domingo, junho 24, 2007

Livraria Orfeu, em Bruxelas: apresentação de Dragona, de Xavier Queipo

Reparaz - La Voz de Galicia


Depois de Vigo, Dragona (ed. Xerais), de Xavier Queipo foi apresentado em Bruxelas na livraria portuguesa Orfeu, de Joaquim Pinto da Silva. Este livro publicar-se-á ainda em 2007 em Portugal, pela Deriva, constituíndo assim o 3º livro deste autor a ser editado por nós. O primeiro foi Bebendo o Mar (2004) e Ciclos do Bambu (2006). O autor nascido em Santiago de Compostela em 1956, é médico e biólogo, e vive há dezoito anos em Bruxelas. O artigo de Juan Olivier da Voz de Galicia sobre esta apresentação pode ser consultado aqui.

Plano Nacional de Leitura: O Elefante que não era Elefante, Galinhas à Solta e Perigo Vegetal na nova listagem

Para além de O Aquário de João Pedro Mésseder, já presente desde o ano passado no Plano Nacional de Leitura foram agora escolhidos mais três livros infantis e juvenis da Deriva. São eles:











O Elefante que Não era Elefante, Marta Rivera Ferner - INCLUÍDO NO PLANO NACIONAL DE LEITURA - para o 1º ano de escolaridade - Destinado à Leitura Orientada na Sala de Aula - Grau de Dificuldade II



Galinhas à Solta, de Marta Álvarez - INCLUÍDO NO PLANO NACIONAL DE LEITURA - para o 3º ano de escolaridade - Destinado à Leitura Autónoma e/ou leitura com apoio dos professores ou dos pais

Perigo Vegetal, de Ramón Caride - INCLUÍDO NO PLANO NACIONAL DE LEITURA - para o 6º ano de escolaridade - Destinado à Leitura Orientada na Sala de Aula - Grau de Dificuldade II

terça-feira, junho 19, 2007

Debate, dia 6 de Julho, pelas 21:30, sobre Futuro Primitivo de John Zerzan na Galeria Sargadelos, Porto




É na Galeria Sargadelos, aqui no Porto, que se vai debater o Futuro Primitivo de John Zerzan, a convite de André Martins. Vamos, com todo o gosto. As intervenções iniciais, porque esperamos outras mais tarde e de todos, são de António Alves da Silva e Rui Pereira. Lá estarei, também, para falar de um livro que me deu grande prazer editar.

É no dia 6 de Julho (sexta), pelas 21:30. A Galeria é na Rua Mouzinho da Silveira, 294. Tel.: 222011666.

William Morris e a Beleza da Vida, edições &etc

«Ao olhar para a Assembleia aqui reunida, sou levado a pensar em tudo o que ela representa e não consigo evitar que a minha alma seja tocada pelos problemas da vida que afectam o homem civilizado e se inquiete com a expectativa de os superar. Mais uma vez, não vou poder deixar de vos transmitir a mensagem de que, presumo, um qualquer desígnio me encarregou. Trata-se, em suma, de apelar para que ouseis enfrentar o mais recente dos perigos que ameaçam toda a humanidade e que é um perigo imanente: o de ela vir a ser privada de toda a beleza da vida por causa de uns tantos que defendem o direito exclusivo aos privilégios. É, de facto, um perigo que os mais fortes e mais sábios entre os humanos, no seu afã para um total domínio sobre a natureza, possam vir a destruir os seus bens mais singelos e generosos, a tornar seus escravos os mais simples e, a eles, escravos de si próprios, o que levará ao mundo a uma segunda barbárie ainda mais ignóbil e muitíssimo menos esperançosa do que a primeira. (...)»


