sexta-feira, março 30, 2012

Observações sobre 'O Ramo Dourado' de Frazer, de Ludwig Wittgenstein. Em breve nas livrarias

de LUDWIG WITTGENSTEIN


COORDENAÇÃO
BRUNO MONTEIRO

EDIÇÃO, TRADUÇÃO E NOTAS
JOÃO JOSÉ DE ALMEIDA

INTRODUÇÃO E REVISÃO DA TRADUÇÃO
NUNO VENTURINHA

A ler Ernestina, de J. Rentes de Carvalho

«Deus criou o Mundo em Vila Nova de Gaia, numa tarde quente de Maio em 1930». Assim começa Ernestina um livro de J. Rentes de Carvalho, editado em 1998 pela Quetzal e que devemos ler com urgência. Conhecia-o, ao autor, mal e sabia-o a viver em Amesterdão tendo lido algumas entrevistas dele. O seu discurso aberto e franco deixou-me de sobreaviso e agora consegui iniciar a leitura da sua obra. Francamente entusiasmou-me e as longas descrições do Porto dos anos 30 e 40, em vez de poderem ser cansativas, são de uma grande beleza. Sentimos o cheiro da Ribeira, do peixe e do carvão, vemos os miúdos ao banho, o Douro com pouca água no verão, o pôr do sol e as calçadas de Gaia que desciam até Afurada. A própria descrição da escola e do liceu levam-nos a um universo de hipocrisia e também das primeiras resistências após 1945, quando Salazar prometeu uma eleiçõs «tão livres quanto à livre Inglaterra». Mas o autor diz-nos francamente que não é de resistências e embora sempre optando pela liberdade, nem que não fosse pela memória de seu avô José Maria republicano e avesso ao padres «quando republicano queria dizer socialista», cedo viu que o portugalinho dos velhos e bons costumes lá continuaria com Salazar. Opta, antes, pelo cinema e pelas leituras de Balzac e Zola, seus companheiros das noites. Pensa-se no Porto do cinema Batalha, do café Palladium, dos bilhares e dos alfarrabistas. Goza-se a descrição da aldeia de Trás-os-Montes para onde ia nos agostos quentes e nos afetos das avós e do Ti Serafim seu avô adotivo. E a descoberta de Ernestina que, com o nome da mãe, o leva a descobrir o amor. Acho importante ser dado nas escolas, mas isso seria outra conversa.

Esta Cidade é um Vício - Concurso de Fotografia da Poetria

Esta Cidade é um Vício - Concurso de fotografia da Poetria

quarta-feira, março 28, 2012

Paulo Kellerman lança novo ebook. A 31 de Março, 22:00, Bar Alinhavar, em Leiria


Bar Alinhavar, Leiria, 31 de Março, 22:00


Livraria Poesia Incompleta de Mário Guerra. Umas notas


País de poetas? Nunca fui nessa, mas conheço e gosto de poesia e de poetas que mereceriam um lugar como a Poesia Incompleta, de Mário Guerra. Tínhamos lá os nossos autores e muitos deles passaram por lá. Desta livraria lisboeta conhecíamos a generosidade e o profissionalismo que lhe era emprestado pelo proprietário. E também da sua seriedade. Num país com uma política cultural, no mínimo, esquisita, a Poesia Incompleta ganhou o estatuto de utilidade pública e um local de debate e procura. Quando se há-de perceber que ler poesia (eventualmente escrevê-la) é uma forma de conhecer a linguagem e de exercer uma comunicação que se pode tornar uma fonte de prazer, muito maior se partilhada com outros? Quando se perceberá, enfim, que para que a poesia subsista é necessário que se adquiram livros de poesia porque esta se tem de ler devagar? Que não basta lê-la «na net» ou na fnac, arrumando-a em seguida nas estantes cada vez mais minguadas dos grandes espaços livreiros? Que não basta a alguém escrever «poesia» para se ser poeta? Que um editor não deve fazer-se pagar para editar, o que vulgarmente se chama de «poesia», por aí? Quando fecha um espaço destes nunca ficamos descansados, porque sabemos que outros parecidos se seguirão. É este o destino de um país de poetas?

