terça-feira, janeiro 30, 2007

Filipa Leal nos media. A ver e ler, com atenção redobrada


Esta quinzena o Jornal das Letras, Artes e Ideias, o JL, dará uma atenção muito especial à poesia de Filipa Leal publicando um poema inédito e escrevendo sobre os seus livros.

Na Quinta-feira (1 Fevereiro), às 20h30, Bárbara Guimarães entrevista Filipa Leal, no Páginas Soltas da SIC Notícias, que repete à uma da manhã, e também na Sexta-feira às 15h e no Domingo (4 Fevereiro) às 19h30.

Nesta Quinta-feira (1 de Fevereiro), sairá uma entrevista no Jornal Público / Local- Porto, na simpática rubrica «10 Mandamentos».

A ler atentamente, portanto.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Entrevista a Paulo Kellerman sobre a publicação de Os Mundos Separados que Partilhamos. A sair já em Fevereiro

Capa de Gémeo Luís

É já em Fevereiro que a Deriva publicará Os Mundos Separados que Partilhamos. Metemo-nos à conversa com o Paulo Kellerman sobre o livro e outras coisas. Que seja a primeira de muitas é o que lhe desejamos.

Paulo, depois da edição de Gastar Palavras qual o balanço que fazes do livro, dos contactos com os leitores, das reacções de amigos?
PK- Faço um balanço extremamente positivo; o livro surgiu de forma natural, no momento exacto, e encerrou um capítulo da minha vida e da minha escrita, de certo modo libertou-me, permitiu-me continuar, crescer. Contém as estórias de que, naquela ocasião, mais gostava e é, parece-me, um objecto muito bonito, graças ao soberbo trabalho gráfico do Gémeo Luís.
Teve um percurso curioso porque a atribuição do prémio da APE lhe deu uma segunda vida, resgatando-o ao medonho destino de passear durante dois meses pelas livrarias e depois desaparecer, silenciosamente.
Proporcionou-me algumas surpresas, revelou cumplicidades inesperadas; causou uma forte impressão em meia dúzia de pessoas e mais não posso pedir.

A atribuição do Grande Prémio de Conto APE/CM Famalicão não te foi indiferente. Eu estava lá e vi que estavas, digamos, entre o comovido e um pouco incomodado. Hoje, a esta distância, o que achas do prémio. Algo mudou?
PK - Foi um pouco inesperado porque sempre me habituei a considerá-lo o mais importante e prestigiado prémio na área do conto, em Portugal. E foi-me atribuído à primeira tentativa, aos trinta e um anos de idade. Uma valente surpresa, que me alegrou e motivou muito.
Durante uns tempos ainda cometi a imprudência de me julgar importante mas, felizmente, passou depressa.

Diz-me como convives com estes dois aspectos aparentemente contraditórios: por um lado, pertences a uma geração (se assim se pode chamar) que veio directamente do DN/J onde pontifica Pedro Mexia, Possidónio Cachapa, José Luís Peixoto e Pedro Rolo Duarte que, aliás, te acompanhou na apresentação do livro em Leiria. Por outro, temos um outro grupo, extremamente interessante, que, na blogosfera, terá uma posição «não alinhada» com qualquer «corrente» literária. Como convives com as duas realidades?
PK - Para ser sincero, acho que não convivo muito com ninguém, estou um bocadinho à parte. Principalmente por feitio e opção: detesto insinuar-me, aparecer nos sítios certos, o que me prejudica um pouco; e sou ainda suficientemente ingénuo, ou utópico, ou estúpido, para acreditar que o trabalho pode valer por si, que o que conta é o que se escreve e não quem se conhece, onde se vai, quanto se vende. Mas também porque escolhi um formato literário que parece não ser muito apreciado (literária e comercialmente), que por vezes até é desconsiderado; acha-se muito interessante quando um Grande Romancista decide aproveitar os tempos mortos e escreve uma dúzia de contos; e quando um Grande Poeta se lembra de publicar o seu livrinho de histórias o povo delira e a crítica exulta. Que surja alguém que decida conscientemente, sem obedecer a estratégias nem fazer concessões, concentrar o seu esforço de criação na narrativa breve, no conto, na estória, é olhado com alguma sobranceria.
Não me lamento. Simplesmente, constato; e sigo em frente