William Morris, A Beleza da Vida, Conferência no Twon Hall, Birmingham, em 1880. Livro recém- editado pela &etc

segunda-feira, junho 18, 2007

Gonçalo M. Tavares e Paulo Kellerman na Bulhosa, em Lisboa, dia 28 de Junho, às 18:30

Vai ser em Lisboa, na Bulhosa, a 28 de Junho ao fim da tarde (18:30), o encontro de Gonçalo M. Tavares e Paulo Kellerman autores com uma bonita relação com o conto. Falarão a dois: o Paulo de Breves Notas sobre o Medo último livro do Gonçalo a sair na Relógio d' Água e este apresentará Os Mundos Separados que Partilhamos do Paulo, editado cá pela Deriva.
Uma salutar relação que se construirá assim, na prática e perante todos, contrariando aqueles que ainda supõem este género literário como um parente pobre da literatura. E. já agora, uma bela parceria das duas editoras. Vamos lá estar todos.

domingo, junho 17, 2007

Da Sombra que Somos, de Maria Sofia Magalhães. Apresentações

Capa de Gémeo Luís

As letras arrumadas
descodificam
a solidão
na ausência de sentidos.
Movo os olhos
e recebo a luz.
Esqueço as mãos
descomprometidas
do mundo.

Maria Sofia Magalhães Loureiro dos Santos, nasceu a 27 de Dezembro de 1961, em Vendas Novas, e vive em Oeiras. Exerce medicina na área da anatomia patológica. Publicou um livro de poesia (A Luz que se Esconde).

Apresentações:
Lisboa - Livraria Barata, 29 de Junho pelas 18:30
Porto - Livraria Poetria / Palácio Balsemão (ao Carlos Alberto), 4 de Julho, 21:30

quinta-feira, junho 14, 2007

Henry David Thoreau e o espírito nómada

«Na literatura, só o que é selvagem nos atrai. Sabedoria e doçura são sinónimos de aborrecimento. O que nos arrebata é o não familiar, o não civilizado, o pensamento livre e vagabundo, o que não se aprendeu na escola, o que não foi refinado nem polido pela arte. Um livro verdadeiramente bom é algo tão natural, primitivo, selvagem, tão misterioso, tão ambrosíaco, tão prolífico como um líquen ou um cogumelo.»

Henry David Thoreau, citado por Kenneth White em O Espírito Nómada a ser publicado pela Deriva. Tradução de Luís Nogueira.

terça-feira, junho 12, 2007

Já à venda - Futuro Primitivo de John Zerzan

Já está à venda Futuro Primitivo de John Zerzan que escreveu um prefácio à edição portuguesa. A capa é de Gémeo Luís, a tradução do prefácio de Cecília Gradim e as ilustrações/colagens de Arte Cavernícola (secção lusa). O livro tem 64 páginas, extensa bibliografia e é uma pedrada no charco na antropologia dita oficial. A uma nova visão da Pré-História e do Homem primitivo contrapõe-se uma necessidade de mudança com o fim de evitar uma catástrofe anunciada há muito na sociedade hodierna. Não é um livro de fim-de-semana. Também não é para conformistas ou para gente cujos percursos nómadas habituais é de casa para o supermercado mais próximo. São 12 euros; 10.50, para assinantes cá da multinacional (aqui, por encomenda).

Para saber mais sobre o livro e sobre o autor clicar em John Zerzan.

domingo, junho 10, 2007

Meridionais, de João Pedro Mésseder a 15 de Junho em Évora e Avis

Apresentações ao Sul de Meridionais de João Pedro Mésseder:

Dia 15 de Junho - Avis, às 13:00 - encontro com alunos na Escola E.B. 2/3 de Avis (com debate sobre o Aquário)
18:00 - Feira do Livro de Avis
21:30 - Biblioteca Pública de Évora

Edição de Junho do le Monde - A Formação da Mentalidade Submissa de Vicente Romano

É José Nuno Matos que assina a crítica de A Formação da Mentalidade Submissa de Vicente Romano na edição de Junho da edição portuguesa do Le Monde Diplomatique. Uma edição a ler.

Tapoquê?

Não percebi o que disse Cavaco Silva no 10 de Junho: leu Taprobana? Trapobana? Tapobrana? Que raio foi aquilo?

