria Sofia Magalhães, Da Sombra que Somos

Na cal, João Pedro Mésseder


                                          
                                            Na cal

       Na cal se desenha a tentação da água. Na cal o verde das folhas reacende-se. A cal deseja a solidão do breu. A cal veste as casas de espelhos e de sangue. A cal conserva a pulsação da noite. Na cal bate um coração aberto. Sob a cal se consuma a lenta incineração. Na cal desliza a mão azul de deus.
                                                 João Pedro Mésseder,
                                                                 in Meridionais

Visto das nuvens, Catarina Nunes de Almeida


(imagem de Egidio Santos)

Visto das nuvens
o mundo parece um herbário.
Sem pernas sem cheiros
sem homens que digam
eu conheço este cheiro -
silêncio que esmaga o silêncio.
A terra demora muito tempo,
ocupa o olhar todo, o nariz todo.
Das nuvens uma flor não é uma flor.
Duas flores não são duas flores.
Das nuvens uma plantação de flores é apenas
um rectângulo amarelo
onde podem existir girassóis
guarda-sóis ventoinhas -
o que é que importa se por lá
também correm crianças?

Catarina Nunes de Almeida, A Metamorfose da Planta dos Pés

100 METROS MARIPOSA, Versos Olímpicos


100 METROS MARIPOSA


Deito os braços à água
e a água escapa-se e o corpo
segue em frente, imunizado
contra o sonho instável da água.

Braçadas difíceis, confesso:
a imagem dissolve-se
e depois é só água
e na água não posso escrever.


José Ricardo Nunes, Versos Olímpicos

O PESO DOS LIVROS, Filipa Leal

 Filipa Leal por Sara Moutinho


O PESO DOS LIVROS
Pensava que os livros não têm peso. Quero dizer, flutuam no entendimento.
Na memória. Ou melhor: equilibram-se porque não são gente.
Não têm noites, não têm insónias. Não têm sono lá dentro.

Pensava que os livros são menos complexos do que nós. Mesmo quando
não temos linha, quando não temos palavra. Mesmo quando
não conseguimos respirar. Quando pensei nisso,
tive uma vaga noção de título.

E um hálito branco a querer ser página.

Filipa Leal, in O problema de ser norte

Joaquim Castro Caldas por Rui Spranger

Poesia

sábado, março 20, 2010

uma boina, Joaquim Castro Caldas

(foto de Egídio Santos)

uma boina

eu só a uso como cúpula inacabada
não dou ordens nem peço esmola
a uma arte de rua fugida à escola
que apanha traços a uma máscara

enfiaram-me o barrete à nascença
não tiro o boné a não ser na forca
fui trolha nos vitrais da renascença
e ando ainda ao leme da minha proa
.
Joaquim Castro Caldas, in  Mágoa Das Pedras 

sexta-feira, março 19, 2010

Um Incómodo Técnico em Relação aos Fragmentos, de Pascal Quignard, na Trama

 
 
De forma geral, é pouco provável que o desejo que nos atrai a um corpo nasça da sua assimetria ou do seu desmembramento. É a sua unidade, o seu carácter axial, a sua completude, a proporção contagiosa da sua simetria, o pudor que tende a unificar - diz-se do pudor que é um prodigioso vestido inexistente em que o corpo se envolve e de súbito se refaz como um todo para provocar o desejo - que nos convence da sua beleza e nos dá vontade de o conhecer, quer dizer, de nos aproximarmos dele, de o ver, de lhe tocar, de o lamber, de o cheirar, para finalmente gozarmos dele." - Um incómodo técnico em relação aos fragmentos, de Pascal Quignard