Blogosfera onde continuas a publicar, não é? Qual a importância de A Gaveta do Paulo? Publicas lá para sentires o «pulsar» dos leitores? Ou por outra qualquer razão?
PK - O blogue começou por ser um mero complemento do Gastar Palavras, um arquivo público (que o conceito "gaveta" caracteriza bem) para onde iam as estórias que não estavam no livro mas poderiam estar. Depois, evoluiu para uma espécie de portefólio do meu trabalho, um veículo de divulgação. E, naturalmente, com o tempo, acabou por ser por lá que foi crescendo o embrião do meu próximo livro.
Paralelamente, serviu sempre de incentivo à escrita porque me impus um certo ritmo de publicação, obriguei-me a escrever para o alimentar. Foi também, e continuará a ser, um importante espaço de experimentação, temática e técnica, de reflexão sobre a minha escrita, de teste.
E depois há as pequenas alegrias, os pequenos prazeres que apenas o blogue, pelo seu carácter imediato e interactivo, pode proporcionar; um comentário inesperadamente generoso que surge, algum blogger extraordinário que se lembra de adicionar um link para a Gaveta, uma crítica virulenta que me obriga a pensar: pequenas satisfações que iluminam a monotonia dos dias.

Pareceu-me, aquando da apresentação do Gastar Palavras, que manténs uma relação muito próxima com os teus leitores. Como o fazes? És tu que provocas essa proximidade ou é inerente aos teus contos? Lembro-me da Filipa Leal que, aqui no Porto, e na apresentação do Gastar Palavras, referiu essa ligação muito íntima que se estabelece entre o leitor e a ambiência criada pela tua escrita. Alguns críticos têm referido isso mesmo. Que tens a dizer?
PK - A proximidade surge, suponho, por inerência à temática das minhas estórias, porque escrevo sobre sentimentos e situações de algum modo elementares e universais, extensíveis a todos; e pode surgir um certo grau de identificação, o leitor pode dar por si a pensar: isto podia ser eu, já passei por aqui. Claro que pensar isto é um tremendo pretensiosismo da minha parte; mas não é por isso que deixo de perseguir esse objectivo: que o leitor crie empatia com o que lê.
Não pretendo entreter nem distrair, não ambiciono resolver o mundo, não quero alegrar a vida de ninguém. Limito-me a escrever (que é um modo de reflectir) sobre o que me inquieta ou surpreende ou fascina, certo de que outras pessoas se inquietam ou surpreendam ou fascinem com os mesmos assuntos.

Quais são as tuas legítimas expectativas para Os Mundos Separados que Partilhamos? Achas que sentirás o «peso» dos prémios que te foram atribuídos no ano passado? Estamos a falar não só do Grande Prémio da APE, mas também do Manuel da Fonseca e do Teixeira Gomes! Levanta lá um pouco o véu sobre este teu último livro, também!
PK - Parece-me que Os Mundos… é um livro francamente superior ao Gastar Palavras, mais denso e multi-direccional, mais maduro e ambicioso, mais incisivo. As estórias seguem em diversos rumos e exploram possibilidades opostas, mas acabam por resultar numa razoável uniformidade e complementaridade temática, formam um universo homogéneo, que de algum modo espelha e concretiza as tais inquietações que despoletaram a escrita de cada estória. Por isso, confesso que não sinto grandes "pesos" porque acredito que este livro é melhor que o anterior, a diversos níveis.
Quanto a expectativas, nem sou muito ambicioso: gostaria simplesmente que daqui dois, três meses o livro não estivesse comercialmente morto e literariamente esquecido.

Porto/Leiria - 20 de Janeiro de 2007

domingo, janeiro 21, 2007

Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007)

Poema retirado da Revista Nova 1, Inverno de 75/76.

O que existiu entre mim e as figuras desfeitas pelas sombras
por escultores? Os bustos entre as abóbadas dos jardins mortíferos
com cálices espadas as legendas intactas de cada autor

que é único e consuma um desejo ou o terror deixaram-me atónita.
Perante o agrupamento mítico das chamas das charruas
e das rodas recolhia-me longe do veneno destilado pelas bocas

do mal das pedras antigas. Uma estátua com o tridente
um jorro de sangue sobre os limos o meu coração esvaído desfigurado
pela saudade instintiva de todas as formas do mundo antes de nascer

aquela escultura que não evoca a ninguém a cronologia mas o seu corpo entrelaçado
à náusea a convicção de que a história da circum-navegação grega
se perde e de que a desfiguração do passado é exacta instantânea.