Lágrimas de Chuva, de Rosa Montero


Livro que foi uma desilusão, em contraponto com a enorme promoção que Rosa Montero tem tido em Portugal. Nada tinha lido dela, mas aventurei-me à leitura este Lágrimas de Chuva, uma eventual continuação de Blade Runner de Ridley Sott, adaptação ao cinema do livro de Do Androids Dream of Electric Sheep? de Philip K. Dick. De continuação da saga nada existe, a não ser uma contínua passagem mais ou menos rápida e muito ligeira de algumas referência avulsas a Blade Runner e de personagens muito mal construídas. Bruna Husky é uma androide que não chegamos a conhecer bem por preguiça da autora que não nos dá uma personalidade sólida com que nos identifiquemos e conheçamos os seus desejos, nem sequer nas suas «memórias» falsas, dadas por um memorista que seriam os novos escritores contratados por empresas. Que vendem essas mesmas memórias adulteradas. O recurso ao mantra de Bruna, quando se lembra do desconto dos dias da sua vida limitada também é uma forma extremamente cansativa de nos relembrar que a andróide tem quatro anos de vida. A sua relação com Paul Lizard fica muito aquém do que se poderia esperar, em recursos literários, entre um humano criado por uma androide e por Bruna, uma robô criada por humanos. As descrições da cidade de Madrid em 2109 poderiam ser mais ricas e mais imaginativas, assim como a trama política completamente falha em verosimilhança.

terça-feira, março 27, 2012

No Dia Mundial de Teatro, duas referências da Deriva: Pascal Quignard e Pedro Eiras

Um Incómodo Técnico em Relação aos Fragmentos, de Pascal Quignard, traduzido por Pedro Eiras, foi editado em parceria com o ILC Margarida Losa e é um estudo fundamental sobre o Teatro 

Um Punhado de Terra é uma peça de teatro em monólogo escrita por Pedro Eiras e já apresentada no Porto. Trata-se de uma peça sobre os descobrimentos, ou melhor, achamento de África pelos portugueses e a violência exercida por estes aos povos africanos

segunda-feira, março 26, 2012

Tempos de Fuga, de Ramón Caride


Capa de Gémeo Luís

Ramón Caride vive hoje em Cambados, na Galiza, onde é professor de Biologia. Gosta do campo e da leitura. Antifranquista, contou-me que estava em Valência, na tropa, quando se deu o 23 de fevereiro de Tejero Molina contra a transição democrática espanhola, o que lhe valeu um grande susto. Galeguista, fala na sua língua, ao contrário da maioria dos seus jovens alunos, que escolhem o castelhano para se expressarem quotidianamente, segundo ele por influência cultural dos media espanhóis. Conheci-o através de Manuel Bragado, diretor da Xerais de Vigo que mo apresentou. Também edita poesia e literatura infantil, mas o que me fez conhecê-lo foi Tempos de Fuga, uma obra de ficção científica ganhadora do Prémio Vicente Risco de Literatura Fantástica espanhola. A Deriva, nessa ocasião, escreveu esta pequena apresentação ao livro cuja capa foi feita por Gémeo Luís:
«Numa cidade desconhecida, um escritor atormenta-se com o desaparecimento da mulher. Em Nova Iorque, uma hospedeira trafica estranhas pedras e, em Vivier-Sur-Mer, Bretanha, outra mulher terá um inesperado encontro que mudará a sua vida. Os caminhos destas personagens vão confluir de um modo impensável através dos efeitos desses cristais, os "oders".» A tradução foi efetuada por Dina Almeida.
 