quinta-feira, março 18, 2010

El Taxista Ful do catalão Jordi Solé (Jo Sol) a apresentar nas Derivas de Maio

A formação da mentalidade submissa, de Vicente Romano


"A manipulação dirige-se ao pensamento, aos sentimentos, às acções (e omissões) de toda e qualquer pessoa. Da esfera íntima até à apresentação pública no trabalho, na escola ou na política, não sobra um único aspecto, uma única dimensão da vida que dela não receba a influência. O objectivo final da manipulação é a obtenção da passividade e da submissão. A manipulação das mentes é uma guerra psicológica planificada, elaborada a partir de conhecimentos científicos, contra o desenvolvimento progressista, isto é, solidário e cooperativo do ser humano ou, o que é a mesma coisa, orientada contra o progresso social. 
Naquilo a que se chama "sociedade de mercado livre", a função da indústria da comunicação, como de qualquer indústria, consiste em gerar lucro, mais ainda, em estimular a sua criação e, sobretudo, em manipular a maioria da população de maneira a que esta não empreenda acções contra o sistema de economia privada, mas antes que o apoie e reforce. A razão de ser da manipulação funda-se nas leis que regem a economia de mercado. Por isso há quem a tenha qualificado como um instrumento de conquista, como o fez Paulo Freire, na sua "Pedagogia do Oprimido". A manipulação, diz o pedagogo brasileiro, é um dos recursos mediante os quais "as elites dominantes tratam de fazer com que as massas se moldem aos seus objectivos". Valendo-se de mitos que explicam, justificam e até adornam as condições existentes de vida, a minoria que dispõe dos media mobiliza-se em favor de uma ordem social que não serve os interesses das maiorias. Uma manipulação bem sucedida fará com que as pessoas não pensem noutros ordenamentos sociais possíveis nem, consequentemente, em alterar os existentes. 
Por outras palavras, a função primordial da indústria da comunicação, da consciência, do entretenimento ou como quer que se lhe chame, na sociedade capitalista consiste em desorganizar e desmoralizar os submetidos. Neutraliza os dominados, por um lado, e consolida, por outro, a solidariedade com a classe dominante e com os interesses desta. Ao fim e ao cabo, "os ricos também choram", têm problemas com os seus filhos, etc. Os modelos de conduta que apresentam, baseiam-se no êxito pessoal, no individualismo, no isolamento e na fragmentação social. O colectivo, segundo tal lógica, não conduz a lado algum. 
Manipula-se, em suma, quando se produzem informações que não reflectem os interesses e necessidades dos seus consumidores, quando deliberadamente se produzem mensagens desconformes com a realidade social. 
O oposto da manipulação é a formação da consciência crítica e da vontade democrática, tendo em vista o desenvolvimento multifacetado da pessoa humana. Para isso requer-se, entre outras coisas, a transformação do sistema de produção material e espiritual, do sistema de ensino, a criação de condições efectivas de acesso que estendam a liberdade concreta de expressão a todos, a supressão das medidas estatais que limitam essas liberdades, requer-se a travagem e anulação da influência dos monopólios e oligopólios na formação da opinião pública e na cultura. Terão as maiorias de converter-se em protagonistas dos media, recorrendo aos modelos e exemplos concretos e reais para a formação da sua opinião em todos os aspectos da vida. O povo como protagonista, implica que as maiorias trabalhadoras elaborem as suas notícias e as discutam 
in A Formação da Mentalidade Submissa, de Vicente Romano

quarta-feira, março 17, 2010

A nuvem de Paulo Kellerman


O Região de Leiria desafiou Paulo Kellerman a fazer um tag cloud a propósito das Correntes d'Escritas.

Palavra (o princípio de tudo)
Partilha (de histórias e sorrisos, de experiências e conversas, de risos, de emoções)
Mesas (tanta gente a falar, a debater; todos tão diferentes: mas a remar na mesma direcção)
Público (sempre presente, sempre atento, sempre desafiador, sempre interventivo; e cúmplice, muito cúmplice)
Descoberta (de amigos, de surpresas e emoções, de proximidades, de subtilezas)
Reflexão (vontade de ouvir, de pensar, de aprender)
Livros (lidos e discutidos, apresentados e elogiados, comprados, oferecidos)
Histórias (uma após outra após outra)
Correntes (de escritas e leituras, de amigos)
Organização (perto da perfeição, tão eficiente quanto cúmplice)

ler mais aqui

terça-feira, março 16, 2010

Um Incómodo Técnico em Relação aos Fragmentos, Pascal Quignard


"Há que enfrentar esta aversão.
Pode-se defender hoje em dia o conector ou a moda consiste nos brancos.
A regra parece ser o texto esfarrapado. Pelo menos na arte moderna o efeito de descontínuo substituí o efeito de ligação. Aliás, o próprio procedimento parece contraditório. Para começar, o fragmento coloca uma dupla dificuldade que não é confortável ultrapassar: a sua insistência satura a atenção, a multiplicidade adoça o efeito que a sua brevidade aguça." (pg. 23)
***