Esse corpo fendido de que brota para o ócio a água ordena
o jogo dos arcos com uma cruz na transparência a marca
da vida vulnerável na morte dos personagens da batalha

que no socalco no sopé em torno da coluna sombreada
pelas glicínias plantas que rastejam e adornam partes do tórax
de século para século acompanham a nudez do obelisco

das filas de habitantes imóveis destinados à cena
do reverdecer das ervas subterrâneas. Quando na praça o pavor que a eternidade
no jardim me comunica através da distribuição dos afectos da relação

e da exaltação que as figuras petrificadas ao viver entregues às sombras hirtas
me transmitem quando me sento no interstício do conjunto bélico nos reflexos
de lanças quando observo o alheamento a paz com que os destruo.

Nasceu em Lisboa (Portugal), em 1938. Pertenceu ao grupo Poesia 61 e, na colectânea em que este grupo surgiu, publicou «Morfismos». Traduziu »O Teatro e o seu Duplo», de Artaud. Traduziu também Brecht e prepara versões de Whitman. Escreveu teatro. Encenou Lorca. Publicou vários volumes de poesia.
Nova 1

fotografia de Maria João Palla

sexta-feira, janeiro 19, 2007

A ousadia dos empresários, por Paulo da Costa Domingos


Portugal não tem, nesta matéria, motivo de queixa. Basta termos em mente o exemplo do feliz empresário que foi Salazar. Repare-se:Tomou as rédeas do poder num momento de crise, invalidando sistematicamente, e com processos que a legislação produzida tornava inquestionáveis, os seus adversários e concorrentes directos e indirectos. Neste particular, tanto mandava quebrar as pernas ao zé-ninguém como as cabeças pensantes da alta burguesia com pretensões dirigentes. Quem não ia por ele, é porque estava contra ele, dizia-se. Daí, este nosso país, volvidos tanto tempo, ainda sofrer hoje do complexo de «Maria vai com as outras». Se nas fábricas, nos campos, nos mares e nas cadeias fervilhavam os inimigos dele, o mesmo não se poderá dizer das igrejas, dos conventos, dos corpos docentes, dos quartéis (sim… até nos quartéis!), das confederações, dos grémios, da banca, dos ranchos folclóricos, do funcionalismo público. Mas os ódios que gerou mantiveram-no, afinal, no mando deste país quase meio século.
Pedir hoje, aos actuais empresários, que sejam mais ousados, é pedir-lhes despudor, abuso, atropelo de tudo e de todos, é pedir-lhes que agravem as miseráveis condições de vida dos trabalhadores, e da sociedade em geral. É dar cobertura a arbitrariedades, a despedimentos, à destruição de justas regalias obtidas nas lutas sociais, reformulando leis e regras básicas de manutenção da máquina social. Gerar riqueza para o país significa, nas mãos desta gente, apropriarem-se de todos os recursos materiais e humanos disponíveis. Gerar riqueza significa aqui roubar a riqueza difusa de todos nós, porque, como disse Asger Jorn, «ninguém pode ganhar mais que aquilo que outro perde». Significa acelerar o colapso radical da micro-economia, da economia caseira (apodada agora de "economia paralela"!!…), acelerar a falência dos pequenos empresários. Significa ir por diante com o projecto nuclear, chafurdando agravadamente no meio-ambiente. Significa permitir que mudem as regras a meio do jogo dos compromissos assumidos pelos que foram forçados a endividar-se junto dos bancos. Significa que o próprio Estado vai estimular o mergulho na barbárie do capitalismo selvagem. Significa que, num mundo de reservas limitadas e a esgotarem-se, vamos ser obrigados a assistir impassíveis à sua rápida concentração nas mãos dos mesmos que alimentam hoje um comércio de luxo galopante.
Significa, concomitantemente, o instrumentalizar da opinião pública através da comunicação social. E utilizar o retorno desses meios informativos para sondar e auscultar a multidão. Significa a nidificação ininterrupta da "crise", dos receios inspirados pela ideia de crise, melhor dizendo. Significa, em suma, uma estratégia política fundada no desvio das atenções e na mentira… Lá diz o povo: Com a verdade me enganas.Ó Estado, não é preciso tocar a reunir. A clique empresarial, o patronato assim como os chefes no terciário, já aí estão a dar cabo da boa vida.