Thomas Mann editado pelo lulu.com

Arte Cavernícola

«Hoje Thomas Mann não seria publicado. Não teria editor!», disse um crítico da praça exultando contra a dita classe. Nada que uma outra crítica não tenha pensado já: «Hoje, a edição é inútil. Com o lulu.com, os problemas estarão, à partida, resolvidos. Primeiro a edição na net, mais tarde em papel. Sem editor. Basta o agente e o autor». Assim, desta maneira simples como o ovo de Colombo, se partiria de uma nova premissa e de um novo conceito que exigirá a ausência do editor. Continua uma outra, exigentíssima, crítica: «Ai América, América! Os livros, muito por culpa da América, estão a mudar. Hoje, os autores desdobram-se em mini-encontros de 5 minutos com os livreiros (endeusados pelos promotores - sic) dando tudo: rebuçados, bolinhos, porta-chaves, malas de viagens».

É nestas alturas que me lembro de Ginsberg (não, não é por causa do Uivo induzido pelo Ai América da crítica!) e dos livros da City Ligths Books, do Herberto Helder, do Carlos e do Luís e de como gostávamos dos livros, os trocávamos, discutíamos e os roubávamos, até. Não, a Deriva não oferece viagens, nem canetas, nem porta-chaves... e quanto a Thomas Mann, o Presidente da República que infelizmente temos, apoiado por muito desta gente, não foi o que disse que estava a ler a Utopia, precisamente escrita por ele? É que a diferença entre estas promoções é ténue, como se sabe.

domingo, junho 03, 2007

Intervenção de José António Gomes na Feira do Livro do Porto a 1 de Junho de 2007

Duas notas para o debate sobre «O gosto de ler» – Feira do Livro do Porto, 1/6/2007, em que participaram Teresa Calçada (RBE e PNL), Vladimiro Feliz (vereador da Cultura da CMP), Luísa Dacosta (escritora) e Francisco Madruga (APEL)