Pensando nos dias de hoje, passados oito anos da sua edição portuguesa e depois de serem publicadas ficções deste género literário em várias editoras portuguesas, Tempos de Fuga continua uma obra de grande qualidade e com a densidade psicológica necessária para nos encontrarmos com as personagens envoltas numa trama exemplarmente contada.
Ramón Caride veio a publicar ainda Perigo Vegetal na Deriva, e que está na sua 2ª edição, com ilustrações magníficas de Miguelanxo Prado. A saga desta coleção de literatura juvenil irá continuar com Ameaça na Antártida e Futuro Roubado, com apoio da Xunta da Galiza e continuando com a colaboração de Miguelanxo. Todas estas obras têm tradução de Paula Cruz.
Ramón Caride Ogando continua nosso amigo de sempre.

As obras do autor estão disponíveis na editora e podem ser encomendadas nos grandes espaços livreiros ou na distribuidora da Deriva: a Companhia das Artes.

domingo, março 25, 2012

Antonio Tabucchi (1943-2012)



A Mulher de Porto Pim foi dos livros mais belos que li e que merece uma referência no dia da morte de Antonio Tabucchi, embora sem a preocupação de um epitáfio que soaria sempre mal. Mas o que ficou desse livrinho de 1986, foi o ambiente (se quiserem, mágico) dos Açores, dos baleeiros e principalmente a presença constante de Antero que o autor tão bem carateriza. Sim, ele era um conhecedor profundo de Fernando Pessoa e dos seus heterónimos, mas justificou igualmente uma relação sólida com um dos nomes mais respeitados da literatura portuguesa. Vamos sentir a falta de Antonio Tabucchi.

sábado, março 24, 2012

Wireless, num sem-abrigo perto de si!


Dois factos recentes no reino das tecnologias fizeram sobressaltar-me, não sei se com razão ou não. O primeiro tem a ver com tatuagens que são telemóveis e que vibram com sinais distintos e identificadores de quem faz a chamada para a pessoa tatuada (http://expresso.sapo.pt/tatuagens-que-vibram-quando-o-telemovel-toca=f713456). Imagino, num futuro já não tão distante assim, o que as pulseiras eletrónicas poderão ser e «fazer» sobre o arguido. Um bom trabalhador, daquele para quem o patrão tem sempre razão, tatuar-se de imediato para que se possa proceder com eficácia ao controlo de produção e os castigos infligidos a jovens «associais» no domínio da educação e da assistência social. Porque uma leitura mais atenta, permite-nos ligar a tatuagem ao domínio sensível com todas as possibilidades infinitas de intromissão do Estado sobre as pessoas indesejáveis, ou não. Basta, para isso, tornar obrigatória a aplicação dessa tatuagem ferromagnética em qualquer loja do cidadão.
Outro facto, é socialmente mais abjeto: trata-se de uma informação veiculada por uma crónica de Fernando Alves na TSF titulada «Homeless, Wireless» (http://www.tsf.pt/Programas/programa.aspxcontent_id=903681&audio_id=2357935). Aí, a ficção torna-se numa má experiência da realidade próxima. Um empresa inventou uma t-shirt para vagabundos e sem-abrigo que avisam ser portadores de wireless para que toda a gente tenha na rua acesso à internet facilmente. Horrível, como se pode insensibilizar as pessoas ao ponto de aceitar-se um procedimento destes com seres humanos que, por muitos motivos dos quais provavelmente nem foram os causadores, por acaso caíram nas malhas da indigência e da infelicidade. Mesmo que se propale ser simples caridade.

Hoje, encontro-me a ler um livro de Rosa Montero, Lágrimas de Chuva (até nem muito bom, por sinal, mas queria conhecer a autora tão falada e tão promovida por aí) baseado numa eventual continuação de Blade Runner, de Ridley Scott, filme que tive o prazer de ver inúmeras vezes e tendo lido igualmente o livro que lhe deu origem. Em Lágrimas de Chuva, também existem, em 2109, seres humanos indigentes que deambulam nas ruas de Madrid com t-shirts/anúncio televisionados e que são muitas vezes alvo de violência social e racista dos novos supremacistas em alta na política. Seria bom que a História não fosse por aí.