Paulo da Costa Domingos

quinta-feira, janeiro 18, 2007

João Pedro Mésseder no Município da Moita - Programa

Dia 19, 6ª-feira – manhã – Escolas do 1º ciclo / Moita
Encontro de João Pedro Mésseder com alunos de escolas do 1º ciclo do Ensino Básico, da Moita, em torno do livro «O Aquário» e da actividade de escritor.

Dia 19, 6ª-feira – tarde – Escola Secundária / Moita
Encontro de João Pedro Mésseder com alunos de uma escola do Ensino Secundário, da Moita, em torno do livro «Abrasivas» e da escrita do autor.

Dia 20, sábado – 15.30 h – Biblioteca / Moita
Encontro de João Pedro Mésseder com um grupo de adolescentes, frequentadores habituais da Biblioteca Pública Municipal da Moita.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Ler será, no futuro, um acto de rebeldia. Maria Luísa Blanco entrevista Alberto Manguel

Autor de uma «História da Leitura», livro que constituiu um marco no universo dos leitores, toda a obra de Alberto Manguel ( nascido a 1948 em Buenos Aires) não faz mais que recrear o mundo dos livros e dos autores que o protagonizam. Nos próximos dias é editado (em castelhano) um seu novo livro «La biblioteca de noche»(A biblioteca da Noite) , que é uma viagem pelas grandes bibliotecas do mundo: desde a lendária Biblioteca de Alexandria fundada pelos ptolomeus no século III antes de Cristo, até às bibliotecas que podemos hoje desfrutar, para terminar, por fim, na figura da biblioteca como local, um local a que sempre se regressa.

O amor pelo livro nasceu em Manguel, segundo o próprio, de forma espontânea e rápida: «Era uma criança adulta, e quem me criou foi um ama, com quem aprendi o inglês e o alemão, as minhas duas línguas maternas, e ela, que não sabia muito bem o que era uma criança, punha à minha disposição os livros, e uma vez por semana íamos comprar um. Mas a paixão por eles era uma coisa minha, pois rapidamente notei que os livros eram uma forma de me abrir ao mundo. Passei a infância de país para país, e voltar aos livros à noite era para mim uma forma de voltar ao conhecido». Filho de diplomatas, foi certamente ao longo dessa infância errante quando nasceu o que hoje é um sonho realizado: a construção de um edifício onde alberga a sua própria biblioteca.O local eleito pelo autor de «Dicionário dos lugares imaginários» chama-se Le Presbytère e localiza-se em Mondion, uma pequena aldeia perto da aldeia francesa de Poitiers, erguida numa colina a sul do Loire. O que Manguel encontrou nesta antiga propriedade da Igreja, que perdera o seu património com a evolução Francesa, foi apenas um muro que a separava do prédio vizinho. Hoje no local ergue-se uma magnífica nave, construída com pedra arenisca, e contígua à qual está a casa do escritor que fica encosta ao muro com vitrais da igreja do século XV. Logo que flanqueamos a porta notamos que se trata de uma biblioteca de um romântico. Salpicados com detalhes e cumplicidades pessoais, as prateleiras da biblioteca distribuem-se pelos dois pisos. O escritor trabalha no de cima, que possui uma vista invejável para o jardim: um amplo campo com bétulas, abetos e pinheiros. Manguel faz questão de salientar de como ali se ouve o silêncio. E a verdade é que neste épico lugar, em cujo horizonte próximo se encontram os túmulos de Leonor de Aquitânia e de Ricardo Coração de Leão há algo de parecido.Próximos do seu gabinete estão os livros de literatura espanhola e portuguesa e os seus livros de referência: autores clássicos, exemplares de livros sobre o livro, coleccionados na altura em que escrevia a sua história da leitura, e títulos de literatura árabe. Entre as distintas edições do D. Quixote, está uma edição de 1782 que comprou numa velha livraria de Madrid, e em que sobressai um curioso retrato real do imaginário narrador do Quixote, Cide Hamete Benengel. Uma fotografia do túmulo de Borges em Genebra, um retrato do próprio Manguel, realizado por Silvina Ocampo, quando ele tinha 17 anos e uma variada colecção de fotografias dos seus filhos e amigos completam o horizonte visual de que se rodeia o escritor. O grosso da colecção de livros está no piso inferior.