"G. Agamben assinala que desde Miguel Ângelo o inacabamento é teimosamente exaltado pela arte e que se pode explicar este gosto por uma espécie de prazer derivado do fetichismo. Schlegel mostrava que, como as obras que admirávamos mais - quer dizer, desde a Renascença, as obras da Antiguidade - tinham chegado no estado de fragmentos, as obras dos modernos procuravam assumir esse estado logo ao nascerem, imputando o fascínio que exercem à fragmentação e julgando que estes pedaços, que evocavam totalidades indizíveis e ausentes ao provocarem o desejo do todo, ampliavam a emoção."(pg. 45)


Um Incómodo Técnico em Relação aos Fragmentos, Pascal Quignard
Para ler mais, clique aqui.

A colecção Pulsar dirigida pelo Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, inclui textos relevantes em torno da literatura e de outras artes. Estes pequenos livros, que se podem ler numa viagem de comboio ou a uma mesa de café, pretendem emitir um sinal luminoso, sentidos de um pensamento, fulgurações de palavras. Como os enigmáticos e distantes pulsares.

segunda-feira, março 15, 2010

A Invenção da Teatralidade, seguido de Brecht em Processo e O Jogo dos Possíveis, de Jean-Pierre Sarrazac



"A lição merece ser ouvida: não deveríamos nunca abordar a mínima questão de estética teatral sem antes nos termos instalado, ainda que mentalmente, em frente ao palco." (pg. 15)
***

"Desactivar a "máquina infernal" significa, tal como o sugerimos anteriormente, permitir acesso a uma dramaturgia não do "antes" mas do pós-catástrofe." (pg. 87)
*******
"Produzir possíveis infinitamente: este poder da máquina utópica é antinómico, pensamos nós, com o facto de lançar acusações e de decretar culpabilidades." (pg. 88)
**************

Prosseguir a tarefa (beckettiana) de acabar (outra vez) com o teatro, sonhando sempre com a possibilidade de começar tudo de novo, talvez seja este o novo último paradoxo da teatralidade. Porque o teatro só se realiza verdadeiramente fora de si mesmo, quando consegue desprender-se de si mesmo… Fazer, de cada vez, no teatro, o vazio do teatro.

Jean-Pierre Sarrazac - Ensaísta, autor dramático, encenador, professor no Instituto de Estudos Teatrais da Universidade de Paris III – Sorbonne Nouvelle, Jean Pierre Sarrazac tem desenvolvido, ao longo dos últimos trinta anos, uma vasta reflexão sobre as dramaturgias modernas e contemporâneas que está na origem de uma importante e diversificada obra ensaística, reconhecida recentemente com Prémio Thalia 2008, atribuído pela Associação Internacional de Críticos de Teatro.


A colecção Pulsar dirigida pelo Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, inclui textos relevantes em torno da literatura e de outras artes. Estes pequenos livros, que se podem ler numa viagem de comboio ou a uma mesa de café, pretendem emitir um sinal luminoso, sentidos de um pensamento, fulgurações de palavras. Como os enigmáticos e distantes pulsares.

domingo, março 14, 2010

Um Incómodo Técnico em Relação aos Fragmentos, Pascal Quignard

Um Incómodo Técnico em Relação aos Fragmentos,
Pascal Quignard (tradução de Pedro Eiras)



Um calcanhar partido, um braço quebrado excitam vivamente o espírito em direcção a um corpo que se tornou impossível, que a infância viveu muito simplesmente na indissociação, depois na mastigação, cuja memória foi toda como que atormentada.Fantasia da beleza e da plenitude de um corpo ao qual nenhum mármore nem nenhum escultor saberiam chegar, e do qual o fragmento deixa a possibilidade, ou a esperança. (saber mais)

Pascal Quignard (n. 1948) nasceu em Verneuil-sur-Avre. Ensinou na Universidade de Vincennes e na École Pratique des Études en Sciences Sociales. Foi colaborador da casa editora Gallimard da qual chegou a ser secretário-geral. Desde Abril de 1994 que se dedica exclusivamente ao seu trabalho de escritor. Ganhou o prémio Goncourt em 2002.

sábado, março 13, 2010

Relação das Medidas de Defesa do Vouga contra o Exército de Soult, ou tratado linguístico

A Relação das Medidas de Defesa do Vouga contra o Exército de Soult, em 1809, de Alexandre Tomás de Morais Sarmento é também um documento sociolinguístico. A partir da sua leitura podemos inferir de que forma a diversidade linguística tem sido posta em causa nas últimas décadas. Em nome da globalização e do desenvolvimento, temos delapidado um património simbólico, o que só nos empobrece. Se a língua enforma o pensamento, uma língua menos rica, mais simplificada implica pensar menos, pensar pior.


