sábado, agosto 31, 2013

Joaquim Castro Caldas, cinco anos


Como se pode medir a ausência de um poeta? Não sabemos, nem nos atrevemos a fazer muitas considerações sobre essa falta que nos faz não ter aqui o Joaquim. Faz-nos falta o seu viver poético, faz-nos falta o seu sorriso irónico, faz-nos falta a sua mordacidade, faz-nos falta a sua incapacidade partilhada em viver a vidinha. Um abraço, Joaquim.

Uma aura

Numa folha branca
se passa a mão
e apetece marrar

ficam marcados
na areia dorida
os passos que se dão

para deixar a maré
e rasgar uma outra
à água que rebenta

em espuma a praia
se o corpo se entrega
a uma concha aberta

Mágoa das Pedras, Deriva, 2008

Aurelino Costa na Porta Treze

A Livraria Porta Treze em Vila Nova de Cerveira

Luandino Vieira apresentando Aurelino Costa

Foi hoje, na Porta Treze, em Vila Nova de Cerveira, a sessão de poesia de Aurelino Costa que trouxe, com ele, Domingo no Corpo. A sessão foi interessante e participativa tendo, vários convidados, lido os poemas do último livro do autor. Um espaço simpático e a convidarmos a seguir as suas actividades. Luandino Vieira recebeu-nos. Prometemos lá voltar. Presentes: Anxo Pastor que fez a capa e a ilustração da obra e Alexandre Teixeira Mendes entre muitos outros.

quinta-feira, agosto 29, 2013

Transiberic Love, de Raquel Freire


Ler Transiberic Love é um desafio aos sentidos, se ainda os temos incólumes e isto após os ataques continuados à nossa vida quotidiana vindas do estado e dos mercados. Revemo-nos nele. Sentimo-lo em cada linha, em cada palavra, mesmo que Raquel Freire tenha escolhido algumas claramente panfletárias. Não importa. Aliás, essas palavras tornam-se excepcionalmente belas no contexto do livro. Tudo ali é coerência, tudo ali se enquadra num livro emotivo, revolucionário, vívido e, literariamente, extremamente interessante.
Tinha curiosidade em lê-lo e dois dias me bastaram, rápidos a absorvê-lo e, principalmente, a compreendê-lo. Estou na casa dos 50 e entre Janes Joplin e Amy Winehouse, já passaram os Clash, os Velvet Underground, David Bowie ou Byrne. Filho da tal revolução sexual dos anos 60 e desconfiado de tanta fruta, preferi, jovem, aguardar pelo movimento punk e ver no que paravam as modas quanto à libertação sexual, argumentando ao mesmo tempo pela necessidade de uma revolução social. Entretanto, tal como Maria, personagem revolucionária do romance, vi-me a comprar jornais todos os dias, a ter emprego, a gerir o tédio como quem não queria a coisa. Erro meu, erro nosso. Quando vivíamos a Arte de Viver da Geração Nova, de Vaneigem, não levámos suficientemente a sério o aviso: «Aqueles que falam de revolução e de luta de classes sem se referirem explicitamente à vida quotidiana, sem compreenderem o que há de subversivo no amor e de positivo na recusa das coações, esses têm na boca um cadáver.» Já Raquel Freire prefere a fórmula de uma revolucionária obrigando-se a proclamar «se não puder dançar, então isto não é uma revolução».

