sábado, março 13, 2010

Relação das Medidas de Defesa do Vouga contra o Exército de Soult, ou tratado linguístico

A Relação das Medidas de Defesa do Vouga contra o Exército de Soult, em 1809, de Alexandre Tomás de Morais Sarmento é também um documento sociolinguístico. A partir da sua leitura podemos inferir de que forma a diversidade linguística tem sido posta em causa nas últimas décadas. Em nome da globalização e do desenvolvimento, temos delapidado um património simbólico, o que só nos empobrece. Se a língua enforma o pensamento, uma língua menos rica, mais simplificada implica pensar menos, pensar pior.


Sinta-se, nos seguintes excertos, a capacidade de, com a língua, criar vívidas paisagens mentais:

“Mandou-se um exame dos vaus e lugares onde o Mondego sofria passagem, ordenou também uma conscrição de todos os barcos, pois as chuvas, pouco ordinárias naquela estação, tinham feito o rio invadeável naquele tempo, constituindo-o uma linha da maior importância, quando as tropas fossem obrigadas a retroceder. Ainda que, perdida a margem esquerda do rio Douro, timbrasse segurar a linha do Vouga, os passos que se deram mostraram que o Coronel Trant tinha em vista ocupar algum ponto mais importante deste rio. Era todavia necessária a demora nos Fornos, porque se esperavam reforços, e em Coimbra não se achava guarnição alguma. Se as tropas avançassem para além do sítio em que se separam as estradas de Aveiro e do Sardão, ficariam muito expostas”

“As posições de todas as tropas eram as mais bem escolhidas. Sabia-se que a força maior do inimigo era em cavalaria, e por isso o terreno entre as pontes do Vouga e do Marnel era o mais conveniente para esperar o ataque, pois nele a cavalaria ficava inutilizada e era preciso uma força muito superior de infantaria para tentar desalojar os nossos das posições de Pedaçães. Esta posição formava como um arco sobre a linha do rio Vouga, e felizmente as passagens em que o rio permitia o trânsito da cavalaria ficavam nas duas extremidades da espécie de arco. O mesmo trânsito do rio exigia muita cautela, em razão da sua corrente naquela estação do ano. Quando os Franceses nos pretendessem envolver, ou pela nossa direita, pelo vau de Carvoeiro e de Jafafe, ou pela esquerda, tomando a direcção da ponte de Almear, não conseguiriam o seu intento com facilidade, porque as distâncias de Pedaçães àqueles pontos referidos não eram tão curtas que o inimigo não gastasse algum tempo para poder manobrar sobre qualquer dos nossos flancos, além de que aquelas passagens do rio estavam muito vigiadas, e por estes motivos nós tínhamos tempo bastante para manobrar, e naturalmente descairíamos sobre os bosques ao norte de Águeda, os quais já tínhamos anteriormente ocupado, ajuntando novas dificuldades àquelas com que a natureza do terreno nos auxiliava. Fora desta posição ao norte de Águeda, ainda nos ficavam as alturas ao sul do Sardão, aonde já nos tínhamos postado para esperar o ataque do inimigo, em a noite de 7 para 8 de Abril, como fica referido nesta Relação.”

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