Sinta-se, nos seguintes excertos, a capacidade de, com a língua, criar vívidas paisagens mentais:

“Mandou-se um exame dos vaus e lugares onde o Mondego sofria passagem, ordenou também uma conscrição de todos os barcos, pois as chuvas, pouco ordinárias naquela estação, tinham feito o rio invadeável naquele tempo, constituindo-o uma linha da maior importância, quando as tropas fossem obrigadas a retroceder. Ainda que, perdida a margem esquerda do rio Douro, timbrasse segurar a linha do Vouga, os passos que se deram mostraram que o Coronel Trant tinha em vista ocupar algum ponto mais importante deste rio. Era todavia necessária a demora nos Fornos, porque se esperavam reforços, e em Coimbra não se achava guarnição alguma. Se as tropas avançassem para além do sítio em que se separam as estradas de Aveiro e do Sardão, ficariam muito expostas”

“As posições de todas as tropas eram as mais bem escolhidas. Sabia-se que a força maior do inimigo era em cavalaria, e por isso o terreno entre as pontes do Vouga e do Marnel era o mais conveniente para esperar o ataque, pois nele a cavalaria ficava inutilizada e era preciso uma força muito superior de infantaria para tentar desalojar os nossos das posições de Pedaçães. Esta posição formava como um arco sobre a linha do rio Vouga, e felizmente as passagens em que o rio permitia o trânsito da cavalaria ficavam nas duas extremidades da espécie de arco. O mesmo trânsito do rio exigia muita cautela, em razão da sua corrente naquela estação do ano. Quando os Franceses nos pretendessem envolver, ou pela nossa direita, pelo vau de Carvoeiro e de Jafafe, ou pela esquerda, tomando a direcção da ponte de Almear, não conseguiriam o seu intento com facilidade, porque as distâncias de Pedaçães àqueles pontos referidos não eram tão curtas que o inimigo não gastasse algum tempo para poder manobrar sobre qualquer dos nossos flancos, além de que aquelas passagens do rio estavam muito vigiadas, e por estes motivos nós tínhamos tempo bastante para manobrar, e naturalmente descairíamos sobre os bosques ao norte de Águeda, os quais já tínhamos anteriormente ocupado, ajuntando novas dificuldades àquelas com que a natureza do terreno nos auxiliava. Fora desta posição ao norte de Águeda, ainda nos ficavam as alturas ao sul do Sardão, aonde já nos tínhamos postado para esperar o ataque do inimigo, em a noite de 7 para 8 de Abril, como fica referido nesta Relação.”

(Saber mais)

sexta-feira, março 12, 2010

Uma Faca Nos Dentes, António José Forte




0 MAIS BELO ESPECTÁCULO DE HORROR SOMOS NÓS.

Este rosto com que amamos, com que morremos, não é nosso; nem estas cicatrizes frescas todas as manhãs, nem estas palavras que envelhecem no curto espaço de um dia. A noite recebe as nossas mãos como se fossem intrusas, como se o seu reino não fosse pertença delas, invenção delas. Só a custo, perigosamente, os nossos sonhos largam a pele e aparecem à luz diurna e implacável. A nossa miséria vive entre as quatro paredes, cada vez mais apertadas, do nosso desespero. E essa miséria, ela sim verdadeiramente nossa, não encontra maneira de estoirar as paredes. Emparedados, sem possibilidade de comunicação, limitados no nosso ódio e no nosso amor, assim vivemos. Procuramos a saída - a real, a única - e damos com a cabeça nas paredes. Há então os que ganham a ira, os que perdem o amor.

Já não há tempo para confusões - a Revolução é um momento, o revolucionário todos os momentos. Não se pode confundir o amor a uma causa, a uma pátria, com o Amor. Não se pode confundir a adesão a tipos étnicos com o amor ao homem e à liberdade. NÃO SE PODE CONFUNDIR! Quem ama a terra natal fica na terra natal; quem gosta do folclore não vem para a cidade. Ser pobre não é condição para se ganhar o céu ou o inferno. Não estar morto não quer forçosamente dizer que se esteja vivo, como não escrever não equivale sempre a ser analfabeto. Há mortos nas sepulturas muito mais presentes na vida do que se julga e gente que nunca escreveu uma linha que fez mais pela palavra que toda uma geração de escritores.