As personagens de Transiberic Love são livres na sua beleza andrógina, na recusa de serem catalogados no binómio biológico, provocando a sociedade, voando com as suas asas de anjos loucos, bebedores, drogados, procurando violentamente a felicidade. Duvido que não haja o mínimo de comoção no leitor quando a autora nos faz dançar com Marx, com os que estiveram presentes na I e II Internacionais, ou quando estamos numa reunião comunitária com transsexuais, lésbicas, homossexuais ou bissexuais ávidos por reconhecimento das suas identidades: «Danço. Olho-nos a dançar nas discotecas, mestiçxs, lésbicas excêntricas em transe, drag queens entusiasmadas, butches loucas, trichas de tão bichas, drag kings esfusiantes, translovers fervorosas, feministas radicais, gays musculados como rochas, transexuais eufóricos, lésbicas tímidas a dançarem possuídas, bissexuais a rirem de todxs, trangéneros ávidos, trans andróginos mais belxs do que todos os anúncios de Calvin Klein e do que toda a moda capitalista junta, a palavra de ordem é transformação, toda a vida é feita de mudança (...),» (pág. 255). É assim, com Camões e a evidência da mudança, que teremos a certeza que estes nossos filhos da revolução que não quisemos fazer nos anos 80, nos mandam à cara. Com amor, mas esse amor não é o que julgamos ser: « - Não é novo! (a noção de amor universal) É um código que repetimos porque estamos sempre a vê-lo na música, no cinema, na televisão, na literatura, na religião, na escola, no discurso da família... tudo parece obedecer ao amor como valor universal: all you need is love. Todas as músicas, todos os livros, hetero e gays, todos os filmes repetem a palavra amor. Deus é amor! Todos idolatram o amor: padres, políticxs, poetas, psicólogxs, professorxs, putas, artistas, jornalistas, sociólogxs, sexólogxs, antropólogxs, humanistas, socialistas, democratas, monárquicxs, comunistas, fascistas...» (pág. 227) Aqui ninguém sai ileso. Como nos concertos de Jim Morrison, quando declarava «Daqui ninguém sai vivo», também as personagens de Raquel Freire são implacáveis na sua fuga para a frente. Não há cedências a ninguém, nem a nenhuma ideologia. Mesmo Marx aparece como uma ferramenta essencial para afastar o ressentimento legítimo ao capitalismo «O marxismo salva-me da tristeza, o capitalismo escraviza-me, repito para mim mesma enquanto danço. É o meu mantra.» (pág. 136), mas a personagem sabe que tem de travar esse entusiasmo. No fundo, percebemos a formação filosófica de Raquel Freire a fugir aos dogmas. Mais uma lição que recebemos na leitura de Transiberic Love. E um aviso sério meus caríssimos leitores: «Somos sobreviventes, mutantes, répteis voadores, mas dos que voam baixinho, baratas é o que nós somos, sobrevivemos a todas as guerras, todos os colapsos dos mercados, todos os desastres amorosos, todas as overdoses dos nossos amigos, a todas as mortes inglórias, we are young, drunk, beautiful and free». Seja. Irei com eles. É um livro muito bonito.

Na Bertrand do GrandPlaza, Baixa do Porto. Poesia da Deriva


Ontem, na estante de poesia da Bertrand do GrandPlaza na Baixa do Porto (Fernandes Tomás) os últimos livros da Deriva:
Domingo no Corpo, de Aurelino Costa
Vale Formoso, de Filipa Leal
Compositores do Período Barroco, de José Ricardo Nunes
Bartlebys Reunidos, de Ricardo Gil Soeiro

terça-feira, agosto 27, 2013

Antero de Quental, em «Suicidas», de Henrique Manuel Bento Fialho

Enquanto se espera pacientemente que acabe a silly season e recomece o trabalho de distribuição e, com ele, a presença de Suicidas nas livrarias, abrimos a vossa curiosidade com «Antero de Quental», prosa poética de Henrique Manuel Bento Fialho criado com base nesta figura incomparável da política e literatura portuguesas.

