domingo, novembro 26, 2006

Cesariny (1923-2006)


No país no país no país onde os homens
são só até ao joelho
e o joelho que bom é só até à ilharga
conto os meus dias tangerinas brancas
e vejo a noite Cadillac obsceno
a rondar os meus dias tangerinas brancas
para um passeio na estrada Cadillac obsceno

E no país no país e no país país
onde as lindas lindas raparigas são só até ao pescoço
e o pescoço que bom é só até ao artelho

ao passo que o artelho, de proporções mais nobres,
chega a atingir o cérebro e as flores da cabeça,
recordo os meus amores liames indestrutíveis
e vejo uma panóplia cidadã do mundo
a dormir nos meus braços liames indestrutíveis
para que eu escreva com ela só até à ilharga
a grande história do amor só até ao pescoço

E no país no país que engraçado no país
onde o poeta o poeta é só até à plume
e a plume que bom é só até ao fantasma
ao passo que o fantasma - ora aí está -
não é outro senão a divina criança (prometida)
uso dos meus olhos grandes bons e abertos
e vejo a noite (on ne passe pas)

Diz que grandeza de alma. Honestos porque.
Calafetagem por motivo de obras.
É relativamente queda de água
e já agora há muito não é doutra maneira
no país onde os homens são só até ao joelho
e o joelho que bom está tão barato


Mário Cesariny de Vasconcelos
Poesia (1944-1955), Ed. Delfos
Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano

Um moleskine de António Tavares Lopes



















Mais um moleskine de António Tavares Lopes (para nós, o Tó BD, sempre!) a pedir muita atenção. É sempre um prazer vê-lo a vaguear por aqui.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Este sábado, dia 18/11, pelas 18:30h, na FNAC do Chiado, Nuno Júdice apresenta o último livro de Filipa Leal - A Cidade Líquida e Outras Texturas


A 28 de Outubro, no Clube Literário do Porto, A Cidade Líquida e Outras Texturas da Filipa Leal, teve o encontro esperado com os seus primeiros leitores. Nessa ocasião e numa tão arrebatada como sincera alocução de apresentação da autora, João Gesta, nome já incontornável da cultura que teima em subsistir, apesar de tudo, naquela cidade, disse dela:

«… a Filipa ousou e venceu. Exigiu tudo à Poesia. Encostou uma estrofe à garganta da Poesia e a Poesia rendida, já lhe deu praticamente tudo: em quatro anos ao leme do Suplemento “Das Artes, das Letras” de O Primeiro de Janeiro, caneta à altura dos rins, tornou-se numa das mais conceituadas jornalistas culturais da cidade. Recordo e recomendo-lhes as notáveis entrevistas que fez a António Ramos Rosa, Agustina, Adélia Prado, Nuno Júdice, José Luís Peixoto, só para mencionar algumas (…). Pela voz da Filipa passam, todos os anos, alguns dos momentos mais belos da Poesia portuguesa. Com efeito, em dezenas de recitais já efectuados, a Filipa dá voz a alma e corpo aos nossos poetas, à nossa língua.»

João Gesta falava, evidentemente, das Quintas da Leitura que, no Teatro do Campo Alegre, se vão tornando numa referência importantíssima na poesia. Este A Cidade Líquida é o seu terceiro livro e que é acompanhado muito bem pela Mafalda Capela que lhe empresta a fotografia e pela capa de Gémeo Luís. Depois de “Lua Polaroid”, seguiu-se “Talvez os Lírios Compreendam” (destaque-se o excelente prefácio de António Mega Ferreira que aí então assinou) e agora este livro que, de um modo completamente parcial, afirmo, irradia luz e uma beleza muito próprias. Não me canso de o dizer.

Quando a Filipa me disse que gostaria de ter Nuno Júdice ao seu lado, aqui em Lisboa, sobressaltei-me. Este poeta pertence-nos, já. E a mim, em particular, foi crucial numa fase muito particular da minha vida. E não foi sem alguma perplexidade que voltei aos meus livros de Nuno Júdice (reparem na possessão quando falo dos meus livros de Nuno Júdice!) para estabelecer conexões e acasos de que a Poesia é fértil em surpreender-nos. Assim, reli, com evidente prazer, a «Crítica Doméstica dos Paralelepípedos», «As Inumeráveis Águas», «Nos Braços da Exígua Luz», «Antero – Vila do Conde», «A Partilha dos Mitos» e o mais recente «A Fonte da Vida». O sobressalto veio, contudo, com um livro editado em 1972, comprado antes de uma viagem de comboio de Coimbra para Tomar (lembro-me como se fosse hoje) que é a «Noção de Poema» e se não me engano o seu primeiro livro de poesia, editado pela saudosa pequena colecção da D. Quixote. Cito Nuno Júdice:

«Eu invento uma poesia que as máquinas poderiam fazer. Baseio-me no princípio de que o sentimento é uma forma gasta de composição. Cada uma das minhas palavras é um processo formal. Nada é gratuito e descurado e eu próprio, ao incluir-me por vontade expressa no poema, me desumanizo e reencarno no rito purificador da emergência lógica. Não encontrarão em mim meditações lúcidas ou juízos coerentes – apenas figuras contraditórias que o raciocínio sintetizou de ambientes irreais e desesperados (…).»