quarta-feira, março 21, 2012

PARA QUE SERVE A POESIA HOJE?, de Jean-Claude Pinson, por Henrique Fialho

A Deriva tem dado à estampa, numa colecção intitulada Pulsar, dirigida e coordenada por Ana Luísa Amaral, Pedro Eiras e Rosa Maria Martelo, alguns pequenos textos que visam reflectir o lugar e a função da palavra escrita no mundo actual. Assim, depois de Para que serve a Literatura? (Julho de 2010), de Antoine Compagnon (n. 1950), saiu Para que serve a Poesia Hoje? ( Junho de 2011), de Jean-Claude Pinson (n. 1947). Pinson nasceu em Nantes, estudou Letras na Sorbonne, acabando por formar-se em Filosofia sem nunca ter abandonado a inclinação literária, nomeadamente através da prática dos versos. O pequeno livro que agora nos chega com tradução de José Domingues de Almeida está dividido em duas partes. Uma primeira parte mais teórica, composta pelo texto de uma conferência proferida a 12 de Janeiro de 1999, e uma segunda parte mais dialogante, com uma síntese do debate suscitado pela dita conferência. As teses de Pinson, erigidas sobre o terreno fértil da obra de Henri Michaux, enfermam de um vício ao qual raramente escapam obras do género, o de começarem por reflectir um assunto pressupondo a necessidade dessa reflexão. À pergunta Para Que Serve a Poesia Hoje? Nós podemos, desde logo, juntar uma outra: para que servem hoje conferências e debates sobre a utilidade da poesia? E mais esta: servirá hoje a poesia para alguma coisa que não tenha já servido no passado? Estes problemas são tão mais urgentes quanto se torna necessário entender se, de facto, a poesia alguma vez serviu para alguma coisa ou se tem mesmo de servir para alguma coisa. Um pouco à semelhança da presunção de um sentido para a vida, buscado, cavado, semeado, colhido no absurdo da existência, também a utilidade de toda e qualquer actividade humana deverá ser pensada em função do paradoxo suscitado pela prática do impraticável. Na realidade, nada na vida pede sentido senão a própria perdição dos homens. Assim como a vida não tem que ter sentido algum, também a poesia não tem que servir para o que quer que seja. Não se trata de pretender fugir a uma questão entusiasmante de um ponto de vista meramente académico e teórico, até porque o texto de Pinson é assaz objectivo e procura sempre focar-se no essencial. No entanto, resvala com frequência nos tiques academistas com que estas questões são geralmente abordadas. Presume-se que a poesia não esteja na moda, algo que a realidade actual desmente ao constatarmos a proliferação de sítios dedicados ou atafulhados de poesia. Em certos circuitos de afirmação intelectual a poesia chega a dar cartas, até porque, como Pinson sugere, é uma arte aparentemente fácil e acessível. As limitações do público da poesia também já não são um dado adquirido. Convém esclarecer quem é esse dito público, até porque poesia há de vários tipos, modos e géneros, alguns tão populares e correntes que deixariam os académicos de gabinete estupefactos. Recentemente, em Portugal, um grande grupo editorial passou a distribuir uma das mais emblemáticas editoras de poesia portuguesas. Isto aconteceu pouco depois do principal responsável por esse grande grupo editorial ter decretado em entrevista pública a morte da edição de poesia. Ora, não me parece que um homem de negócios pretenda pegar num defunto só para ter o gozo de ser ele a enterrá-lo. Como é óbvio, a suposta utilidade de uma arte não se afirma pelo interesse que suscita nas massas. Há artes que nasceram para serem mediáticas, outras há que nunca almejaram senão aquilo a que hoje se chamam fidelíssimos nichos de mercado. É verdade que há mais poetas do que leitores de poesia, mas tenho alguma dificuldade em lamentar essa realidade. A poesia terá uma dimensão terapêutica que não esgota as suas funções, mas que de algum modo sublinha o carácter utilitário da sua não-utilidade. Duvido que cure ou dê prazer, pelo menos não tanto quanto um bom vinho ou a masturbação. Muitos dos melhores poetas suicidaram-se, levaram vidas errantes, foram indigentes e execráveis, o que deixa dúvidas quanto às dimensões curativas e saudáveis da poesia. Sem dúvida que desincha poderes, alarga horizontes na exacta medida em que amplifica a linguagem, proporciona um mundo melhor ou pior a quem com ela conviva no desleixo de si próprio e do mundo. Não obstante, parece-me que ainda está para chegar o intelectual que diga, sem parangonas, que a grande utilidade da poesia não diverge, no essencial, da utilidade da Playstation, ou seja, ajuda a passar o tempo proporcionando bons fogachos de tempo. Que também Pinson insista na balela castradora e exclusivista da verdadeira poesia, como se a falsa pudesse sê-lo, só peca a favor de um texto estimulante que nos agrada, sobretudo, pela sua intrínseca inutilidade.
 