ANTERO DE QUENTAL

   Nascidos em território já conquistado, terão pela frente a árdua tarefa da preservação. O dever da preservação é problemático, sobretudo quando nos vimos obrigados a preservar algo que não foi por nós conquistado e não seria nossa vontade deter caso nos tivesse sido oferecida a oportunidade de escolher entre o território que nos colocaram nas mãos e outro algures à mercê da nossa vontade. O ímpeto expansionista de um animal domesticado está demarcado, à partida, pelas paredes, pelos muros, pelas vedações, pelas fronteiras, físicas ou psicológicas, que vão sendo erguidas, ao longo da vida, em torno dos seus desejos, das suas eventuais ambições, da sua mais íntima fome. Por isso, sempre que pode, o animal doméstico entretém-se a desenhar cidades invisíveis no prato que lhe trazem à mesa, molda com os dedos o puré de batata, transformando-o no rosto que o acompanha em sonhos, desenha com a ponta do garfo, no molho da carne, os contornos dos vales onde imagina pertencer a sua volúvel identidade.
   O animal doméstico não se sacia migrando do quarto para a sala, da sala para a cozinha, da cozinha para a garagem, desta para o sótão, mas poder caminhar nesse labirinto de tijolo e cimento, adornado com estantes, retratos, resquícios do tempo observados como uma fenda abrindo-se na palidez do rosto, poder andar para ali, curvado, de um lado para o outro, arrastando o seu desânimo, a sua desesperança, a sua melancolia, a modorra dos dias, pelos mosaicos, pelos tapetes, pelas carpetes semanalmente aspiradas, poder rastejar sobre o soalho afagado e ladrilhado é para ele uma inominável aventura.
   Olhem para o animal doméstico, ainda agora chegado ao espelho mal iluminado da casa de banho, aparando a barba, lavando os dentes amarelecidos, bocejando o sono mal dormido, olhem para ele a enfiar-se na banheira como se os azulejos fossem a vegetação que ilumina as cachoeiras onde nunca lavou o corpo. Olhem-no a ensaboar o tempo, afastando da pele a poluição que trouxe consigo da travessia do deserto. Ai o deserto, o deserto, essas cidades iluminadas pelo fogo das chaminés industriais, movidas a turbinas de aço, atravessadas pela velocidade distorcida dos veículos.
   E um homem afasta-se e sente o silêncio a cair sobre o ruído, sente o ruído a ficar para trás e experimenta a rara e furtiva sensação de conforto que nenhuma poesia oferece, porque toda a poesia, mesmo quando se aproxima do silêncio, resulta de uma interrupção, de um conceito que arrasa a ordem natural e extra-moral do espaço, impondo-lhe os seus fantasmas, os seus edifícios, as suas construções, a sua arquitectura.
   Ainda assim, para o animal doméstico, essa poesia é a ilha deserta onde ele naufragou voluntariamente. Ainda assim, essa poesia é a piroga que o levará na corrente de rios imaginários até às cachoeiras onde nunca lavou o corpo. Porque o seu corpo é já tão-somente uma hélice, um motor, um instrumento ao serviço da domesticação de que o próprio é vítima.

   Ó belo e estranho ser, teus pés não se afundaram no cimento, teus músculos ainda não oxidaram, os teus ossos têm nervo. Desse nervo, poderás, quem sabe, levantar-te da jardinagem paisagística à selvática e caótica beleza das gavinhas, poderás, quem sabe, prescindir dos museus que te oferecem o mundo em segunda mão e, quem sabe, chegar à primeira mão do mundo, para que daqui a, esperemos, muitos anos, possam final e irremediavelmente domesticar-te na geometria fria dos cemitérios.

Domingo no Corpo, na Porta Treze. Cerveira. 31/08. 16:00

Dia 31 de Agosto, pelas 16 horas, Aurelino Costa apresentará o seu último livro de poesias, Domingo no Corpo, editado pela Deriva. Estaremos lá com todo o gosto. É em Vila Nova de Cerveira e a associação poética é tão simpática como a vila que nos receberá.

“Visto que não havia porta treze…
No princípio eram umas tertúlias no Convento de San Payo do Monte sobranceiro à vila de Cerveira e ao rio Minho de onde, em dias límpidos, quase se avista o Brasil para lá das montanhas da Galiza…
… e meses mais tarde, no regresso de uma  dessas tertúlias, já na vila, descendo a Rua Queirós Ribeiro frente à antiga Livraria Luís Pedro (que informalmente funcionava de «centro cultural» desde a sua fundação em 1960), se viu que faltava a porta 13 em sua fachada. Da sorridente observação às suas simpáticas proprietárias nasceu o nome para uma – logo ali perfilhada – tertúlia, ou o que quer que fosse, que celebrasse a poesia como a mais alta expressão da arte literária!
E se ajuntou um grupo de doze fiéis discípulos de Camões, o Luís Vaz, que decidiu formar uma associação com esse fim único de convívio poético. De todo o mundo com a poesia. E da poesia com todo o mundo. De todo o mundo e ninguém, como manda a tradição literária, poética. Que todo o mundo diz a querer amar e ninguém diz que a vai trair.
O futuro falará, só pela voz das nossas acções.
Porta Treze, a nossa associação, rigorosamente cultural para fins de solidariedade social, está aberta a todos quantos a queiram e em celebração da poesia da língua portuguesa.
Só isto: a poesia – que é a nossa vida; a língua portuguesa – que é a alma que essa vida guarda.”