Uma vez que corresponde a uma biblioteca tão pessoal, a maioria dos livros têm a sua própria história: «Os Contos dos Irmãos Grimm foi o primeiro livro que comprei», conta Manguel. «Aprendi a ler em Israel, onde o meu pai era embaixador, e onde podia ir à livraria que era ao lado da nossa casa, e escolher os livros que quisesse. Tinha cinco ou seis anos quando comprei este exemplar. Além disso, encontramos diversas edições assinadas por Juan Ramón Jiménez, todo a obra de Pérez Galdós nas edições da Biblioteca Castro, as obras completas de Kippling com a assinatura do autor, vários livros de Borges com dedicatória, e um livro do próprio Kipling que tinha pertencido ao autor de O Aleph e que este ofereceu a Manguel quando tinha 17 anos e teve de deixar Buenos Aires.O ponto de partida do seu novo livro «A Biblioteca da Noite» é a interrogação sobre o sentido do universo, mas qual é a necessidade de encontrarmos um sentido? «Os seres humanos podem ser definidos como animais leitores. Achamos que o mundo natural tem de ser decifrado. Vivemos então esse paradoxo: sabemos por um lado que este mundo não tem nenhum sentido e ao mesmo tempo perguntamos pelo porquê das coisas.» A resposta, Manguel não tem dúvidas, está nos livros. Por isso lamenta que o livro não goze hoje do prestígio de outros tempos: «As características que a tecnologia possui são as que, por razões económicas, as nossa sociedade mais valoriza. Há 50 anos a biblioteca estava no centro da sociedade, ninguém questionava que ler era importante, mas o actual capitalismo selvagem não tolera um consumidor lento. Ora a literatura, ao contrário, exige lentidão, exige que pares, que reflictas, que nunca chegues a uma conclusão. Nunca poderás concluir, por exemplo, que o D.Quixote está louco ou não. Como sociedade temos que dizer que o acto intelectual é importante. Não podes pedir a um adolescente que leia quando ele vê que toda a actividade que não te dê um lucro imediato e visível é olhada como inútil. Acho que não existem seres humanos não leitores. Na actual sociedade somos como que missionários de uma religião em que a igreja central já não acredita.»

Uma das bibliotecas preferidas por Alberto Manguel é a Biblioteca circular de Aby Warburg, em Hamburgo, à qual dedica um capítulo do seu livro. Herdeiro de uma grande fortuna, Warburg deixou-a nas mãos do seu irmão com a condição de que reservasse o dinheiro suficiente para manter a sua biblioteca e pudesse comprar os livros que quisesse. O lema desse homem tão singular era «vive, e não faças mal». Mas há outras bibliotecas que são exemplares para Manguel: « A London Library, uma biblioteca circular, que te envia os livros que queiras, onde quer que estejas, e compram os livros que precisas, e para a qual os livros não são peças de museu. E há ainda as bibliotecas andantes de Colômbia, os biblioburros que servem para chegar às povoações perdidas na Serra. Alguém da aldeia trata de esvaziar a bolsa, para algum tempo depois voltar a enchê-la.»

Os livros nunca se deram bem com o poder, e por isso é que o escritor insiste na necessidade da leitura como elemento de protecção: «A história do livro é paralela à da censura. Uma das coisas essenciais que a leitura proporciona é aprender a pensar, e não há nada mais perigoso para o poder que um povo pensante. A tarefa do político é mais fácil se tiver um povo idiota. Tiram-nos os livros para educarem-nos na estupidez, e isso sempre foi o objectivo dos ditadores. Mas Manguel salienta outras formas de censura na actualidade:« o editor cuja vocação era a literatura já não pode trabalhar da mesma maneira porque tem de sacar um proveito financeiro, e isso elimina 90% da literatura. Se Borges apresentasse hoje um novo livro não poderia publicá-lo. Um editor baseia-se nas vendas anteriores desse autor, e se elas não tiverem sido satisfatórias, deixa de o publicar. Essa situação complica-se ainda mais porque agora existem os compradores das grandes superfícies, e são eles que cada vez mais decidem. No mundo anglo-saxão à mesa do editor sentam-se o crítico, o gerente e esse comprador que opina sobre o livro, e se se aceita as suas condições são comprados 50.000 exemplares, sempre com a possibilidade, no entanto, de os devolver. Esta situação, em que nos encontramos, terá consequências catastróficas.»

