Deriva das Palavras
quarta-feira, fevereiro 24, 2021
Dos tempos que correm: «Viagem à roda do meu quarto», de Xavier de Maistre
sábado, fevereiro 20, 2021
Os buxos do império para onde merecem!
quinta-feira, fevereiro 18, 2021
A «culpa» de Mamadou Ba e os intelectuais indignados
Não vou falar da minha repugnância em observar a subida de Marcelino da Mata a um qualquer panteão onde o querem colocar. Tinha eu 14 ou 15 anos e já ouvia falar das façanhas «heróicas» deste indivíduo em pleno conflito na Guiné. Se o TPI, consequência institucional do Estatuto de Roma de 1998, tivesse existido durante a guerra colonial Marcelino da Mata iria lá parar, possivelmente com pena perpétua. Mas o fascismo encobriu-o com o alto patrocínio da PIDE e de Salazar, mesmo contra a opinião de membros do exército colonial enojados com os relatórios das suas acções criminosas.
Mas a caixa de Pandora abriu-se e agora Mamadou Ba vê-se na contingência de ser insultado como nunca antes o fora (e foi muitas vezes) por uma miríade de fascistas, grunhos, racistas, ignorantes e imbecis que serão à volta de, a esta altura, vinte mil. Sejam quinhentos mil e continuarão tão estúpidos quantos os que assinaram uma petição mal escrita, em português sofrível, mas cujos intuitos são claros: a deportação de um cidadão português de origem senegalesa, juntando assim a anterior tentativa de igual deportação de Joacine Katar Moreira, outra portuguesa de origem guineense.
O delito é não só de opinião e poder-nos-emos interrogar se é de facto isso que move aquela gente. O delito de Mamadou Ba é ser negro. E de citar Frantz Fanon. E de colocar o colonialismo, as suas raízes e o seu ramos subliminares no comportamento das sociedades europeias, no centro da sua acção política. Portugal é tão racista como os outros racistas. Gilberto Freire e a bonomia do seu luso-tropicalismo ficou e permaneceu num país demasiado tempo fascista e corporativista. Por causa desta teoria, este país fez a triste figura de ver cair o último império da Terra sem grandeza ou orgulho como nos querem fazer passar a mensagem. Sem contar com o genocídio inquisitorial secular. Ou como Ramalho Eanes que há dias declarou, melancólico, que sem o império seríamos uma Catalunha qualquer! Pois não somos, não. Mamadou Ba pôs o dedo nas feridas ainda abertas do domínio ocidental nas colónias portuguesas. E sentimo-nos incomodados com o que diz, embora, para mim, isso seja salutar como forma de encontrarmo-nos como povo duas vezes violentado. Pelo fascismo elevado a estado durante 48 anos com o seu rol de arbitrariedades e de violências cobardes de quem dispõe de força bruta e a usa sem grandes problemas de ética cristã e igualmente por um império de papel em que outros, mais fortes, tiravam todo o proveito.
Não se admirem de ver intelectuais «de esquerda» nesta onda racista contra Mamadou Ba. Eles existem e estão por aí, abrindo, ou melhor, escancarando portas para o ataque violentíssimo ao responsável do SOS Racismo pela direita, quer seja ela «civilizada» ou ultra. E não falo de Fátima Bonifácio, José Manuel Fernandes, Rui Ramos, João Miguel Tavares ou outros, mais soturnos, que vão subindo a escada universitária pela Nova Portugalidade muito mais perigosa que os «chegas» deste país.
Estou a referir-me a um indivíduo em particular: a Guilherme Valente que fez um dos libelos anti-Mamadou mais violentos que alguma vez eu li, com ampla mediatização pelo Expresso e sem possibilidade de este se defender. Isto logo em 22 de Dezembro de 2020! Um editor, dito amante da cultura, dito antifascista e anti-racista, editor da Gradiva, auto-denominado igualmente de «ser humano» e com «amigos de origem africana» (claro!) afirma nesse artigo coisas destas: «O Senhor Mamadou Ba é um perigo público. Um racista à solta que as autoridades fingem ignorar e a justiça e as leis deixam impune. Racista desde logo porque para ele só há racismo ''branco''.» E continua imparável: «O racista (já expliquei porquê) Mamadou Ba volta a chamar racistas às nossas instituições, as nossas leis, aos portugueses. Continuarão em silêncio os ''racistas'' PGR, ministra da Justiça, primeiro-ministro, deputados da AR, Presidente da República?». Mas Guilherme Valente não tem medo: «A mim não me dividirá Mamadou Ba: estou ao lado dos meus compatriotas e amigos Portugueses de origem africana.» Certamente contará com a presença do espírito de Marcelino da Mata! E o excelso editor, magoado, pela não deportação de Mamadou e possivelmente de Joacine, remata: «Pode agora o Senhor Mamadou Ba afirmar-se perseguido e mártir, como já começou a fazer, mas essa treta não pegará. Se quer passar por mártir e herói vá para África ou para o Médio Oriente (...)».