Nuno Júdice escreveu isto, tinha 23 anos. Com 24, a Filipa, em «Talvez os Lírios Compreendam» escreveu num “Prefácio a qualquer um dos meus livros”:

«Sou hoje algo mais do que pânico. Desmascarei o cobarde medo de estar viva. Hoje diverte-me a imortalidade ingénua dos destemidos. Às vezes, escorre o desânimo dentro e fora do meu corpo – nas insónias lentas. Mas o que há de vulgar na imortalidade secreta das palavras é a íntima nudez, que não persiste para além das páginas. Resta-nos o cobarde medo de nos despirmos, devagar. E o milagre da escrita.»

Ora, parece-me que este aparente desespero que provoca a poesia da Filipa numa espécie de inumanidade luminosa e errática já detectada em A Cidade Líquida e Outras Texturas e gravada na contracapa do livro será igualmente a «desumanização» de que falava Nuno Júdice em «Noção de Poema» que levará, paradoxalmente, e na minha perspectiva, aos “ritos purificadores da emergência lógica”, ou seja, ao estado poético, à idade do Homem.
ALC

terça-feira, novembro 14, 2006

XII Encontros Luso-galaicos-franceses do Livro Infantil e Juvenil, 15 a 17 de Novembro, na Almeida Garrett, Porto

Logo de Gémeo Luís

«Grande Autores para Pequenos Leitores» é o tema, muito sugestivo, dos XII Encontros Luso-galaicos-franceses do Livro Infantil e Juvenil, que todos os anos se realizam na Biblioteca Almeida Garrett, no Porto, entre 15 a 17 de Novembro. Poderá consultar o programa aqui.

domingo, novembro 05, 2006

«E Você é um Submisso?» título da entrevista de Miguel Carvalho a Vicente Romano na Visão de 2 de Novembro


Miguel Carvalho, da revista Visão desta semana, entrevistou Vicente Romano que esteve em Portugal a apresentar A Formação da Mentalidade Submissa, editado pela Deriva. Foi aqui no Porto (na Biblioteca Almeida Garrett, com perto de 60 pessoas e moderado por Rui Pereira) e em Lisboa, na Livraria Letra Livre, com a apresentação de Isabel do Carmo e Rui Pereira. Aí, encheu-se um novo espaço desta livraria com muita gente interessada em saber o que pensa Vicente Romano sobre a origem da submissão através do Estado, dos Media e da Escola. Não necessariamente por esta ordem.
Destacamos, da entrevista de três páginas que publicaremos em breve e na íntegra, as seguintes passagens:

MC - Como é que as sociedades constroem uma mentalidade submissa?
VR - Começa em casa, na escola, mas são os media que mais «educam»: dizem-nos o que é bom e o que é mau, quem é bom e quem é mau. Através da violência simbólica ou psicológica inculcam esses significados. Outro factor determinante na formação de opinião é o entretenimento. A escola devia ensinar as crianças a ver televisão, a escola deveria, pelo menos, proporcionar-lhes formação crítica e uma reflexão sobre a forma como são manipuladas. Só a acção e a experiência levam ao verdadeiro conhecimento. O receio de perguntar é um resultado da domesticação.»
(...)
MC - Diz que as sociedades democráticas e livres são um mito. Porquê?
VR - Qual foi o momento histórico em que o poder caiu nas mãos da maioria? E onde, já agora? A democracia só será possível quando as pessoas participarem a todos os níveis. A democracia acaba quando cruzas a porta e entras na fábrica ou na empresa. Aí, manda quem pode. Os poderosos, de resto, exigem confiança e fé nos cidadãos, premissas para que um sistema funcione. É mais fácil enganar uma pessoa que confia do que outra que pensa por si própria e duvida.
(...)
MC - Que devemos fazer então para sermos um pouco mais livres, menos submissos?
VR - Ampliar conhecimentos sobre o meio e a sociedade em que vivemos. Descobrir como funciona. O conhecimento é sempre activo. E exige esforço. Depois, então, sim, tentar transformar a sociedade em nosso benefício e não de uns poucos que continuam a chupar o sangue à humanidade. Se executarmos acções sem conhecer as suas causas. condições e efeitos, passamos a ser a causa, condição e efeito das acções dos outros.»
(...)
A adquirir, pois, a Visão, num quiosque perto de si. O livro está aqui.