Luandino Vieira

A porta treze, associação poética de todas as artes tem por objectivo celebrar a Poesia como realização da Arte Literária, sob todas as suas formas e em relação com as outras Artes, através de iniciativas de estudo, formação, produção, edição e divulgação como convívios, oficinas, recitais, exposições, colóquios, seminários, conferências, congressos, festivais ou outro tipo de manifestações que tenham a Poesia como motivo.

Porta Treze – Associação Poética de todas as Artes
Rua Queirós Ribeiro nº 11/15
4920-289 Vila Nova de Cerveira
telefone
+351 251795115
e-mail da associação

portatreze@gmail.com

segunda-feira, agosto 26, 2013

Que se Lixe a Troika!, de João Camargo. 2ª edição


Chegou à 2ª edição Que Se Lixe a Troika!, de João Camargo. É possível que haja alguns atrasos de reposição devido ao mês de Agosto que é, ainda, um mês de férias. No entanto, logo que possível, este livro de denúncia e de argumentos sólidos sobre a chamada «crise do subprime» vai estar novamente nos escaparates. Escusado será dizer que, escrito em forma de dicionário da crise, explica pormenorizadamente quem e o porquê de nos estarem a colocar a vida em frangalhos.

Odeio as Manhãs, Jean-Marc Rouillan



O título do livro  pode enganar: as manhãs de que fala o autor são o início dos dias intermináveis das prisões francesas que se seguem às noites laranjas das luzes internas e externas das celas.
Na ocasião da publicação do livro, não me deixaram contactar com Jean-Marc Rouillan a cumprir uma pena de prisão perpétua em Lannemezan, por participação em atentados, nos anos 80, reivindicados pela Action Directe. Mas o caso de Rouillan e de outros prisioneiros políticos chamou-me a atenção, quer pela violência com que estavam a ser tratados ultrapassando claramente (pelo menos na minha opinião) a violência dos crimes que cometeram, quer as leis do estado de direito. Muitos deles encontravam-se gravemente doentes e a prova que alguma coisa estava mal no campo do Direito é que hoje encontram-se todos em liberdade e não veio daí grande mal ao mundo. Na altura, falei com Isabel do Carmo para fazer o prefácio do livro de Rouillan e mostrou-se disponível, não sem que me avisasse que nunca concordou com os métodos da AD. Mas faria um apelo à amnistia por causas humanitárias. Sinceramente era igualmente a minha opinião e gostei de a ouvir pela boca de alguém que teve a sua quota parte da révanche do Estado na sua procura da normalização democrática.
O título do livro  pode enganar: as manhãs de que fala o autor são o início dos dias intermináveis das prisões francesas que se seguem às noites laranjas das luzes internas e externas das celas.

Jean-Marc Rouillan, autor de Odeio as Manhãs, viu indeferida a sua libertação em março de 2009, depois de um longo período de reclusão em várias penitenciárias francesas acusado de pertencer à Accion Dirècte. Hoje, encontra-se em liberdade condicional, devido a uma grande campanha da Amnistia Internacional.
Jean-Marc Rouillan nasceu em 1952, e participou muito jovem no movimento anarco-comunista de Toulouse e, depois, no movimento anti-franquista. Assim, no decurso dos anos 70, foi membro do primeiro núcleo de organização armada onde se desenvolveu o movimento operário clandestino da região de Barcelona: o Movimento Ibérico de Libertação (MIL). Um dos seus membros, Salvador Puig Antich, foi o último condenado político a ser garrotado a 2 de Março de 1974, já no estertor do ditador Franco. Portugal conheceu bem este crime tendo havido, nessa altura, acções de rua contra o regime que então guiava os destinos do estado espanhol. Participou, mais tarde, na fundação dos Grupos de Acção Revolucionária Internacionalistas e ao movimento autónomo (surgido da deriva espontaneísta de maoístas e de um renovado movimento revolucionário na juventude. Em 1978, participa na fundação da Acção Directa, organização desmantelada em 1987. "Odeio as Manhãs" foi escrito clandestinamente a meio de uma greve de fome no centro prisional de Lannemezan e terminou o livro, a lápis, no Hospital de Fresnes. Foi publicado em 2001.
Jean-Marc Rouillan está preso desde 1987, desde o desmantelamento da Action Directe, cumprindo uma pena de prisão perpétua. Esta crónica foi escrita em 2001 na central de Lannemezan e conta o quotidiano da sua vida prisional sob um regime ultra-severo. Denuncia também a ligação muito discutível entre a medicina e a prisão.
Tradução de José Paulo Vaz.
(Odeio as Manhãs-5 euros, mais portes de envio)