Henrique Fialho, 26 de setembro de 2011

Ainda é possível a poesia, hoje?


João Pedro Mésseder, Filipa Leal, Joaquim Castro Caldas, Pedro Eiras, Catarina Nunes de Almeida, Marilar Aleixandre, José Ricardo Nunes, Luís Maffei, Maria Sofia Magalhães
Alberto Pimenta acalentava a esperança de ser possível a poesia depois de Auschwitz. Mas, hoje, ainda há a esperança da poesia e da magia da palavra em pessoas como estas que a Deriva editou e continuará a editar. Mesmo num tempo de guerra espetacular, dos media ensurdecedores, da brutalidade do trabalho rotineiro, das paisagens mortas, das cidades violentas, de governos corruptos e da ascensão do dinheiro, ainda há espaço para a leitura de uma palavra que se acende em nós através deles. Se eles resistem é sinal de que pode haver ainda o triunfo do homem.

terça-feira, março 20, 2012

Odeio as Manhãs, de Jean-Marc Rouillan. O Título poderá enganar.


Não me deixaram contatar com Jean-Marc Rouillan, na ocasião, a cumprir uma pena de prisão perpétua em Lannemezan, por participação em atentados, nos anos 80, reivindicados pela Action Directe. Mas o caso de Rouillan e de outros prisioneiros políticos chamou-me a atenção, quer pela violência com que estavam a ser tratados ultrapassando claramente (pelo menos na minha opinião) a violência dos crimes que cometeram, quer as leis do estado de direito. Muitos deles encontravam-se gravemente doentes e a prova que alguma coisa estava mal no campo do Direito é que hoje encontram-se todos em liberdade e não veio daí grande mal ao mundo. Na altura, falei com Isabel do Carmo para fazer o prefácio do livro de Rouillan e mostrou-se disponível, não sem que me avisasse que nunca concordou com os métodos da AD. Mas faria um apelo à amnistia por causas humanitárias. Sinceramente era igualmente a minha opinião e gostei de a ouvir pela boca de alguém que teve a sua quota parte da révanche do Estado na sua procura da normalização democrática.
O título do livro  pode enganar: as manhãs de que fala o autor são o início dos dias intermináveis das prisões francesas que se seguem às noites laranjas das luzes internas e externas das celas.

(Odeio as Manhãs-5 euros, mais portes de envio)

sábado, março 17, 2012

Futuro Primitivo, de John Zerzan

O livro com capa de Gémeo Luís
 Um dos livros que me deu mais prazer editar, não só pelos contatos com o autor que, por pouco, não veio a Lisboa e ao Porto apresentá-lo, mas também pelo trabalho de tradução e conceção gráfica, com colagens da Arte Cavernícola. A tradução afastou-se claramente da brasileira, baseando-nos no original inglês de expressão americana e corrigindo alguns erros daquela edição. Gémeo Luís fez a capa. A ideia forte do livro é a desmontagem que Zerzan faz das teorias da Pré-História que atribuem à evolução do Homem a base da violência. Para o autor, a seleção feminina dos machos não violentos, isto é, capazes de ajuda e cooperação na partilha de alimentos, é que produz a evolução humana como se pode verificar pelo recuo dos caninos humanos. Uma nota: Zerzan é um dos organizadores das manifestações de Seattle e um dos seus principais teóricos contra o capitalismo. O livro lê-se numa noite e fica-nos na memória. O facto de o livro não ter direitos de autor, não impediu o êxito da procura da obra principal de Zerzan e continua a ser pedido para o Brasil.
Colagem de Arte Cavernícola

