segunda-feira, abril 22, 2024

Jornal Mapa 41, ilustração de artigo de L. Silva

 

A minha contribuição para o Jornal Mapa 41. Ilustração do artigo de L. Silva (Sandra Faustino) "Startups: não é um ecossistema, é uma plantação"

domingo, abril 21, 2024

Jornal Mapa 41

 

Saiu o número 41 do Jornal Mapa. O SAAL, a Coimbra radical dos anos 70, o 25 de Abril nos liceus de Leiria, o associativismo contra a especulação, as startups e os unicórnios, a gentrificação, a crise ecológica, mulheres: o 25A começou em África, as notas de Júlio Henriques, Phil Mailer e a Revolução portuguesa, poemas, ilustrações... Um número a não perder.

sábado, abril 20, 2024

«Empúsio», Olga Tokarczuk

 

Cavalo de Ferro, 2024, Tradução de Teresa Fernandes Swiatkiewicz
Passado em 1913, um ano antes da I Guerra Mundial, ainda os impérios e as monarquias dominavam politica e geograficamente uma Europa hoje quase irreconhecível, «Empúsio», da polaca Olga Tokarczuk, prémio nobel (não sendo por isso que não deixa de ser uma grande escritora, ironia minha!), coloca o centro deste romance extraordinário numa Polónia que então não existia. Como sabemos, era território dividido pelo Império Russo, Alemão e Austro-Húngaro. E é numa aldeia deste último que a narrativa se desenvolve, nas paredes quer de um sanatório, a Kurhaus, quer na «Pensão para Cavalheiros» (assim mesmo) para quem esperava vaga na primeira. É evidente que não separamos esta história com a «Montanha Mágica» do austríaco, igualmente nobelizado, Thomas Mann. E é Olga Tokarczuk que não o esconde. Assim, se o primeiro romance é uma metáfora do nazismo que aí vinha tudo passado numa indiferença total face à morte e ao confinamento, aqui não deixa igualmente de ser uma metáfora do que aí vinha, mas com uma variante literária que torna este romance incontornável. Neste sanatório, onde se morre, se discute a vida até ao limite do cansaço, onde se bebe e come com o prazer de ser, talvez, coisa efémera, há uma viagem até aos nossos dias. Aí está uma das razões que não conseguimos largar este livro. Além de bem escrito (e bem traduzido, diga-se), com o português etimologicamente límpido de antes do AO90, Olga Tokarczuk reserva-nos uma surpresa no final do livro. Só levanto uma ponta do véu: perante discursos misóginos contra as mulheres que julgamos ser da época, qual o nosso espanto quando... afinal, era retirado de nomes literários que num momento ou outro as proferiram, não há muito tempo, e que a autora, num momento de maldade precisa e necessária, as colocou como sendo as personagens do princípio do século XX a dizerem-nas. Alguns destes autores conhecemo-los bem demais... os seus nomes estão lá todos. Um livro que me prendeu totalmente tal como os igualmente bons «Viagens» e «Outrora e Outros Tempos».

segunda-feira, abril 15, 2024

«Os Galifões e a luta contra a praxe na Coimbra dos anos 70, seguido de Os Quentes Anos 70 em Coimbra», M. Ricardo de Sousa e F. Carmichael

 


Letra Livre, col. Anátema, 2024
Livro interessante e um contributo importantíssimo para a história da radicalidade em Coimbra nos anos 70. Mais visivelmente entre o final dos anos 60, com a crise de 69 na cidade estudantil, o final dos anos 70 e início dos anos 80. Ricardo Sousa, que assina «Os Galifões e a luta contra a praxe na Coimbra dos anos 70», sendo seguido por F. Carmichael numa pequena nota em «Os quentes anos 70 em Coimbra» apresenta-nos um breve ensaio sobre a República dos Galifões e a centralidade revolucionária desta casa/comuna para as intervenções radicais de uma Coimbra que se ergueu contra a praxe académica e trilhou um caminho alternativo e provocador a uma cidade que preferiu a desgraçada tradição basbaque com o seu cortejo de imbecilidades e fluxos de autoritarismo político das direitas e das esquerdas reformistas, baseados em conceitos hierárquicos de chefias, mandos e violências sobre os caloiros que, ávidos de serem castigados, as aceitaram, servis. A grande maioria da população juntou-se à astúcia restauracionista fascista, à cupidez comercial e ao comprometimento universitário, levando Coimbra ao estado comatoso em que encontra hoje. Acelerou-se, então, a destruição do operariado sempre incómodo para a universidade que já ensinava pouco, os bairros operários com tradições de luta que passaram, por exemplo, na participação de ferroviários no 18 de Janeiro de 1934, ou ainda antes, em confrontos abertos contra os Camisas Azuis de Rolão Preto em plena baixa de Coimbra e que se soldaram por dezenas de feridos. Muitos desses operários anarquistas acabaram (e morreram) no Tarrafal. Tudo isso fez parte do passado de Coimbra que esta teima em ostracizar. 