A acção poética implica: para com o amor uma atitude apaixonada, para com a amizade uma atitude intransigente, para com a Revolução uma atitude pessimista, para com a sociedade uma atitude ameaçadora. As visões poéticas são autónomas, a sua comunicação esotérica.

Os profetas, os reformistas, os reaccionários, os progressistas arregalarão os olhos e em seguida hão-de fechá-los de vergonha. Fechá-los como têm feito sempre, afinal, e em seguida mergulharem nas suas profecias. Olharem para a parte inferior da própria cintura e em seguida fecharem os olhos de vergonha. Abandonarem-se desenfreadamente à carpintaria das suas tábuas de valores, brandirem-nas por cima das nossas cabeças como padrões para a vida, para a arte, para o amor e em seguida fecharem os olhos de vergonha às manifestações mais cruéis da vida, da arte e do amor.

MAS NÃO IMPORTA, PORQUE EU SEI QUE NÃO ESTOU SOZINHO no meu desespero e na minha revolta. Sei pela luz que passa de homem para homem quando alguém faz o gesto de matar, pela que se extingue em cada homem à vista dos massacres, sei pelas palavras que uivam, pelas que sangram, pelas que arrancam os lábios, sei pelos jogos selvagens da infância, por um estandarte negro sobre o coração, pela luz crepuscular como uma navalha nos olhos, pelas cidades que chegam durante as tempestades, pelos que se aproximam de peito descoberto ao cair da noite - um a um mordem os pulsos e cantam - sei pelos animais feridos, pelos que cantam nas torturas.

Por isso, para que não me confundam nem agora nem nunca, declaro a minha revolta, o meu desespero, a minha liberdade, declaro tudo isto de faca nos dentes e de chicote em punho e que ninguém se aproxime para aquém dos mil passos

EXCEPTO TU MEU AMOR EXCEPTO TU
MEU AMOR

minha aranha mágica agarrada ao meu peito
cravando as patas aceradas no meu sexo
e a boca na minha boca

conto pelos teus cabelos os anos em que fui criança
marco-os com alfinetes de ouro numa almofada branca
um ano dois anos um século

agora um alfinete na garganta deste pássaro
tão próximo e tão vivo
outro alfinete o último o maior
no meu próprio plexo

MEU AMOR
conto pelos teus cabelos os dias e as noites....
e a distância que vai da terra à minha infância
e nenhum avião ainda percorreu
conto as cidades e os povos os vivos e os mortos
e ainda ficam cabelos por contar
anos e anos ficarão por contar

DEFENDE-ME ATÉ QUE EU CONTE
O TEU ÚLTIMO CABELO

António José Forte

A noite da ficcão, João Paulo Sousa



No rescaldo das Correntes d'Escritas, o Bibliotecário de Babel  publica um excerto da comunicação de João Paulo Sousa, autor de O Mundo Sólido
"Ao contrário de tantos autores, decerto muito mais previdentes do que eu, que optam por conceber de antemão as diversas cenas que hão¬ de estruturar a obra e que as preparam minuciosamente, tendo em conta todos os detalhes que nela deverão figurar, redigindo a primeira versão e a segunda e ainda a terceira, antes de se abalançarem à redacção provisoriamente final, eu procedo desse modo muito mais angustiante que consiste em navegar na noite da ficção sem um mapa definido" (continua aqui)

Futuro Primitivo, John Zerzan

J

 "A divisão do trabalho, que tanto contribuiu para nos submergir na crise global de nosso tempo, age diariamente  para nos  impedir  de compreender a origem do terror do presente.  Mary Lecron Foster (1990) peca, certamente por eufemismo, quando afirma que hoje em dia, a antropologia está "ameaçada por uma fragmentação grave e destrutiva". (John Zerzan, Futuro Primitivo)