quinta-feira, março 15, 2012

Marca Salazar: Ecce Homo

É ele: João Lourenço, eleito pelo PSD, já em 2010, como se pode ler na mensagem deste presidente da Câmara de Santa Comba Dão, alertava (ou ameaçava?) o povo que iria avançar com a Marca Salazar, porque as novas gerações não lhe perdoariam se o não fizesse. Ficamos a saber que iniciou a demanda com os vinhos, cujas garrafas ostentarão, nos seus rótulos, a imagem do distinto concidadão falecido em 1968. Mas outros produtos se seguirão nesta senda. Só não sabemos se com o nome de Salazar, ou com outras instituições criadas por ele e não menos insignes. Teríamos então os chouriços Legião, bolachas Saudades de África, passas Império, rebuçados União Nacional, cinzeiros PIDE. No fundo, tudo aquilo que projetasse os produtos santacombadenses no caminho das exportações. Tudo isto sem subsídios, claro. Miguel Relvas: ecce homo!

terça-feira, março 13, 2012

Henrique Fialho sobre Utopias Piratas, de Peter Lamborn Wilson


A pouco e pouco, a editora Deriva tem vindo a edificar um catálogo na área das ciências sociais e humanas que importa sublinhar. Livros como O Espírito Nómada, de Kenneth White, A Formação da Mentalidade Submissa e A Intoxicação Linguística, de Vicente Romano, e este Utopias Piratas, de Peter Lamborn Wilson (n. 1945) são exemplos de uma atitude editorial concentrada em algo mais do que a vulgaridade pululante nos escaparates das livrarias portuguesas. Poucos saberão que Peter Lamborn Wilson é o verdadeiro nome de Hakim Bey, «anarquista ontológico» com um percurso nómada e errante, autor de uma obra que se esforça por encontrar pontos de encontro entre a doutrina sufista e o anarquismo. Viveu em países tais como a Índia, o Paquistão, o Irão e o Afeganistão. Em 2000 a editora Frenesi publicou-lhe em Portugal uma breve recolha de textos intitulada Zona Autónoma Temporária, chamando a atenção para uma das suas teses centrais: a fundamentação das TAZ enquanto zonas governadas unicamente pela liberdade e pela autonomia, independentes das regras e das normas de Estado que submetem os indivíduos a ditames contrários à sua natureza livre. Alguns exemplos históricos: a Ordem dos Assassinos, fundada no século XI por Hassan ibn Sabbah (o velho da montanha), assim como os piratas e corsários do século XVIII.

Nas Utopias Piratas (Fevereiro de 2009) Peter Lamborn Wilson ocupa-se precisamente dessas experiências remotas de resistência à ditadura da normalidade, transportando o leitor para uma época que não pode senão ser visitada com um certo romantismo fantasioso e exótico. Os dados históricos são muito escassos. Mais do que uma reconstituição histórica, o que se pretende é uma interrogação, uma reflexão, acerca de uma rede de vivências concentradas em pequenas zonas, micro-sociedades, que escapavam, resistiam e, de algum modo, combatiam as pragas morais colonizadoras com origem na Europa. O especial interesse dedicado aos renegados, ou seja, os «traidores» da Europa cristã convertidos ao islão, explica-se por quase todos eles se terem tornado corsários dedicando-se ao «ataque e ao saque dos navios europeus». «A história dos corsários não é um “affaire de estrangeiros” mas parte da história do Magrebe, o FarWest do islão, e da então emergente nação marroquina» (p. 13), daí que este ensaio se situe geograficamente na região da Berbéria, o actual Magrebe, entre Marrocos e a Argélia. O autor tenta reconstituir o modus operandi e vivendi dos piratas, fornece exemplos, explorando alguns casos, nunca perdendo de vista que «a pirataria deverá ser estudada como uma forma de resistência social» (p. 21).