Coimbra revolta-se em 1962 e, principalmente, em 69 com a greve estudantil que levaram muitos estudantes à prisão, à tortura, à clandestinidade, à fuga para o estrangeiro e à incorporação militar forçada na Guerra Colonial. Esta luta está relativamente bem documentada. Para além disso, em 69, como também trata o ensaio de Ricardo Sousa, existiu um laivo de modernidade e de resistência ao fascismo que fugia claramente ao que era proposto pela oposição democrática, liderada pelo PCP e, em 1972, com a recém-formada UEC. Valham os estudos de Manuela Cruzeiro, Rui Bebiano ou Miguel Cardina, entre outros, assinalados por Ricardo Sousa, que referem a existência destas correntes, e teria esta luta sido atirada para o esquecimento histórico, não fosse, aqui e ali, sido lembrada, embora de um modo disperso, diga-se. Este livro é uma prova de que há uma resistência ao esquecimento.

A luta contra a praxe toma a dianteira na análise de Ricardo Sousa que lembra igualmente o seu percurso pessoal, juntamente com outros estudantes radicais onde sobressai a acção do Karpa e de muitos outros, citados no livro da Letra Livre. Mas há igualmente o cuidado de referir as bases teóricas de um movimento que era extremamente diverso e plural dentro daqueles que acreditavam ainda numa retoma do que foi a alegria popular do PREC e o movimento das ocupações por todo o país. Em Coimbra, praticamente toda a Sé Velha e Praça da República era domínio dos estudantes revolucionários enquadrados nas repúblicas onde pontificavam comunistas, maoístas, trotskistas, anarquistas, conselhistas e situacionistas para além de muitos que não tinham a pachorra para rótulos mas que alinhavam nesse espaço de liberdade que era, sem dúvida, a chamada «zona vermelha» com que o Diário de Coimbra, jocosamente e por analogia com a mesma zona de Amesterdão, apelidava o conjunto da teia urbana que recusava serenatas e capas e batinas. Queria-se muito mais, mas não esperávamos que o DC o compreendesse. Miserável foi o fim desta liberdade conquistada. O jornal publica em 1979, as fotografias, em primeira página, do desastre de viação horrível em que morreram, carbonizados, cinco estudantes (Victor, Pinto, Freitas, Patrícia e Luísa) que eram repúblicos dos Galifões. O choque foi, então, grande para quase toda a população estudantil e sentimos que algo mais se perdeu para além daquelas vidas. A recuperação da praxe e com ela os governos do PS e da AD levaram a um reforço da repressão sobre as repúblicas e a uma «normalização» das instituições que no Prec levaram um abanão consistente. A violência e raiva fascistas e «democráticas» continuaram e em 1985 (pessoalmente já não estava em Coimbra) um estranho fogo acabou com a Comuna dos Galifões, sem que houvesse um inquérito digno desse nome.

Este livro de Ricardo Sousa merece ser lido. Não só pela revisitação dos lugares que nos foram comuns em anos seguidos de liberdade em que fizemos Coimbra um lugar onde valia a pena a «arte de viver» tão caro a Vaneigem, mas também pelo cruzar de filamentos revolucionários e de resistência ao capitalismo que tivemos (alguns de nós ainda têm) a ousadia de o confrontar. Citados pelo autor lembramo-nos ainda do GAME (Grupo Anti-Militarista e Ecológico da AAC onde pontificava o Francisco Pedroso Lima e Pais de Sousa, para além do próprio Ricardo Sousa), do CITAC, da Centelha de Soveral Martins (onde, para além de literatura política alternativa, se criou a Ekomedia, mais tarde, em rede com a antiga Indymedia) para além de muitas secções da AAC quando esta se mostrava independente e em contactos íntimos com as repúblicas onde, sem dúvida, os Galifões não deixaram de ter um papel muito peculiar e frontal. No deve e haver da recuperação de direita, alguns destes estudantes e jovens trabalhadores que se juntavam entre si, escolheram trilhos mais difíceis de luta e aí pagaram demasiado caro, mas tão legítimos quanto os que escolheram as derivas do trabalho da «sobrevida», de expressões artísticas ou de cooperação de afinidades políticas e sociais, nunca esquecendo que a vigilância do estado nunca nos deixou totalmente em paz.