As ideias de John Zerzan situam-se na crítica à tecnologia e à cultura simbólica como origem da degenerescência da Humanidade que a iniciou com o advento da agricultura e da domesticação de toda a vida humana e da natureza. Rejeita, portanto, a divisão social e sexual do trabalho e o patriarcado, assim como a separação entre a Natureza e a Cultura. Singular, na visão de Zerzan, é a síntese de várias correntes filosóficas que elabora na crítica à sociedade moderna e pós-moderna como suportes que fazem parte de um mundo que se encontra moribundo. As fontes teóricas do Primitivismo a que Zerzan dá voz vão desde Adorno, aos situacionistas, à antropologia, ao ludismo, à ecologia e ao feminismo, assim como às correntes igualitárias e anti-autoritárias americanas e europeias. O Futuro Primitivo é, para nós, a obra mais marcante de John Zerzan. Para além de reflectir uma revisitação teórica da Pré-História, ataca violentamente as ideias preconcebidas da antroplogia oficial e dá-nos a possibilidade de encontrar uma ténue saída para a catástrofe iminente.


O livro está disponível aqui.

John Zerzan nasceu em 1943, em Oregon, EUA, e é licenciado em Ciências Políticas pela Stanford University e em História pela San Francisco State University. Preso em 1966, nos EUA, pela sua participação nos movimentos de desobediência civil e contra a guerra do Vietnam, conhecidos pelos tumultos de Berckeley. Abandonou, mais tarde, uma carreira universitária na University of Southern California. Hoje, dedica-se à educação de crianças e à jardinagem. Promove, ainda, conferências sobre o Primitivismo e Paleo-Anarquismo em todo o mundo. Destaca-se como escritor e filósofo do chamado Primitivismo com a edição de Elements of Refusal (Left Bank Books, Seattle, 1988) e de Future Primitive (Autonomedia, New York, 1994) livro agora traduzido para português pela Deriva e que lhe deu projecção internacional ao serem traduzidas versões para várias línguas. Questioning Technology (Freedom Press, Londres, 1988), The Mass Psychology of Misery, Tonality and the Totality, The Catastrophe of Postmodernism e The Nihilist's Dictionary contam-se entre as suas obras mais recentes. Em 2002, edita Against Civilization: Readings and Reflections, em Los Angeles.

quarta-feira, março 10, 2010

1.º Encontro de Literatura Infanto-Juvenil da SPA : Palavras para que vos quero



O 1.º Encontro de Literatura Infanto-Juvenil da SPA  vai ter lugar nos dias 23 e 24 de Abril, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett (Porto).    José António Gomes, Gonçalo M. Tavares, Osvaldo Silvestre, António Torrado, Manuel António Pina e Jorge de Sousa Braga são algumas das presenças confirmadas.
Os Gambozinos apresentarão "As canções de Matilde", homenagem a Matilde Rosa Araújo.

Filipa Leal editada em Espanha


A internacionalização dos autores da Deriva continua. Depois de Paulo Kellerman, que muito em breve fará parte do catálogo da editora  Baile del Sol, é a vez de Filipa Leal ser publicada em Espanha, pelas Ediciones Sequitur. O livro a ser traduzido é A Cidade Líquida e Outras Texturas, obra que vai já na sua segunda edição (e que pode ser adquirido aqui).
Esta tradução honra a poesia, pois trata-se da edição de um livro no seu todo e não de uma selecção antológica de poemas. A Filipa já merecia.
Na Deriva, além de A Cidade Líquida e Outras Texturas, Filipa Leal publicou também O Problema de Ser Norte e A Inexistência de Eva.

A CIDADE ESQUECIDA


Ela disse: Sou uma cidade esquecida.
Ele disse: Sou um rio.

Ficaram em silêncio à janela
cada um à sua janela
olhando a sua cidade, o seu rio.

Ela disse: Não sou exactamente uma cidade.
Uma cidade é diferente de uma cidade
esquecida.

Ele disse: Sou um rio exacto.

Agora na varanda
cada um na sua varanda
pedindo: Um pouco de ar entre nós.

Ela disse: Escrevo palavras nos muros que pensam em ti.
Ele disse: Eu corro.

De telefone preso entre o rosto e o ombro
para que ao menos se libertassem as mãos
cada um com as suas mãos libertas.
Ela temeu o adeus,disse:Sou uma cidade esquecida.
Ele riu.
 
 
Filipa Leal, in A Cidade Líquida e Outras Texturas.

Dente por Dente, António José Forte

Porque as Derivas de Maio estão a chegar...