1. Não obstante o aumento da percentagem de leitores, observada nas últimas décadas, sobretudo entre as camadas mais jovens da população, a verdade é que no fundamental vivemos num país de não-leitores. Um país com elevados índices de iliteracia e uma intolerável taxa de analfabetismo, 33 anos passados sobre o 25 de Abril. Um país de 9 milhões de habitantes
• onde cada novo livro de poesia de qualidade não é lido por mais de 300 a 500 leitores;
• onde os livros de ensaio têm destino semelhante;
• onde, devido às baixas tiragens, é quase impossível manter colecções de bolso com livros a preços módicos;
• onde não há revista literária que por muito tempo se aguente;
• onde os jornais ditos de referência reduzem cada vez mais o espaço dedicado à divulgação e crítica de livros, substituindo-o por secções de ‘faits divers’ e noticiário sobre frivolidades;
• onde encerram livrarias todos os anos;
• onde muitas editoras e distribuidoras vivem, cada vez mais, em situação de insolvência, numa asfixia lenta, mitigada por efémeros ‘balões de oxigénio’ (a publicação de ‘novidades’, umas após as outras);
• onde o mercado editorial se encontra completamente desregulado (cerca de 80% nas mãos das grandes superfícies (FNAC, hipermercados, Livrarias Bertrand) e o resto nas mãos de livrarias com a corda na garganta), um mercado a ser absorvido, de modo crescente, por um punhado de grandes grupos empresariais, cujo único fito é o lucro;
• onde as grandes superfícies forçam as editoras a ruinosas margens de desconto, o que, paradoxalmente, resulta em aumento generalizado dos preços de venda a público;
• onde entramos na maioria dessas grandes superfícies e nunca encontramos o livro que queremos, pois os escaparates estão inundados de ‘best sellers’ de autores anglo-saxónicos e de outros produtos editoriais altamente tóxicos;
• onde a maioria das famílias portuguesas possui pouquíssimos ou quase nenhuns livros em casa;
• onde existem muitas vilas, e até cidades, sem uma única livraria digna de tal nome;
• onde, quando morreu Augusto Abelaira, ouvimos falar da presença do então presidente da República no lançamento de um livro de José Mourinho, mas nada lhe ouvimos dizer, nesses mesmos dias, acerca da personalidade do autor de “A Cidade das Flores”;
• onde as Bibliotecas Públicas se vêem e acham para arrancar uns tostões aos orçamentos das autarquias a fim de acudir a necessidades várias: crescimento dos fundos documentais, actividades de promoção da leitura, etc.; e onde por vezes são inauguradas, com pompa e circunstância, Bibliotecas Públicas quase sem livros, por autarcas que não perdem um minuto por dia com a leitura;
• onde, sobre a actividade cultural, predomina uma visão economicista e se encara com frequência a cultura – assim a vêem os que nos têm governado – como uma actividade mercantil e um espectáculo mediático;
• onde o louvável e necessário projecto da Rede de Bibliotecas Escolares avança mais lentamente do que seria desejável (por exemplo, no Porto, em cerca de 60 escolas do 1º ciclo, apenas metade ou menos de metade possui bibliotecas integradas na Rede).
Num país assim que – afirma-o José Mário Branco numa das suas canções (falando sintomaticamente de Luís de Camões e do século XVI português) – “te mata lentamente”, num país assim, só nos podemos congratular com campanhas e programas de promoção do livro e da leitura, como o Plano Nacional de Leitura, cuja divisa é LER MAIS.
Campanhas que passam, como esta passa, pela Escola Pública. (Pois, que se saiba, estar equipada com Biblioteca Escolar não é requisito essencial para que uma escola privada funcione; donde, as públicas são melhores do que as privadas.) A Escola que é, neste país, um dos poucos espaços onde a Literatura, a verdadeira Literatura, trabalhada de modo continuado e persistente graças aos professores, vai sobrevivendo. Para a maioria dos jovens, o único espaço, a bem dizer, onde lhes é dada a possibilidade de conviver com o literário.
2. Um segundo tópico a que gostaria de aludir – indirectamente relacionado com o PNL e directamente ligado à questão da promoção do livro – prende-se com a qualidade da Leitura, a qualidade dos livros, a qualidade das selecções que se propõem. Prende-se com o modo como passamos pelos ‘clássicos’ e pelos grandes livros, mesmo os da chamada literatura infantil, como gato por vinha vindimada, e nos deixamos encandear pelo novo só porque é novo – sendo muitas vezes medíocre. E prende-se eventualmente com a qualidade das actividades de promoção da leitura e de animação. Por vezes pergunto-me: anima-se sim; mas o quê?, e como? E, em boa verdade, promove-se?
Aqui não resisto a evocar por graça um dos episódios mais hilariantes do “Dom Quixote de La Mancha”. Refiro-me ao capítulo VI, cujo título é, na versão de Aquilino Ribeiro, “[Capítulo] Que trata do largo escrutínio que o cura e o barbeiro fizeram na livraria do nosso engenhoso fidalgo”.
Nesta passagem se narra a iniciativa do cura amigo de Dom Quixote que, certa manhã, com a ajuda do barbeiro, trata de lançar ao fogo quanto livro mau, quanto mau romance de cavalaria encontra na biblioteca pessoal de Dom Quixote. Livros responsáveis, segundo o cura – que era homem de saber e bom gosto literário – pelos desvarios mentais do ‘cavaleiro da triste figura’.
Não advogando que se queimem livros, e lembrando-me sempre de outras muitas fogueiras e censuras de má memória, não quero deixar de dizer que esta espécie de parábola de Cervantes é uma lição sobre a qual nem sempre temos sabido meditar. É dos mais admiráveis textos que conheço sobre a questão da promoção da leitura, a promoção dos bons livros. Por isso entendo – como outros já têm explicado melhor do que eu – que seria preferível a divisa do PNL ser LER MELHOR em vez de LER MAIS. Com as implicações que este ‘slogan’ deveria ter.