Hoje, a cidade pode gabar-se de comemorar de ano para ano o seu cortejo tão bárbaro, quanto entediante, a superioridade moral do vómito em alcatrão quente, sempre pelos idos de Maio. Os comerciantes de uma baixa decadente agradecem, a universidade lambe-se de entusiasmo, a polícia é condescendente com os futuros «dótores» e os hospitais mobilizam tendas e ambulâncias por todo o lado não vão eles sujar os corredores. A população com dinheiro suficiente consegue fugir para outros sítios menos poluentes e regressa, após uns dias, para o mar de lixo que entupiu as ruas. 

Autores: Ricardo Sousa e F. Carmichael
Ano: 2024
Pedidos à Editora Letra Livre

«Du Traité de savoi-vivre à l'usage des jeunes générations à la nouvelle insurrection mondiale», Raoul Vaneigem

 

le cherche midi, 2023
«A poesia não cai do céu. Ela nasce no bas-fonds da existência»
Raoul Vaneigem, pág.164

Um dos erros em que não cairei é comparar este livro com o já icónico «Arte de Viver das Gerações Novas» publicado em 1967 pelo então membro da Internacional Situacionista, Raoul Vaneigem, hoje com a idade de 90 anos. Como sabemos, foi editado em Portugal, em 1975, no Porto. A mesma tradução de José Carlos Marques, foi recuperada pela Letra Livre em 2014 e já vai na 3ª edição! Mais que nunca a lucidez e o desenho de vastas possibilidades de substituir o capitalismo por uma realidade em que se possa dar azo à verdadeira arte de viver. Raoul Vaneigem publica «Do Tratado da arte de viver das novas gerações à nova insurreição mundial» (tradução livre, minha), em 2023 e aponta para a criação de novas subjectividades consequência das estruturas hierárquicas estatais, ambientais e sociológicas que entretanto foram tomando forma no espaço de 56 anos. Digamos que é um discurso denso, fragmentário, mas, paradoxalmente, de uma coerência e coesão teóricas a que sempre nos habituou. No ocaso da sua vida física, apresenta-nos possibilidades reais de transformação pela emergência da Vida e da Autonomia baseada na autogestão generalizada. Possivelmente sem o vigor do final dos anos 60 que conduziu à «carga de cavalaria», para citar Debord, do Maio de 68, mas com um traço de conhecimento e de experiência entretanto adquirido. Dizia-se dele, quando abandonou a IS, que era o lado solar dos situacionistas e Debord o seu lado lunar. Não tenho essa opinião, mas classifico este livro como uma prova límpida que, numa insurreição futura, é tão necessário o amor, quanto o confronto contra as hierarquias tomem elas as roupagens estatais, como as burocráticas. 

Aqui, pela mão de Vaneigem, pode-se sentir a luta contra a desumanização propagada pelo capitalismo e muitas vezes retransmitido por um anticapitalismo mais do que uma vez anunciando a escravização do proletariado que recusa o consumismo e o trabalho assalariado (hoje, bem diferente do que era antes) sob o argumento de o emancipar. Mas reconhece que até esses burocratas estão cansados de já ninguém os ouvir. Uma insurreição da vida quotidiana propaga, em França e no mundo, uma guerrilha que sem matar, está apostada em erradicar a engrenagem que destrói o que está vivo. Necessário será, pois, destruir as empresas do Lucro e a criação de zonas autónomas e de criação livre. A luta das mulheres contra o patriarcado (uma constante neste livro, sem que defenda um matriarcado tão nefasto quanto aquele) tornou-se exemplar. O indivíduo emancipa-se do individualismo, tão caro igualmente em Stirner. O estado afunda-se. A autodefesa do que é vivo, confronta-se com o envenenamento generalizado. O exercício do Poder ensombra-se no ridículo. A verdadeira imagem de quem nos governa são autênticos demiurgos da morte programada contra o Natural e pela guerra permanente. O seu glossário, inscrito neste livro, é de algum modo uma esperança revolucionária, sem que Raoul Vaneigem não deixe de nos avisar que ter esperança sem nada fazer é tão negativo quanto à desesperança. 