Querem mais exemplos de como construir um clima de ódio e perseguição a uma pessoa como Mamadou Ba? Assim se abrem portas para «Preto, vai para a tua terra!» e nos mostramos em toda o esplendor imperial e colonial que povoam muitas cabeças. E pretensiosamente pensantes. È deles que eu tenho receio.
António Luís Catarino
18 de Fevereiro de 2021
sábado, fevereiro 13, 2021
Centro histórico de Bergen, Noruega. Scketchbook a preto e branco.
terça-feira, fevereiro 09, 2021
segunda-feira, fevereiro 08, 2021
«O Eclipse da Razão», de Max Horkheimer
«Paraíso e Inferno», de Jón Kalman Stefánsson
segunda-feira, janeiro 25, 2021
Carta entreaberta aos jovens antifa
sexta-feira, janeiro 22, 2021
Escritório em ponto de fuga (contínua)
Uma cidade numa perspectiva isométrica
terça-feira, janeiro 19, 2021
«Internacional Letrista, Potlatch nº5 - Que sentido dá à palavras poesia?»
Resposta a um inquérito do Grupo Surrealista Belga:
Que sentido dá à palavra poesia?
A poesia esgotou os seus últimos prestígios formais. Para além da estética, está inteiramente no poder dos homens sobre as sua aventuras. A poesia lê-se nos rostos. É por isso urgente criar novos rostos. A poesia está na forma das cidades. Por isso vamos construí-las transformadoras. A beleza nova será DE SITUAÇÃO, quer dizer provisória e vivida.
As últimas variações artísticas interessam-nos apenas pela força influencial que nelas possamos pôr ou descobrir. A poesia para nós não significa senão a elaboração de comportamentos absolutamente novos e dos meios de nos apaixonarmos por eles.
Internacional Letrista (texto publicado no número especial
de 'La Carte d'après Nature', Bruxelas, Janeiro de 1954
POTLATCH, nº5, tradução de Leonel Moura. Edição portuguesa de Fenda Edições.
domingo, janeiro 17, 2021
«Negreiros-Dantas. Coimbra Manifesto 1925», de Rita Marnoto. Ou de como os «palermas de Coimbra» ousaram lutar contra a Santa Pasmaceira
quarta-feira, janeiro 13, 2021
«As Cidades Invisíveis», de Italo Calvino
quinta-feira, janeiro 07, 2021
«Florinhas de Soror Nada», de Luísa Costa Gomes
quarta-feira, dezembro 30, 2020
«Fósforos e Metal sobre Imitação de Ser Humano», de Filipa Leal
«Acidentes», de Hélia Correia
Não é a primeira vez que Hélia Correia me coloca na situação de espanto perante as suas palavras: aconteceu com «Adoecer» e agora com «Acidentes», embora em registos diferentes. Tenho acompanhado os seus livros desde sempre e também por causa da Grécia, bem presente neste último livro de poesia. Soube, pelo livro, que o poema dedicado a Maria Helena da Rocha Pereira, que foi minha professora de Cultura Clássica durante dois anos na FLUC, já teria sido publicado no JL. Constituiu uma surpresa comovedora incluir este longo poema num ciclo helénico, diria eu, dedicado a Safo e a Cleïs.
António Luís Catarino
30 de Dezembro de 2020.
sexta-feira, dezembro 25, 2020
Natal de poesia feito 2
Por vezes dá-me a febre da poesia. É por ondas. Por impulsos. Na verdade, a poesia também ela é impulso e perseverança. Encontrar a palavra, a ideia certa, é quase doloroso. As palavras quando juntas pelos poetas adquirem uma lógica que por vezes não encontramos cá fora, não sabemos como dizer e lá está ela sob os nosso olhar. Que entra em nós e permanece, num caminho permanente.
quarta-feira, dezembro 23, 2020
Natal de poesia feito
No Natal há demasiados ruídos, solicitações, companhias que dificultam muito a concentração que é obrigatória na leitura. Um poema. Um simples poema pode ajudar-nos a centrar a beleza inerente à palavra e à sua conjunção. Como os planetas em linha que permitem ver o brilho de uma estrela longínqua. É nisto que me refugio durante o Natal.