Argel e Salé são regiões revisitadas com especial entusiasmo, em confronto permanente com as ideias feitas de historiadores que, segundo Lamborn Wilson, estão mais empenhados em justificar a barbárie colonialista e imperialista europeia do que em compreender as reais motivações de homens geralmente caracterizados como terríveis vilões, mercenários, «apóstatas à deriva», unicamente interessados no lucro material das suas acções. Neste ensaio a história da Berbéria constrói-se antes a partir de uma tentativa de investigação das políticas de resistência levadas a cabo por comunidades não letradas. Falar de uma «ideologia pirata» — «algo como uma atitude anarquista proto-individualista, não filosófica» (p. 43) — talvez seja demasiado forçado, mas a verdade é que há exemplos que não podem ser esquecidos. Em dez capítulos somos lembrados de homens cujos nomes ganham um novo lugar na história da resistência, é-nos traçado um mapa de costumes e vivências libertárias geralmente remetidos para a obscuridade das utopias, são-nos oferecidos exemplos de «consciência política e de fervor revolucionário» (p. 79) que transcendem a caricatura de um imaginário da pirataria construído pela História oficial. As «práticas clandestinas» encontram neste livro uma legitimação que faz todo o sentido.

O que são ou foram, então, as utopias piratas? «A república do Bou Regreg não era uma utopia pirata pura, mas um Estado fundado sobre os princípios da pirataria» (p. 112), «Salé não era nem tão anarquista nem tão comunista quanto “Libertália” ou outras utopias piratas reais ou irreais» (p. 114), «no século XVII e princípios do século XVIII, numerosas “utopias piratas” independentes vêem a luz do dia em várias partes do globo. A mais famosa entre estas foi Hispaniola, onde os bucaneiros criaram a sua própria sociedade anárquica de curta duração; a Libertália, em Madagáscar; a Baía dos Ranters, também em Madagáscar; e Nassau, nas Bahamas» (p. 148). Eis o mapa das zonas autónomas temporárias que ficaram para a história enquanto focos de resistência à autoridade colonialista, autênticas colónias anarquistas afastadas dos «poderes europeus» e concentradas na liberdade individual dos seus habitantes, numa poética da insubordinação, mesmo quando essa liberdade implicava o exercício da violência. Se o olhar que hoje é lançado sobre estes exemplos está contaminado pela subjectividade romântica de uma ambição, de um desejo, enfim de uma utopia, não podem os factos ser negligenciados e o sonho cerceado à partida. Os exemplos servem de exemplo, sejam eles fruto da imaginação ou da ciência dos factos. Talvez resultem sempre um pouco de ambas as forças. Afinal, nenhuma História se faz sem imaginação.

Henrique Fialho

domingo, março 11, 2012

Viver com a Parque Escolar. Prefiro Thomas Hirschhorn.


Há uns anos passou, pelo Porto, nomeadamente em Serralves, uma exposição de Thomas Hirschhorn denominada Anschool que permitia experimentar o ambiente concentracionário de uma escola moderna. Serralves foi, então, com a ajuda de equipas voluntárias das Belas Artes do Porto, submergida em papel de cenário e objetos comuns do chamado «ensino-aprendizagem». O terror no seu melhor.
Ora acontece que a Parque Escolar vive hoje a crítica de todos os agentes democráticos, a ação do IGF, a demissão dos seus dirigentes imposta por Crato, sem que o essencial seja debatido. Ouve-se falar da derrapagem de 400% dos seus investimentos iniciais na «recuperação» de escolas do Estado Novo e dos anos 70, mas não se toca no essencial que é a vivência claustrofóbica que se vive nas salas «recuperadas». A tortura está instalada nas nossas escolas com a assunção diária do ar ventilado por tubos enormes a que os alunos chamam de «churrascaria», o ar insuportavelmente quente passados dois minutos com a porta fechada e com 25 alunos lá dentro com o professor, as salas mais pequenas com o teto falso descido e com paredes de contraplacado duvidoso, a impossibilidade de abrir janelas quando o tempo melhora, o reflexo do sol que impede a visão dos projetores, a proibição de cortinas, o material que se desgasta a uma velocidade vertiginosa, etc, etc. Bastava a um jornalista pedir a medição da qualidade do ar numa sala «recuperada» no final da manhã ou da tarde. Bastava saber que «negócios» da Parque Escolar impõem o preço das fotocópias mais caro do que fora da escola, para perceber o que anda no ar.
Ainda assim prefiro a Anschool de Hirschhorn. Ou menos essa não enganava.