Livros: Instinto de Morte, de Jacques Mesrine, Antígona



Reli Instinto de Morte de Jacques Mesrine, recém-editado pela Antígona, e muito por causa da crítica de Ana Cristina Leonardo, no Expresso. Isto tem uma história: quando o li pela primeira vez foi em Paris, editado pela então Champ Libre. Nessa ocasião a edição ligava-me à Centelha de Coimbra e tentei editá-lo por aí. Fui até à Rua Béarn para falar com alguém que me apresentasse os direitos de autor e de tradução. Ora, quando me dirigi até lá, não sabia que tinha acabado de ser assassinado Gérard Lebovici o editor de Mesrine. A sanha persecutória da polícia francesa tinha ultrapassado tudo. Acusaram Guy Debord de ser ele o assassino, ou mesmo o seu mentor. A imprensa levantava hipóteses sem fim como, por exemplo, ter sido elaborado por antigos companheiros de Mesrine que, aliás, tinha adoptado Sabrine a sua filha e muito referida no livro. O seu assassinato foi, portanto, uma espécie de ajuste de contas de gente marginal. Com o caso de Guy Debord o caso piava mais fino. Há muito que a polícia queria fazer-lhe uma grande provocação e ele sabia-o. Publicava vários livros na Champ Libre e foi exactamente nessa altura que lá cheguei. Esta completa provocação da polícia a Debord, que mais tarde foi inocentado de tudo, foi muito bem descrita num comunicado do tradutor e editor Júlio Henriques, sob o pseudónimo creio, de Partido da Verdade.
Quando toquei à porta abriram-me uma pequena vigia e de lá perguntaram-me toda a minha identificação. Depois de ter dito que era português e que gostava de saber as condições que me davam para traduzir Instinto de Morte, de Mesrine e outros livros de Debord, fizeram-se desentendidos. Apresentaram-me as Memórias de Bukarine e os cartazes do Maio 68, ou os livros de Censor (Sanguinetti?). Só percebi mais tarde o problema: Debord. Encontrava-se a passar os seus direitos (que eram livres) para o nome de Alice Becker Ho, antecipando talvez as consequências da sua doença. Quanto a Mesrine, tinha acabado de sair uma lei francesa que obrigava a que os direitos de autor de indivíduos condenados fossem entregues às suas vítimas. Mais tarde, com a Deriva, ao publicar Jean-Marc Rouillan (Odeio as Manhãs) e Anjel Rekalde (Dorregarai a Casa-Torre), vim a perceber isto mesmo e a dificuldade legal em editar indivíduos ex-condenados (o primeiro pela militância na Action Directe e o segundo na ETA).
Depois de reler o livro foi uma desilusão: a diferença de trinta anos é grande, mas nunca esperava ver Mesrine (nos anos 80, mantinha ainda um certo halo de herói popular) como um indivíduo tão desprovido de sentimentos como perpassa na leitura do seu livro e na percepção da sua psicologia de assassino muito particular. Anselm Jappe já nos tinha avisado no prefácio: algumas das mortes foram totalmente inúteis, tendo servido somente para aumentar o seu narcisismo e reputação no «meio», como ele diz. As mulheres só são reconhecíveis como tal se forem submissas perante os homens; e se assaltam bancos e fazem frente à polícia são «verdadeiros homens». A tortura é legítima, segundo ele, para os delatores ou os traidores. E fê-lo, sem qualquer problema, a vários deles.
Mas o que mais me surpreendeu é a repulsa que ele tem por quem trabalha. Aliás, roubou, pelo menos duas vezes, grandes somas de salários a empresas. O problema contudo reside na sua opção em não trabalhar: recusava aquilo que os franceses chamam «metro, bulot, dodo» com toda a legitimidade, diga-se. Nada o obrigava a essa vida e poderia, nos anos 60, ter tido várias alternativas. Poderia, inclusive, repetir até à exaustão, que quem trabalha é um escravo moderno (porque de facto o é), mas não tinha o direito (porque contraditório) em adular tantos polícias e inspectores. Ou seja, um polícia é um polícia que faz o seu trabalho, o marginal, também. Logo, está tudo no seu lugar: «eu roubo, porque trabalhar é ser escravo, gosto de assaltar bancos porque há adrenalina e conheço miúdas bonitas e hóteis de luxo», «tu, polícia, tens de me apanhar e se fores correcto comigo, tudo bem, se for mano a mano, és tão honesto como eu!». Seria um resumo das suas ideias. Agora se poderá ver o verdadeiro terror da classe média depauperada, viver entre estes dois extremos!