António Luís Catarino
23 de Dezembro de 2020.
terça-feira, dezembro 22, 2020
«A Ladra da Fruta», de Peter Handke
Já me tem acontecido na leitura de um livro, mas as primeiras palavras desta ficha de leitura vão, directas, para o trabalho de Helena Topa nesta tradução de «A Ladra da Fruta», de Peter Handke. É um trabalho excepcional e não queria (nem poderia) estar na sua pele a traduzir do alemão palavras, expressões, referências literárias inesperadas mas ganhando todo o sentido ao serem explicadas no final do livro por Helena Topa. Palavras e frases que o próprio Handke afirma, no decorrer da história, serem intraduzíveis alternando com expressões em alemão (a certa altura até faz um elogio à sua língua que, cá por mim, até corroboraria se não fossem as palavras de 23 letras!), francês e espanhol. Nada que não se esperasse de um livro da Relógio d'Água, mas este trabalho de tradução é mesmo de registar.
Quanto ao livro em si, lê-se de um fôlego. Não tendo capítulos ou espaços em branco para respirarmos, a cadência que nos transmite faz a leitura discorrer sem grandes problemas de fadiga. O facto estará, creio, no acompanhamento que queremos fazer com Alexia, mais tarde também com Valter, cuja viagem em espiral dura três dias. O motivo aparente, se é que é necessário um motivo, é uma caminhada pelas estradas, bosques, rios, na Picardia francesa em busca da mãe e de um irmão que não vê há muito. Alexia é siberiana e viaja em diversas situações quase surrealistas se não tivéssemos a certeza que a realidade ultrapassa em muito a ficção, tornando a deriva de Alexia verosímil.
Utilizei o termo «deriva» porque é mesmo o que acontece nesta viagem. Se isto não é uma deriva, então o que é a busca de Alexia? Se atentarmos em Thomas de Quincey que afirmava em «Confissões de um Opiómano inglês» que Londres era uma cidade onde existiam quadrículas desconhecidas ou mapas não registados oficialmente pela polícia, onde se errava em liberdade e perigosamente, então temos uma Alexia em deriva constante. Se quisermos até chamar a psicogeografia, teremos igualmente uma Alexia em busca permanente de uma identidade e de um lugar onde se identifique com ela própria. Por isso move-se em espiral, como nos informa Handke. Porque se encontra com lugares, pessoas e animais que lhe dizem quem é, mas que ela abandona de seguida - em espiral, para nunca se repetir o encontro, tal como a História, em Mircea Eliade. Esta nunca se repete se bem que os lugares-comuns, muitos deles assinalados pelo autor na obra, o repitam até ao enjoo. Não, a História não se repete. Toca-se em espiral, num movimento helicoidal, como as molas dos nossos automóveis.
E, se para esta obra excepcional, fosse necessário mostrar um epílogo, de tantos que tem, visto que a deriva de Alexia, tal como qualquer deriva, não tem fim, eu escolheria este discurso do pai:« «Nós, os que não temos Estado, aqui e hoje livres do Estado, inatingíveis pelo Estado. Tudo se converteu em seitas, Estados e Igrejas e...e...E nós? Fugitivos do tempo, heróis da fuga. Nós, que não temos um papel, enquanto os homens do Estado continuam, imperturbáveis, nos seus papéis. Nós, os eternos destemidos cheios de temor. Os eternos hesitantes e procrastinadores. Os que escolhemos os desvios. Os que andamos em círculos e espirais. Os-que-olhamos-por-cima-do-ombro para o vazio. Os herdeiros da culpa. Os amantes do amargo. Nós, os prestáveis, dinastia de serviçais, nobreza hereditária de obsequiosos. Nós, os rotos, marquesas e condes hereditários ''von Roto''. Nós, as figuras marginais! (Exclamação: «Viva o roto! Vivam as figuras marginais!») «Nós, os ilegais e os desesperados. Que temos, contudo, uma lei. Nós, os lutadores de causas perdidas.» (Exclamação: «Vida longa aos que lutam por causas perdidas!»).»»
Sois dados a serem prestáveis, pertencerem a uma dinastia de serviçais ou, ainda, eternos obsequiosos? Então não leiam este livro. Mas sereis agradavelmente surpreendidos se forem permanentes lutadores de causas perdidas.
António Luís Catarino.
22 de Dezembro de 2020
quinta-feira, dezembro 10, 2020
A ignorância ao serviço do nazismo
Lenine e Nós, de Boaventura de Sousa Santos
O artigo de Boaventura de Sousa Santos é este:
António Luís Catarino
7 de Dezembro de 2020
terça-feira, dezembro 01, 2020
Últimos exemplares de «Anjos do Desespero»
Últimos exemplares de «Anjos do Desespero».