Dente por Dente


Outros antes de nós tentaram o mesmo esforço: dente por
dente: não, nunca olhar de soslaio e manter a cabeça escar-
late, o vómito nos pulsos por cada noite roubada; nem um
minuto para a glória da pele. Despertar de lado: olho por
olho: conservar a família em respeito, a esperança à distância
de todas as fomes, o corno de cada dia nos intestinos. Aos
dezoito anos, aos vinte e oito, a vida posta à prova da raiva e
do amor, os olhos postos à prova do nojo. Entrar de costas no
festivaI das letras, abrir passagem a golpes de fígado para a
saída do escarro. Se não temos saúde bastante sejamos pelo
menos doentes exemplares.
  Fora do meu reino toda a pobreza, toda a ascese que gane
aos artelhos dos que rangem os dentes; no meu reino apenas
palavras provisórias, ódio breve e escarlate. Nem um gesto de
paciência: o sonho ao nível de todos os perigos. Pelo meu .
relógio são horas de matar, de chamar o amor para a mesa
dos sanguinários.
  Dente por dente: a boca no coração do sangue: escolher
a tempo a nossa morte e amá-la.

António José Forte

sábado, março 06, 2010

Filipa Leal no Expresso/Única de hoje

(foto de Luiz Carvalho)

No Expresso, anunciam-se Talentos Para a Próxima Década: Inês Henriques, novas tecnologias; Joni, na moda; Sofia Antunes e Cristina Mendonça, na arquitectura; Marta Alberto, enquanto empresária; Sofia Dinger, na representação;Maria José Oliveira, nas Ciências; Carla Filipe, nas Artes Plásticas e Filipa Leal, na literatura.

«NASCEU no Porto, numa casa no centro da cidade que tinha um enorme armário, refúgio de brincadeiras secretas. Aos onze anos disse: "Quero ser escritora. A poesia já estava lá, ocupando o espaço do silêncio. Escrever poemas significa "ir ao mais profundo e à superfície de nós próprios", diz. "Apesar de a poesia ser um lugar cheio de artifícios, é onde me sinto com maior exactidão. Pego no meu real, desdobro-o e alargo para o campo da imaginação». O processo começa assim: "Deixo-me habitar pelas palavras e pelas imagens, o poema só acontece muito depois". Desde 2005 já publicou cinco livros, entre eles "Cidade Líquida'' e ''A lnexistência de Eva", na editora Deriva, um livro de contos, "Lua Polaroid". Em breve, vai trabalhar com uma editora espanhola. Entretanto, construiu uma casa de alicerces sólidos para as suas palavras. Escreve coisas como esta: "A melancolia é uma questão de tempo, disse-me o homem. Era um homem que existia, normal como os que existem." Entre os 18 e os 21 à anos, cursou jornalismo em Londres. Fez um mestrado em literatura portuguesa e brasileira. Agora, que vive em Lisboa, é jornalista no "Diário Câmara Clara', na RTP2, faz recensões de livros em revistas, participa em numerosos recitais de poesia... A escrita escasseia-lhe na voragem do tempo. "Os meus dias são acordar, fazer 50 coisas necessárias e pelo caminho tentar uma vida pessoal. O livro é sempre o último a pendente". E a condição de poeta à procura do seu lugar? Filipa prefere contar uma história: "Num encontro de escritores em Zagrebe, tínhamos de descrever o nosso quotidiano. Uma finlandesa começou: acordo, vou à varanda, faço um chá, leio o jornal, volto à varanda... Nós, os outros, desatámo-nos a rir."»
in Expresso/Única de 6 de Março de 2010 [Talentos Para a Próxima Década]

Os Poetas da Meia-Noite. Casa da Comédia, 20 de Março, 22:30


sexta-feira, março 05, 2010

Aqui na Terra - 2ª edição: a subtil transparência da cinta

Tal como ameaçámos antes, aqui vai a 2ª edição de Aqui na Terra de Miguel Carvalho. Foram centenas e centenas de quilómetros, muitos locais visitados, dezenas e dezenas de amigos, trabalho reconhecido, algumas emoções para gerir, conversas e conversas que se irão materializar em acções solidárias e outras até nem tanto porque a vida é assim mesmo, filmes e entrevistas, capas e newsletters, e gente, muita gente que ainda não perdeu a esperança de ver nascer um país a sério, com responsabilidade e a solidariedade que merece.
Para a Deriva uma cinta transparente e subtil e que lembra esta 2ª edição é lembrar os amigos, aqueles que nas horas menos boas estão connosco e que não olham teimosamente para o umbigo, até porque não se fazendo ioga regularmente, essa posição traz consigo torcicolos tramados e dores de corno insanáveis.
A frase apensa é das 5 estrelas 5 com que o Expresso fez a crítica a Aqui na Terra. Concordamos inteiramente. Ora toma lá, Miguel!