Fala, uma única vez e no final do livro, de uma pretensa opção política, para explicar o eventual rapto de um líder parlamentar da oposição, porque poria o governo da altura em maus lençóis. Nada mais que isto. Anarquista? Comunista? Libertário? Socialista? De extrema-direita? Esta última hipótese coloca-se simplesmente por ter referido, na sua participação na guerra da Argélia, torturas que executou a árabes, cujo ódio, vai sendo descrito ao longo do livro, juntando a este racismo latente o gosto desmesurado pelas armas. Ficamos sem o saber. 

quarta-feira, agosto 21, 2013

Entrevista de Ricardo Gil Soeiro ao site Novos Livros


Retirado do Site Novos Livros 
http://novoslivros.blogspot.pt/2013/08/ricardo-gil-soeiro-bartlebys-reunidos.html

1 - O que representa, no contexto da sua obra, o livro Bartlebys Reunidos?
R – Trata-se do segundo volume de uma tetralogia que, neste momento, estou a escrever, intitulada Tetralogia de uma Poética Palimpséstica e que é constituída por quatro volumes (que assentam nos mesmos moldes formais): presentemente, estou a trabalhar no Volume III: Comércio com Fantasmas [Para uma Epistolografia Espectral] e no Volume IV: Anjos Necessários [Para uma Angelografia do Desejo]. O meu objectivo é reunir no futuro os quatro volumes num único livro que intitularei de “Palimpsesto”. É-me muito cara a ideia da escrita poética enquanto retraçar do traço, sublinhando as múltiplas camadas de que se faz um texto. No fundo, a ideia de uma tessitura poética fertilmente assombrada por um labirinto de outras escritas. E o que é a poesia senão esta riqueza de múltiplas vozes, múltiplas mãos? A escrita, dando conta da impossibilidade do apagamento absoluto, aponta para esse resto espectral cujo frémito ainda estremece.

2 - Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R – O livro baseia-se na figura criada por Herman Melville, no conto Bartleby, the scrivener (1853): o escrivão Bartleby que, a cada solicitação ou ordem, se limita a retorquir: “Preferiria não o fazer.” Visa, fundamentalmente, interrogar poeticamente a pulsão negativa e a atracção pelo nada, tal como esta se desenha no labirinto da literatura do Não (aqui inspirei-me no romance híbrido Bartleby & Compañia, da autoria do escritor catalão Enrique Vila-Matas). Imaginando múltiplos Bartlebys, cada poema encena a problemática da desistência literária, inspirando-se para o efeito em diversas obras de referência (na poesia, na filosofia, no teatro e na pintura) que espelham a renúncia da escrita. Daí o subtítulo que acompanha a obra: “Para Uma Ética da Impotência”. Creio que o livro ganha em ser lido à luz desta unidade conceptual, mas cada poema pode igualmente ser perspectivado individualmente: a minha esperança é a de que o leitor se sinta seduzido e tentado pela singularidade de diferentes vozes e pelos distintos tons que se sucedem. Essa rede polifónica parece-me decisiva, não só para quem lê, mas também para quem escreve: a convicção segundo a qual o sujeito escrevente, ao tomar a palavra poética, se heteronomiza, se torna Outro. É desta forma que procuro explicar o meu fascínio crescente pelas metamorfoses, pelos simulacros, pela “verdade das máscaras”, na formulação de Nietzsche. Interessa-me ameaçar a própria ideia de representação, transgredir a sua lógica mimética. Talvez assim se torne possível, parafraseando Victor Stoichita na sua magnífica obra O Efeito Pigmalião: Para uma Antropologia Histórica dos Simulacros, fazer explodir o texto, ferir o olhar. Esse é o objectivo impossível, mas profundamente necessário.