No Voz de Galicia, uma reportagem de Xesús Fraga, sobre o Porto. A ler

Imagem: Albert Olive

A gestão de Rui Rio já passou fronteiras mesmo que, alguns, não considerem «fronteira» essa linha cada vez mais imaginária que nos separa da Galiza. Xesús Fraga veio ao Porto e conta o que viu. Um dia antes do anúncio do corte de subsídios às instituições culturais da cidade e alguns dias depois da «crise» do Rivoli. A visão não é obviamente muito boa, mas aqui ficam extractos do artigo Portugal Asómase a Galicia que pode consultar, na sua versão completa, aqui.

«(...)Porque Portugal está en crise. A recesión económica e a falta de confianza nas institucións pairan sobre as conversas e asoman nos xornais. O sábado pasado, Público anunciou na súa primeira plana o retiro de ata cinco mil docentes do sistema educativo. Na páxina editorial da edición do Porto, definíase así o traballo do concelleiro de Cultura, Fernando Almeida: «Non se sabe que pensa, que proxectos defende. Que estratexia ten para esta delicada área. Almeida non aparece, non se mostra, non se expón». Cando vinte persoas se pecharon no Rivoli para falar con el sobre a privatización, silencio.»

«A XESTIÓN
Hai a quen non sorprende este silencio institucional. «En Portugal sempre se ollou esta área con desprezo. Sempre foi así e, cando non, foi unha tentativa de propaganda do réxime, inclusive o democrático». António Luís Catarino, responsable de Deriva Editores, é pesimista. Para el, o caso do Rivoli sintetiza a ausencia de ideas arredor da xestión cultural, sumida nun «populismo do que Portugal non conseguiu, ou non quixo, liberarse». «Se a cultura non vende, privatízase para dar diñeiro. Non sei se hai un exemplo que ilustre mellor a situación», laiase. Menos pesimista é a directora do festival de cine Fantasporto, Beatriz Pacheco Pereira; ela queda en «medio pesimista». «A cultura vai mal, como o resto do país, por outra parte», matiza. Segundo ela, os recortes presupostarios déixanse notar, aínda que as grandes institucións culturais sofren menos. Para os eventos con financiamento privado, como é o caso de Fantasporto, hai que seguir loitando por asegurarse os patrocinios. Pacheco dirixe a un equipo de seis persoas dende unha oficina ateigada de arquivadores, cartaces de filmes e diplomas de Tromaville. Durante a celebración do festival, os colaboradores eventuais chegan a máis dun cento. Lynch, Cronenberg ou Almodóvar presentaron os seus filmes en Fantasporto cando eran case uns descoñecidos;»

«RUMBO A BERLÍN
Malia ao fantasma da crise, os creadores portugueses non se desaniman. Outra cousa son as oportunidades para difundir o seu traballo. Por este motivo, o Serralves —que o venres abre unha amplísima exposición dedicada aos anos oitenta, con máis de 70 artistas de todo o mundo— ten previsto dedicar unha mostra anual a un novo talento portugués, segundo Ricardo Nicolau, adxunto á dirección. Nicolau confirma que os protagonistas do escenario artístico actual móvense nas mesmas coordenadas que os seus contemporáneos europeos, un feito ao que non é allea a estadía de creadores lusos en Berlín, grazas a bolsas da Fundación Gulbenkian. Segundo Nicolau, arredor de quince artistas portugueses, entre os que se contan Leonor Antunes, Rui Calçada Bastos e Noé Sendas, viven e traballan na capital xermana, onde tamén se prepara unha mostra que enfrontará aos lusos con outros pintores da súa escolla. ¿E que acontece ao regreso? «Moitos non volven», di Nicolau.»

«A EXPERIENCIA DE TRADUCIR (todo o artigo aqui)
Esta conflitiva experiencia coa tradución xa a experimentou António Luís Catarino. En Deriva publican a galegos como Antón Riveiro Coello, Xurxo Borrazás, Xabier Queipo, Ramón Caride, Xabier López López e Gonzalo Navaza, con escaso apoio institucional. Catarino sente, ademais, que o seu esforzo colleita máis críticas que satisfaccións: «Os reintegracionistas nos acusan de contribuír a ''castelanizar'' o galego, mentres que hai críticos en Portugal que nos din que as traducións dos galegos están cheas de castelanismos e nos propoñen galicismos para fuxir da nefasta influencia de España. Dinnos que os libros de Galicia non deberían ser traducidos e terían que ir acompañados de glosarios en cada páxina. Ridículo e inviable». Con todo, Deriva continuará a publicar autores galegos e valora os intercambios coas universidades de Vigo e Santiago, así como algunhas edicións bilingües. Catarino cre que hai que sentar outras bases para un verdadeiro diálogo: «Non existe unha política seria de intercambio cultural entre Galicia e Portugal».

Voz de Galicia, 3 de Novembro de 2006.