Paulo Kellerman na editora Baile del Sol

Já é oficial e o contrato assinou-se entre as partes: a Baile del Sol irá acrescentar aos seus autores o nome de Paulo Kellerman, embora estejam outros a navegar igualmente para as Canárias que, neste caso, se constituíu como a rota mais rápida para Espanha. O livro que será publicado é Os Mundos Separados que Partilhamos. Embora não oficial, poderemos dizer que Tito Expósito, o responsável da editora que esteve entre nós nas últimas Correntes, está a estudar a hipótese de publicar Ana Teresa Pereira e Pedro Teixeira Neves. Daremos conta de mais notícias no Deriva das Palavras.

segunda-feira, março 01, 2010

Acorrentados - 5, de Pedro Teixeira Neves, no PnetLiteratura

Quatro da manhã. Lá em baixo ainda anda gente... (cantaria o Sérgio Godinho) São os resistentes das Correntes. É a última noite, a já famosa noite de sábado. Aurelino vai a casa buscar a guitarra. Falta-lhe um espanhol para o quadro ficar completo, assim à Picasso. Venha um argentino, e tenha-se o Pablo Ramos, venha uma outra porteña, e tenha-se Cristina Norton. E tenham-se canções e poemas e tangos. Mesmo que ele seja Peronista, mesmo que ela seja anti-Peronista. A música a uni-los, intervalada com as canções portuguesas nas vozes insuspeitas de Manuel Alberto Valente, Onésimo ou até Milton Fornaro. Maria Teresa Horta cerra os olhos, deixa-se ir. Manuel da Silva Ramos pede uma outra canção; milonga? Tiago Gomes vai distribuindo a Bíblia entre o bar e a ampla sala de estar do hotel. João Paulo Sousa liberta-se um pouco de si mesmo, mais uns dias e talvez se revelasse. Kellerman diz adeus, mais tarde Onésimo, de partida para os Estados Unidos, para poucos dias depois voltar à Europa. É certamente o campeão das milhas. Aviões, fala-se por ali. Os escritores não gostam. Para voar preferem as palavras. Ou as rajadas de vento da Póvoa. As mesmas que me retiveram aqui. De aviões, lembrara-se durante o almoço a incrível e maravilhosa história de Ivo Machado enquanto jovem controlador de voo no aeroporto de Santa Maria há quase 25 anos. A estória do piloto a quem leu Sophia, Walt Whitman, o clássico «Leaves of Grass». E o piloto? Conseguiu? Sim, amarou. E os canadianos, foram buscá-lo? Não, uma peça do painel matou-o. Ivo de baixa, três meses. Depois ele, salvo pela notícia de uma revista norte-americana que falava de um controlador português de voo cuja poesia salvara a alma de um piloto norte-americano a caminho da Califórnia, sabendo ter apenas uma hora de voo antes de cair no mar. E uma pergunta, a ficar-me à babugem da tentação de contar a história com mais detalhes. - Há tubarões, nestas águas? A história é muito mais bonita, mas há que preservá-la oralmente. De regresso ao hotel. Quatro e dez da manhã. O mar ainda e sempre aqui ao lado (sempre tão grande, maré alta ou baixa). A Manuela não resiste às emoções de nos ver partir. Chora. E não vejo porque dizê-lo seja um problema. Para o ano há mais.

Pedro Teixeira Neves in Acorrentados-5, Pnetliteratura


Derivas de Maio

Este ano, as Derivas são em Maio, que é um bonito mês. Na Esmae, para a Rua da Alegria. O tema: Com uma Faca nos Dentes, muito pela onda de António José Forte. Sinais dos tempos que correm. Presenças já confirmadas: Santiago López-Petit, Rui Pereira, Miguel Carvalho. Para além da política e da filosofia, vêm aí mais surpresas com a construção de pedagogias livres. No dia 22 de Maio.