3 – Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R – Neste momento, estou a trabalhar na tetralogia, como referi. Mas estou também a terminar aquilo que designo por “Díptico sobre a Palavra Absoluta” (2013-2014) e que é constituído por dois livros, ligados entre si: Painel I: A rosa de Paracelso [poema longo] e Painel II: ‘Ultima Verba’. Tratado das Confidências [ficção]. Agrada-me muito esta ideia de séries ou de volumes que, valendo por si mesmos (quando considerados individualmente), ganham uma maior amplitude e riqueza formais, quando perspectivados em ligação uns com os outros. De resto, já havia feito algo semelhante aqui há alguns anos com as Partituras do Ofício (2011), constituído por dois livros: Ciclo I - Labor Inquieto [poesia] e Ciclo II - Constelações do Coração (seguido de Filosofia Portátil) [crónica autobiográfica seguida de série poética].
__________
Ricardo Gil Soeiro
Bartlebys Reunidos [Para uma Ética da Impotência]

Deriva Editores, 11,50€

Fazer Teatro na Escola, uma proposta

O Homem que Via Passar as Estrelas, de Luís Mourão, é uma peça de teatro para a juventude várias vezes apresentada no Teatro da Trindade em Lisboa, entre outros palcos. Alia o humor à pedagogia. Da História às Ciências Naturais, da Matemática à Física; para além, igualmente, da Língua Portuguesa e da Geografia, mostra-nos uma série de possibilidades que se podem concretizar no espaço da turma ou da escola. Dentro, um prefácio de Máximo Ferreira e um guia de exploração pedagógica de Paulo Simões. Para a montagem do espectáculo, sugestões oportunas de figurinos dos actores e actrizes. Proposto pelo Plano Nacional de Leitura.
Pedidos para infoderivaeditores@gmail.com (descontos para as escolas)

Hoje, na Livraria Leitura no Porto



A Livraria Leitura no Shopping Bom Sucesso, na Boavista, Porto, é das poucas livrarias que tem o catálogo completo da poesia da Deriva. Hoje, encontrava-se em escaparate os últimos Compositores do Período Barroco, de José Ricardo Nunes e Bartlebys Reunidos, de Ricardo Gil Soeiro.

segunda-feira, agosto 19, 2013

Perigo Vegetal, Ameaça na Antártida e Futuro Roubado. No Plano Nacional de Leitura (1º, 2º e 3º ciclos)


Eis os livros juvenis da Deriva, escritos pelo galego Ramón Caride, onde se constroem aventuras de dois irmãos contra as multinacionais que querem tomar conta do planeta (ainda mais). São todos escolhidos pelo Plano Nacional de Leitura para o 1, 2º e 3º ciclos e passíveis de serem explorados pedagogicamente por várias disciplinas. Ver em http://aventurasdesheilaesaid.blogspot.pt/