Será a leitura um acto de rebeldia?
«Sempre o foi: primeiro porque se valoriza a acção e não a inacção, e porque suscita a reflexão, e isso é sempre perigoso. E ainda porque graças à leitura começamos a saber quem somos. No futuro, ler será não só um acto de rebeldia como também um acto de sobrevivência. Se nos resignarmos, como leitores, a que nos impeçam de ler a boa literatura, acabamos por nos condenar a ser menos humanos. É um risco que não podemos correr. E estamos à beira de uma catástrofe, porque depois de termos destruído o mundo natural, estamos a fazer tudo para destruir também o mundo intelectual. Por isso há que agir agora. O que significa dizer agir hoje mesmo.»

O lema a que preside à biblioteca de Le Presbystère é «Lê o que quiseres», porquanto para Manguel o amor aos livros não se pode ensinar: « O amor aos livros é algo que se aprende, mas não se pode ensinar. Da mesma forma que ninguém nos pode obrigar a apaixonarmo-nos, também ninguém nos pode obrigar a amar um livro. São coisas que ocorrem por razões misteriosas. Mas do que estou convencido é que para cada um de nós há um livro que nos espera. Nalgum lugar da biblioteca há uma página que foi escrita para nós.»

(artigo de Maria Luísa Blanco, publicado na edição de13 de Janeiro de 2007 do jornal El País, com o título «Leer será en el futuro un acto de rebeldia»)

Retirado de
Pimenta Negra

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Cavaco e Luís Amado, as duas faces de Alberto Costa

Soube, pelo António Manuel Venda que navega no seu Floresta do Sul que a Cavaco Silva tinha sido atribuído, em Goa, um Doutoramento (ainda que honoris causa) em Literatura. Um Mann por um More. Uma censura por Saramago. Que se lixe! Como se dizia no século XVII: quem foi a Goa, escusa de ir a Lisboa!

Estava para o dizer há muito. Trata-se de um dos melhores blogs que consulto amiúde. É de Paulo da Costa Domingos e da frenesi. Vale a pena ir lá e ler o excelente artigo de PCD «Um Casal Ventoso» sobre Ana Gomes e Luís Amado e os tais voos da CIA.

O Alberto Costa afirmou que tinha uma febre reformista igual à de Cavaco? Não. Acho que não disse. Ou disse? Ou estamos todos alucinados? Ou precisamos todos de alucinar, mesmo?

Os Mundos Separados que Partilhamos, novo livro de Paulo Kellerman. A sair em Fevereiro

É já em Fevereiro que se editará Os Mundos Separados que Partilhamos de Paulo Kellerman. É este o título deste seu novo livro, depois de o Grande Prémio do Conto Camilo Castelo Branco lhe ser atribuído pela APE e C.M. de Famalicão, no ano passado. Entre os novos contos que serão apresentados no livro, estará presente «Ai» a que foi atribuído o Prémio Manuel da Fonseca. Sobre Os Mundos Separados que Partilhamos, Paulo Kellerman responderá a uma mini-entrevista, aqui no Deriva das Palavras, muito em breve.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Ilse Losa: breve perfil de uma autora a ler e reler, por José António Gomes