Aproximamo-nos do final da promoção do livro/catálogo Anjos
do Desespero baseado na exposição homónima que teve lugar em Coimbra, no
Liquidâmbar. Referências poéticas e personagens que vos mostro juntamente com o
prazer do desenho, da colagem e da recolha. Foi uma edição de autor, com a
chancela da Artes Breves e composta por António Alves Martins. Tiragem pequena,
permito-me informar que já existem poucos livros para venda restrita e
simbólica de 12 euros. Um abraço de obrigado a quem já adquiriu o livro, todos
autografados. Um agradecimento aos espaços que aceitaram expô-lo:
Letra Livre em Lisboa, Utopia no Porto, Miguel de Carvalho na Figueira da Foz e
Liquidâmbar em Coimbra. Uma grande cumplicidade aos que leram os textos na exposição e presentes no livro. E um obrigado igualmente aos que o vão ainda adquirir, neste fim
de ciclo a que me propus. O contacto aqui vai, e a tempo, por causa do tempo: alcatarino3@gmail.com
António Luís Catarino
1 de Dezembro de 2020
domingo, novembro 29, 2020
«Do Desaparecimento dos Rituais», de Byung-Chul Han
«Na busca de novos estímulos, excitações e experiências, hoje perdemos a capacidade de repetição. É intrínseco aos dispositivos neoliberais, tais como a autenticidade, a inovação ou a criatividade, coagirem-nos permanente ao novo. Mas, no final de contas, a única coisa que geram são variações do mesmo. O antigo, o passado, o que permite uma repetição satisfatória, é eliminado, porque se opõe à lógica de aumento de produção. No entanto, as repetições dão estabilidade à vida. A sua característica é a sua capacidade para nos instalarmos num lugar».
Para o pensador coreano a autenticidade é inimiga da comunidade porque narcisista. A partir daqui inicia a crítica à produção neoliberal, visto que a pessoa passa a ser um produto, uma mercadoria, tal como o tempo de trabalho e de descanso que faz parte do ritmo produtivo. A teoria de alienação de Marx? Não. Byung-Chul Han passa não só para a crítica de Marx, como para o seu antecessor Hegel, enquanto ao mesmo tempo abre uma nesga de crítica ao capitalismo como fenómeno contrário a um outro fenómeno: o da religião (a tal relegere) porque este sistema económico impede a ligação comunitária, entrando e promovendo um inferno do igual porque tudo (as mercadorias como objectos e como pessoas, dizemos nós) pode ser comparável em dados. É a ditadura dática.
Mas porque Byung-Chul Han critica, então Hegel? Porque na sua dialéctica opta pelo servo e não pelo senhor. Decide-se não pelo ócio do senhor, mas pelo trabalho do servo. A sobrevivência contra a vida! Ou seja, Hegel seria incapaz de entender o ponto de vista do jogador, do ócio, do amante da vida. E nessa esteira de pensamento, leva-nos à negação de Marx, cuja filosofia e teoria se centra no trabalho, louvando, um tanto puerilmente, o seu genro Paul Lafargue que escreveu o famoso «O Direito à Preguiça». Sabemos que Marx centrou toda a sua filosofia no trabalho, para o desconstruir como trabalho assalariado e alienante no capitalismo, decompondo o valor da mercadoria e explicando o valor do trabalho e principalmente da força de trabalho. Não irei ao ponto de sugerir que na Coreia não haja uma tradução de «O Capital», embora o coreano viva na Alemanha e saiba correntemente o alemão, o que lhe permitiria ir à fonte...
A dúvida adensa-se quando se começa a entrar por caminhos estranhos na leitura de «Do Desaparecimento dos Rituais»: o Japão como futuro dessacralizado do capitalismo, pela imposição de signos e território ritualizado do capitalismo? A mercadoria no Japão perde o seu real valor pela importância do invólucro, muitas vezes mais rentável que a mercadoria em si? E a superação da guerra inumana de drones ou pela internet, dando primazia ao jogo da guerra de olhos nos olhos, no duelo entre pares? Outra vez os samurais de Mishima?
Isto tudo poderia ser uma leitura interessante se não estivéssemos atentos às «pequenas» pesquisas de Byung-Chul Han. Não é só a tentativa (falhada quanto a nós) de superação de Hegel e Marx - e logo, neste, pelo valor das mercadorias! - nem também pelos laivos situacionistas e libertários de quando fala do ócio/trabalho ou da crítica ao digital e ao poder dático, mas já nos causa perplexidade a utilização e referência do nazi Carl Schmitt para a superação da guerra digital online, ou pela superação do Iluminismo através da assunção de sociedades ritualizadas pelo sentido comunitário dando o exemplo do Japão.
Como gostaria de estar errado sobre ele. Sim, o Iluminismo morreu, mas não creio que seja pela perspectiva do devir filosófico de Byung-Chul Han. Fico-me cá pelo Adorno e basta!
António Luís Catarino
29 de Novembro de 2020
«Imagine: Reflections on Peace»