A ler: O Negócio dos Livros, de André Schiffrin. Letra Livre



Em boa hora a Letra Livre publicou O Negócio dos Livros, de André Schiffrin. Com um subtítulo esclarecedor, Como os grandes grupos económicos decidem o que lemos, avançamos para a leitura que se revela extremamente interessante para quem, como nós aqui pela Deriva, se vê em palpos de aranha para sobreviver no mundo dos livros. Mundo que não é todo igual, como nos avisa a tempo, Vítor Silva Tavares que o prefacia.
Schiffrin é americano, filho de judeus que fugiram da ocupação nazi em França, e isto explica já alguma coisa. Ou seja, a posição política do autor que foi editor da Pantheon Books e, depois, da New Press, é claramente de esquerda. Bom, em termos europeus podemos dizer que sim, mas na América é um perigoso liberal, ainda por cima com excelentes ligações a editoras francesas e inglesas que editaram Sartre, Hobsbawm, E.P. Thompson, Marguerite Duras, Beauvoir, Chomsky, Ivan Illich e por aí fora... Parece-nos evidente que sem ele, estes autores muito dificilmente veriam a luz do dia nos E.U.A.
O livro, em si, não contém grandes novidades para os leitores que sabem escolher os seus livros. Mas devia ser de leitura obrigatória para os que vão atrás dos horríveis escaparates com que as livrarias nos agridem todos os dias. Talvez seja bom saber como se formatam as mentes com os livros, já de si formatadas pela TV e pelo cinema de Holywood bem acompanhadas por outros avanços capitalistas, tão alienantes e perigosos como os primeiros. Mas o livro de Schiffrin devia ser igualmente de cabeceira para os editores das grandes fusões à moda portuguesa. Porquê? Porque aquilo que foi feito nos anos 90 nos EUA e Grã-Bretanha está ser feito em Portugal e no resto da Europa.
A receita é aparentemente simples: duas, três, quatro médias editoras (atenção à diferença de dimensão: uma média editora americana é maior do que uma considerada grande editora portuguesa), são compradas por um grupo ligado a uma grande televisão, revistas, ou seja, do que comummente chamamos de media. Após a compra, inicia-se o processo de despedimento colectivo, enviando para o desemprego os antigos editores e contratando «novos» gestores que nada tem que ver com os livros, antes, com dinheiro puro e duro. Schiffrin diz-nos que se fazem pagar como nababos, sendo de crer que alguns têm ordenados maiores que alguns administradores de bancos, o que é obra!
Chegados aqui, começa a transformação ideológica das editoras fundidas: já não haverá lugar para grandes pensamentos ou critérios editoriais alternativos. Agora, pensa-se em ganhar dinheiro e a direita julga-se boa nisso. Avança-se com «biografias», com pagamentos principescos a personalidades dúbias, livros de autoajuda, de cozinha, de viagens, de personalidades da TV e cinema, livros ligados a Fundações, etc.
Julgam que isto dá dinheiro? Não, não dá. O autor e editor, garante-nos que os números são claramente inflaccionados, reduzindo-se até a margem de lucro das fusões para limites inaceitáveis (chega-se a calcular 1% de lucro, o que não será de admirar tendo em conta os ordenados brutais dos administradores, o gasto de pagamentos em avanços idiotas por novos editores mais interessados em ganhar currículo antes do despedimento, a publicidade na TV de livros que nada vendem, os prémios completamente desajustados, etc, etc.). Mesmo a venda de livros é uma mentira: quem já não viu, aqui em Portugal, por exemplo, a 24ª edição de um livro junto a uma 6ªou 12ª edição do mesmo livro?
Outra coisa que nos faz pensar é a «escolha» do e-book como alternativa segura ao livro por gigantes como a Amazon. Mais uma inflacção de vendas: só o que se gasta em publicidade não dá sequer para contrabalançar as vendas on line. E têm estado a baixar por cansaço das pessoas com as escolhas sempre iguais no plano editorial. Não fossem alguns jornalistas a serem cúmplices desta estratégia e provavelmente a situação era bem pior.

Mas é provável, mesmo sabendo isto, que a coisa continue. A incongruência é parte inseparável do capitalismo e, por isso, o processo de multiplicação da usura editorial e da especulação também têm aqui o seu papel. 
Exactamente, o seu papel!

quinta-feira, agosto 01, 2013

Bartlebys Reunidos, na Fnac de Sta. Catarina, Porto

Bartlebys Reunidos, de Ricardo Gil Soeiro, finalmente nas Fnacs. Neste caso na Fnac de Sta. Catarina, no Porto.