De origem alemã e ascendência judaica, Ilse Lieblich Losa nasceu em 1913, em Bauer, cidade próxima de Hanover. Tendo vivido a primeira infância com os avós paternos, frequentou o liceu em Osnabrük e Hildesheim e o Instituto Comercial em Hanover. Ao regressar à Alemanha, após um período em Londres tomando conta de crianças, vê-se obrigada a abandonar a pátria, dada a sua condição de judia. Escapa desse modo à perseguição nazi e, chegada a Portugal em 1934 (ano em que Hitler assume o poder na Alemanha), radica-se no Porto, casando com o arquitecto Arménio Losa e adquirindo a nacionalidade portuguesa.
Inicia, então, uma vasta obra escrita em português, a qual abrange romances inspirados – ou pelo menos enraizados – na sua experiência de vida (como O Mundo em que Vivi, 1949, Rio sem Ponte, 1952, Sob Céus Estranhos, 1962), além de contos, crónicas, trabalhos de índole pedagógica (Nós e a Criança, 1954) e sobretudo literatura para crianças. Traduziu para português autores alemães, colaborou em diversos jornais e revistas e foi também uma divulgadora da literatura portuguesa na Alemanha. Em 1984 recebeu o Grande Prémio Gulbenkian, pelo conjunto da sua obra para crianças e, em 1998, o Grande Prémio de Crónica, da Associação Portuguesa de Escritores, pelo livro À Flor do Tempo (1997).
Revelando permanente abertura à diversidade temática, de géneros e de perspectivas que deve caracterizar a produção literária para crianças, foi a partir de finais dos anos 40 do século XX que Ilse Losa contribuiu, com os seus contos, recontos de histórias tradicionais e peças de teatro (por exemplo A Adivinha: peça em quatro quadros, 1ª ed.: 1967; 2ª ed. refundida: 1979), para a renovação da literatura portuguesa para crianças, enveredando muitas vezes por uma via «realista», de acentuada envolvência social, mesmo quando a voz que narra é a de um animal antropomorfizado, como sucede em Faísca Conta a Sua História (1949). Mas imbuiu também a ficção de dilemas morais e espírito crítico, sonho e sentido de esperança, numa escrita coloquial e despojada, pontuada contudo por expressivas comparações e prosopopeias e marcada por um uso rigoroso do adjectivo. Uma escrita que se abriu também ao maravilhoso, ao humor (v. Bonifácio, 1980) e a uma fantasia de cunho onírico (Viagem com Wish, 1984), sem nunca se esquivar a temas «problemáticos» como a guerra, a perseguição política e a tortura. Veja-se, a este propósito, o conto «Apesar de tudo», de A Minha Melhor História, ou ainda Silka, que é difícil não ler como uma parábola focada na questão da intolerância étnica e como uma dolorida meditação sobre o destino do povo judeu. De referir ainda que Ilse Losa dissertou sobre o livro para crianças em várias das suas crónicas jornalísticas, tendo sido pioneira no ensino da literatura para a infância no nosso país.
Beatriz e o Plátano (1976) (livro editado numa histórica e notável colecção de livros infantis que ela própria dirigiu – «ASA Juvenil» –, e que revelou muitos jovens autores, nas décadas de 70 e 80) é uma das primeiras narrativas portuguesas para crianças animadas do espírito do 25 de Abril, evidenciando também pioneiras preocupações ambientais e cívicas. Várias vezes reeditados até à sua morte, em 2006, livros de Ilse Losa como Faísca Conta a Sua História, Um Fidalgo de Pernas Curtas (1961), Um Artista Chamado Duque (1965), O Quadro Roubado (1977) (que não anda longe da estrutura do relato policial), a par de O Senhor Pechincha (a 1ª ed. de que temos conhecimento data de 1973, encontrando-se este conto incluído na 2ª ed. da colectânea Um Fidalgo de Pernas Curtas e Outras Histórias, com ilustrações de Júlio Resende) e ainda A Minha Melhor História (1979) e Silka (1984) constituem marcos na história da literatura portuguesa para a infância e juventude. O último original para crianças que publicou em vida, O Rei Rique e outras Histórias (1989; reeditado em 2006 pela Porto Editora), traz-nos cinco contos breves e divertidos, impregnados de fantasia, a que não falta uma crítica fina e actual a certos comportamentos sociais e até a respeitáveis instituições. Coloquial e discretamente desafiadora, a escrita de Ilse Losa irmana-se nesta última obra com as aguarelas e colagens de um grande pintor, Júlio Resende, que mais do que uma vez ilustrou os textos de Ilse e se afirmaria pela sua criatividade na ilustração de livros para crianças.
Hoje, esta escritora merece sobretudo que bibliotecas e escolas (designadamente as do Porto, cidade que a «adoptou») dêem destaque aos livros que nos deixou, à sua vida e escrita, encontrando modos de continuar a dar a ler tais livros aos mais novos, mantendo-os assim vivos e actuantes. É que Ilse Losa foi, a vários títulos, uma voz inovadora e, a partir de 1949, concorreu, de maneira decisiva, para a renovação da literatura portuguesa dirigida aos mais pequenos, tendo sido, como se disse, uma das primeiras professoras (senão a primeira) de literatura para a infância na velha Escola do Magistério Primário do Porto. Foi, ademais, uma assumida antifascista e democrata, que, dos anos 50 em diante, conviveu com uma notável plêiade de homens e mulheres que dinamizaram – com todas as dificuldades impostas pelo fascismo – a vida cultural, literária e cívica do Porto durante a segunda metade do século XX. Entre essas mulheres e homens, contam-se Óscar Lopes (que muito apreciava Ilse e sobre ela escreveu), Luísa Dacosta, Egito Gonçalves, Papiniano Carlos, Luís Veiga Leitão, José Augusto Seabra, António Rebordão Navarro e tantos outros.
Copyright/ José António Gomes