terça-feira, março 06, 2012

Millenium, de Stieg Larson

Acabei de ler toda a saga Millenium, de Stieg Larson. Devo dizer, também, que vi o filme e a série de Tv sueca. Os livros são francamente bons. Muito bem escritos e com uma trama política e policial bem conseguida. À maneira sueca, acredito que Stieg Larson fosse social-democrata, um tipo de esquerda na senda de um Tony Judt e personalizado pelo jornalista Michael Blomkvist. Mas por que raio Lisbeth Salander, uma hacker punk-anarca, que passa a vida a violar computadores do Estado, se haveria de transformar numa bem sucedida corretora financeira depois de dar o golpe informático a uma firma sem escrúpulos? Não sei se foi a costela protestante e individualista do autor a finalizar assim a saga, mas o final mereceria melhor. Está bem que Lisbeth Salander é ela própria uma vítima do estado sueco e que fez aquilo que nunca qualquer indeminização lhe daria, mas mesmo assim é questionável. De qualquer maneira Stieg Larson não procura uma base moralista. E isso é bom. Grandes livros, estes.

sábado, março 03, 2012

Hulk! Hulk! Hulk!

Não sei onde Miguel Relvas tirou a licenciatura e nem quero pôr a hipótese de existir mais qualquer dúvida socrática sobre este tema que se tornou tão político nos últimos tempos. Mas o que tem isto a ver com o Manchester City, o FCP e o Hulk? Ora, o clube inglês processou, na UEFA, o Porto por insultos racistas a dois seus jogadores de origem africana quando jogou no Dragão. Não bastava a figurinha de Hulk a argumentar que os urros que se ouviam no estádio quando Balotelli pegava na bola eram da massa associativa do Porto a gritar o nome dele «Hulk! Hulk! Hulk!», como agora vem Miguel Relvas, concentradíssimo, indignadíssimo, afirmar que não recebemos lições de ninguém de racismo, visto que o povo português foi dos que deram lições de miscigenação e boa convivência entre diferentes povos. Ora, um estudante do 12º ano, que tenha estudado História, sabe que esta era a tese de Gilberto Freire que nos anos 30 defendia o lusotropicalismo e que levou ao isolamento posterior de Portugal perante o mundo e a uma guerra de 13 anos «orgulhosamente sós» levando-nos a crer da especificidade da nossa presença nas colónias. Foi preciso existir um Miguel Relvas para nos lembrar a tese. Mais um pouco e acabamos a citar António Sardinha!

A insustentável leveza de Francisco José Viegas

Não sei se é pela sua aparente bonomia ou por ser secretário de uma área desprezada e substituível em Portugal como é a da cultura, mas já não há grande paciência para aturar as suas asneiras repetidas. Foi o caso lamentável de António Mega Ferreira que depois de prometida a sua recondução no CCB se viu confrontado com o nome de Vasco Graça Moura para o mesmo lugar; foi a Tobis vendida a uma empresa de capitais angolanos (com nome alemão) sem que se saiba qual o seu currículo ou os seus objetivos. O Estado não o deveria fazer. Seguiram-se as tristes declarações sobre a revisão do Acordo Ortográfico que nunca poderia ter feito: não tinha competência para o fazer, ou então desconhecia que já o assinámos. O Brasil pasmou. Agora trata-se da coleção Berardo e a sua «autorização» para que se a possa vender. Não pode. Assinou-se há dez anos um acordo com o Estado e o dono não está para aí virado. Cada tiro cada melro.