sábado, junho 02, 2007

Meridionais, de João Pedro Mésseder. Texto de apresentação de Paula Cruz no Clube Literário do Porto a 18 de Maio de 2007

Meridionais é um livro habitado de memórias. A memória que é uma arte: a do “canto obstinado das cigarras”, do “prumo branco das colunas” e do “fruto ainda verde dos ciprestes ” (p. 7). É este entendimento da memória – da mnemósine – que nos remete desde o início para uma estética aprumada, que foge ao neo-barroquismo que invade os escaparates dos supermercados de livros, e procura uma verticalidade que se afirma pelo prumo e aprumo, pelas colunas e pelos ciprestes.
Os textos são breves, densos, condensados, volumes gnómicos, muitas vezes aforísticos (a lembrar um outro título do autor, Abrasivas). Por vezes aproximam-se da aguarela pela sua aquosidade e leveza, em outros momentos são incisivas legendas. Todos eles são porosos, dados à respiração nítida e a um líquido silêncio, inundado de uma memória de um mar liso, muito azul e de uma planície, paradoxalmente, vertical.
O poema inaugural de Meridionais apresenta-se com uma reconfortante certeza:
“Afinal
o mundo
tem um centro” (p.7)
Esse centro é Delfos, o cordão umbilical dos poetas. Não é preciso procurar mais. Delfos, reverenciado por todo o mundo grego como o umbigo do universo, é o começo, a génese, o centro. É também em Delfos, na água bebida na “Fonte Castalia” que reside a graça poética. Não, seguramente, a “graça” / inspiração de Mésseder: afinal quem bebe “a água que jorra do umbigo da terra” são os outros – aqueles que buscam “um grão de juventude” (p. 8) – não ele. O desejo de distanciamento desses outros que necessitam dessa “água” é mais do que vincado: são eles – esses que a bebem – não ele.
O silêncio de Mésseder não é uma metáfora gasta, mas sinestésico que se vê e se respira. É esse silêncio que se encontra em Epidauro, no teatro. Este anfiteatro reproduzia de forma audível, nas últimas bancadas, o som de um alfinete atirado ao chão. No entanto, é mais fácil hoje ouvir hoje um alfinete cair, do que respirar a nitidez inteiriça do silêncio.
À estética aprumada de Mésseder não falta a pulsão da justiça social. O poeta não esquece Elgin, lorde inglês que no séc. XIX retirou parte das esculturas sobreviventes do Parténon e as levou para Inglaterra, nem Teodósio – imperador e cristão – que antes tinha destruído esse mesmo templo. Dois lamentáveis exemplos da afirmação e legitimação da nobreza (ou de uma espécie de nobreza). Estranhamente, estas vis linhagens têm sido as eleitas, sendo preteridos os homens que “a troco de um soldo – como é justo” (p. 16) erguem templos. A propósito de Ídhra, a ironia continua: a bela e maternal ilha agasalhou em seu regaço corsários que se tornaram homens ricos (não ricos homens). Conclui o poeta: “Assim se fundam nobres genealogias de ladrões”. (p. 17).
É a pulsão social, o sentido ético que não deixa nunca de ser o farol, o sul, a coluna vertebral destes cadernos fragmentados.
A revisitação feita pelo sujeito poético leva-nos, por vezes, a uma minimalização do presente e faz sobressair o elemento natural. É a natureza que perdura. Ela estava antes dos deuses e continua depois deles. A presença quase obsessiva do mar é disso exemplo: ”mar de laranjeiras”, “o mar de oliveiras”, o “liso mar azul”, “o mar sem fúria” ou mesmo o “azul sarónico”. Quase que nos atrevemos falar de uma eco-poesia.
Os deuses gregos, que partilhavam o divino com os mortais, já partiram. Na areia restam apenas “estilhas dos ossos de Ícaro”. Aquele que queimou as asas de cera ao querer subir ainda mais alto. Agora estamos abandonados a nós próprios.