Três momentos edificantes três, num fim-de-semana chuvoso

Vejo, na televisão, uns carros poeirentos a acelerar e quase me parece ver um rali na Austrália. Era, confirmei-o depois, o Lisboa – Dakar em paisagens algarvias.

Igreja da Graça, em Santarém. Assiste-se a uma conferência de imprensa (!!) no altar da nave central de um qualquer concurso para eleger as 7 «maravilhas» portugas. Freitas do Amaral, embevecido e entusiasmado, afirma peremptório que «qualquer dia o secretário-geral da ONU seria eleito através da Net, por todo o mundo». Santarém. Igreja da Graça. Conferência de imprensa. Na nave central.

Esther Muznik na Sic/ Notícias. Críticas a Sadam executado? «Bom… eu também… quer dizer… isto é tudo uma hipocrisia. Toda a gente é contra a pena de morte. Toda…mas ele era…». Toda a gente é contra a pena de morte? Por onde anda Esther Muznik? Nos autocarros e nos táxis das grandes cidades? Nos cafés de bairro? Não tem ido a Israel ultimamente? Pois é… tudo isto é uma hipocrisia!

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Plano editorial para 2007



Janeiro - «Os Mundos Separados que Partilhamos» - Paulo Kellerman - contos
Fevereiro - «Vozes do Alfabeto» de João Pedro Mésseder, ilustrado por João Maio Pinto - infantil
Março - «Meridionais» de João Pedro Mésseder - poesia
Abril - «O Futuro Primitivo» de John Zerzan – ensaio
Abril/Maio - «O Estado-Guerra» de Santiago López Petit - ensaio
Maio - «O Espírito Nómada» de Kenneth White - ensaio sobre poesia
Junho - «Dragona» de Xavier Queipo - romance
Julho - «Instruções para uso do Lobo - Carta sobre a crítica literária» de Emanuele Trevi - ensaio
Setembro - «Dorregarrai - A casa da Torre» de Angel Rekalde - romance histórico
Outubro - sem título - poesia de Filipa Leal
Outubro - sem título - poesia de Marilar Aleixandre

O plano, necessariamente incompleto no último trimestre de 2007, aponta para um reforço do ensaio sobre política e poesia (da vida, portanto!) com a presença do poeta e crítico italiano Emanuele Trevi e do escocês (radicado há muito em França) Kenneth White. Também o americano John Zerzan escreverá um prefácio para Portugal da sua obra polémica e objecto de várias recensões críticas «Future Primitive». Um ensaio político de Santiago López Petit será publicado pela primeira vez em Portugal - O Estado-Guerra. Da Galiza estarão presentes autores já editados entre nós, Xavier Queipo (3º livro em Portugal, pela Deriva) e a poeta Marilar Aleixandre. Do País Basco, apresentaremos o romance histórico sobre as guerras civis liberais e independentistas desse país pela mão de Angel Rekalde. De poesia editar-se-á João Pedro Mésseder e Filipa Leal considerados já autores «residentes».

Mas é já em finais de Janeiro que se publicará «Os Mundos Separados que Partilhamos» de Paulo Kellerman que escreve este seu livro de contos depois de ter ganho o Grande Prémio do Conto da APE com «Gastar Palavras», também com a chancela da Deriva. (Seguirá dentro de pouco tempo a Press Release sobre este livro).

Na área da edição infantil um excelente livro de João Pedro Mésseder «As Vozes do Alfabeto» ilustrado agora por João Maio Pinto (este autor já tinha editado «O Aquário» com a Deriva, tendo sido recomendado para o PNL, com Gémeo Luís, Prémio Nacional de Ilustração 2005).
Também Gémeo Luís continuará a orientar graficamente os livros da Deriva.

Entrámos em 2007 com 10000 visitantes

Não que os números redondos tenham algum significado escondido, mas que é bonito entrar em 2007 com 10000 visitantes, lá isso é.

Para os amigos, todos eles, um bom ano.