A formação da mentalidade submissa, de Vicente Romano
"A manipulação dirige-se ao pensamento, aos sentimentos, às acções (e omissões) de toda e qualquer pessoa. Da esfera íntima até à apresentação pública no trabalho, na escola ou na política, não sobra um único aspecto, uma única dimensão da vida que dela não receba a influência. O objectivo final da manipulação é a obtenção da passividade e da submissão. A manipulação das mentes é uma guerra psicológica planificada, elaborada a partir de conhecimentos científicos, contra o desenvolvimento progressista, isto é, solidário e cooperativo do ser humano ou, o que é a mesma coisa, orientada contra o progresso social.
Naquilo a que se chama "sociedade de mercado livre", a função da indústria da comunicação, como de qualquer indústria, consiste em gerar lucro, mais ainda, em estimular a sua criação e, sobretudo, em manipular a maioria da população de maneira a que esta não empreenda acções contra o sistema de economia privada, mas antes que o apoie e reforce. A razão de ser da manipulação funda-se nas leis que regem a economia de mercado. Por isso há quem a tenha qualificado como um instrumento de conquista, como o fez Paulo Freire, na sua "Pedagogia do Oprimido". A manipulação, diz o pedagogo brasileiro, é um dos recursos mediante os quais "as elites dominantes tratam de fazer com que as massas se moldem aos seus objectivos". Valendo-se de mitos que explicam, justificam e até adornam as condições existentes de vida, a minoria que dispõe dos media mobiliza-se em favor de uma ordem social que não serve os interesses das maiorias. Uma manipulação bem sucedida fará com que as pessoas não pensem noutros ordenamentos sociais possíveis nem, consequentemente, em alterar os existentes.
Por outras palavras, a função primordial da indústria da comunicação, da consciência, do entretenimento ou como quer que se lhe chame, na sociedade capitalista consiste em desorganizar e desmoralizar os submetidos. Neutraliza os dominados, por um lado, e consolida, por outro, a solidariedade com a classe dominante e com os interesses desta. Ao fim e ao cabo, "os ricos também choram", têm problemas com os seus filhos, etc. Os modelos de conduta que apresentam, baseiam-se no êxito pessoal, no individualismo, no isolamento e na fragmentação social. O colectivo, segundo tal lógica, não conduz a lado algum.
Manipula-se, em suma, quando se produzem informações que não reflectem os interesses e necessidades dos seus consumidores, quando deliberadamente se produzem mensagens desconformes com a realidade social.
O oposto da manipulação é a formação da consciência crítica e da vontade democrática, tendo em vista o desenvolvimento multifacetado da pessoa humana. Para isso requer-se, entre outras coisas, a transformação do sistema de produção material e espiritual, do sistema de ensino, a criação de condições efectivas de acesso que estendam a liberdade concreta de expressão a todos, a supressão das medidas estatais que limitam essas liberdades, requer-se a travagem e anulação da influência dos monopólios e oligopólios na formação da opinião pública e na cultura. Terão as maiorias de converter-se em protagonistas dos media, recorrendo aos modelos e exemplos concretos e reais para a formação da sua opinião em todos os aspectos da vida. O povo como protagonista, implica que as maiorias trabalhadoras elaborem as suas notícias e as discutam
in A Formação da Mentalidade Submissa, de Vicente Romano