Depois deste Sul grego que, brincando com as palavras, norteia Meridionais, temos outro sul: o Alentejo. Um Alentejo mítico e mitificado. Um Alentejo revolucionário e resistente, um Alentejo cujo vibrante silêncio é estratégia de sedução.
A paleta de cores muda. Já não é apenas o branco e o azul: a paisagem está agora marchetada de amarelos, ocres e castanhos. São deste caderno palavras-chave a planície, a verticalidade, a justiça, a cal, o vento e numa estrutura menos visível, mas muito presente: a esquerda.
O vento de que se fala talvez seja real, mas é também uma vontade de mudança, de um rumo novo a um outro sul: um sul ao sul do Sul.
Numa “receita” filológica, Mésseder explica a génese do Alentejo enquanto país: A um rio – o Tejo – juntou-se um advérbio: além. Com homens, vinho e pão rude e digno temos um país:
“Junta o rio e seu advérbio: nasce um país. Com homens, vinho, um pão difícil.” (p.34)
O Alentejo é, aqui, anunciado como um país que exige ser nomeado como se fosse uma planície, um sopro na paisagem. O mar do sul, do Caderno Grego, transforma-se aqui numa “terra interminável”, de “horizonte inteiro e raso onde – nada dir-se-ia – está inscrito” (p.64). Há um cuidado em limpar as palavras e em “resgatá-las” na sua inteireza: caiá-las. Mas a planície, a vastidão, não esquece nunca a verticalidade e a justiça. Metonimicamente, o Alentejo representa a revolução. Além Tejo, há homens que são “pilares de sangue e suor que atravessaram séculos de paisagens golpeadas.” (p. 59). Diz Mésseder que esses pilares de sangue “nunca cessaram de florir por dentro da fome”. Esta imagem é violenta e fortíssima: “florir por dentro da fome”. Se florir implica um renascer e uma Primavera (quiçá um Abril?), a fome é a opressão. Contudo, nem a fome conseguiu aniquilar a esperança e o sonho. O Alentejo afirma-se assim como o berço de uma “ambição civil” (p. 59), ambição essa que ainda vive, mais que não seja nas palavras. (p. 60). Palavras que alguns se esforçam por apagar, como se fiz algures: “as palavras que morrem com os anos” (p. 60)
O breve texto “Torre do Castelo de Beja”: “Como um homem erguido do chão, o orgulho da pedra vertical.” (p. 67) reserva em si mesmo a essência da Revolução: o erguer-se, o levantar-se do chão, o construir-se, o orgulhar-se de si e da sua verticalidade. Esta prosa mínima dialoga directamente com “Operário em Construção” de Vinicius: “E o operário disse: Não!”. É esse o orgulho vertical, a frontalidade, a dignidade, o rigor, o florir por dentro, mesmo contra a fome, contra a opressão, com as nobrezas imerecidas.
O poema “Domingo em Nisa” (p. 41) é um olhar duro sobre um país povoado e sobre uma certa forma de ser português, longe da sombra divina dos deuses gregos. «Domingo em Nisa» é também Cesário e Nobre («Georges! anda ver meu país de romarias e procissões»). É um texto de uma violência atroz, porque nos mostra desabridamente parte do que somos (ou do que nos tornamos). É o mostrar de um Portugal «abrasivo» – «o sol golpeia o ar» –, sem a limpidez grega («imundos de poeira»). O cheiro do fumeiro, do suor, a soneira e as cólicas: a noiva branca, os convidados «barbeados e bovinos» e os «absurdos / longos vestidos de noite para um evento diurno». Contudo, nem esta forma de estar, de ser ou ir sendo, deslustra o ser Meridional.
Texto publicado no Suplemento Literário Das Artes e Das Letras de O Primeiro de Janeiro a 28 de Maio de 2007