Seria muito importante a tradução deste livro para o português. Haja quem.

terça-feira, abril 09, 2024

Tradução por IA?

 

Tentei ler, num ebook, um livro de Mons Kallentoft editado pela D. Quixote. «Sangue Vermelho em Campo de Neve». Não sei se por sua culpa ou não, o que é certo é que fiquei com a sensação de estar a ser enganado. Na ficha técnica não constava o nome de qualquer tradutor/a, a revisão (se é que se pode chamar assim) era de um tal «Soares dos Reis» (??? O escultor que deu nome ao museu do Porto???), a foto de capa é de um misterioso A. Mateur (amador?), embora a capa seja atribuída a Rui Garrido. A edição tinha um nome: Maria da Piedade Ferreira.

A leitura era impossível. havia períodos que nada se compreendia e os parágrafos tinham uma linha de espaçamento, o que comprometia a fluidez da leitura. Acabei por desistir à página 20.
Perante a desconfiança generalizada que as traduções em algumas editoras estão a utilizar a Inteligência Artificial eis uma boa oportunidade de virem aqui desmentir esta enorme dúvida que tenho. A ser verdade é um insulto à nossa bolsa e aos livros.

«O Mistério da Estrada de Sintra», Eça de Queirós e Ramalho Ortigão

 

BNP, segundo o Acordo Ortográfico de 1945, edição de 1844. Capa de Ana Ferreira
Atentem bem, seguidores indefectíveis de policiais contemporâneos, crentes no ADN helicoidal e no CSI de cadáveres falantes, consumidores de péssimas leituras nórdicas tão infantilizadas quanto brutais, satisfeitos com a descoberta de assassinos impiedosos pelas imagens de videovigilância, de consultas aos movimentos dos cartões electrónicos, e presos por corpos policiais de choque, sem que haja necessidade da mínima dedução lógica dos investigadores: «O Mistério da Estrada de Sintra» pode dar-vos lições (a mim deu!) de como se interpretava a existência de um cabelo louro (de mulher) na cama de um cadáver que se presumia ser inglês. Isto, mesmo que Eça e Ramalho tenham apodado o seu romance de «execrável» e que «nele, há um pouco de tudo quanto um romancista lhe não deveria pôr e quase tudo quanto um crítico lhe deveria tirar.» Cá para nós, temos uma certeza quase absoluta: divertiram-se «a valer». Embora não seja o melhor deles, o romance é inesquecível. Atentem dizia eu, nesta prosa do tal cabelo louro:

«(...) Prolongou-se a minha dolorosa surpresa. Aquele cabelo luminoso, languidamente enrolado, quase casto, era o indício de um assassinato, de uma cumplicidade pelo menos! Esqueci-me em longas conjecturas, olhando, imóvel, aquele cabelo perdido.
A pessoa a que ele pertencia era loura, clara, decerto, pequena, «mignonne», porque o fio de cabelo era delgadíssimo, extraordinariamente puro, e a raiz branca parecia prender-se aos tegumentos cranianos por uma ligação ténue, delicadamente organizada.
O carácter dessa pessoa devia ser doce, humilde, dedicado e amante, porque o cabelo não tinha ao contacto aquela aspereza cortante que oferecem os cabelos pertencentes a pessoas de temperamento violento, altivo e egoísta.
Devia ter gostos simples, elegantemente modestos e dona de tal cabelo, já pelo imperceptível perfume dele, já porque não tinha vestígios de ter sido frisado, ou caprichosamente enrolado, domado em penteados fantasiosos.
Teria sido talvez educada em Inglaterra ou na Alemanha, porque o cabelo denotava na sua extremidade ter sido espontado, hábito das mulheres do Norte, completamente estranho às meridionais, que abandonam os seus cabelos à abundante espessura natural.» (págs. 41/42)

Sim, isto é dedução. Cerebral, inteligente, perspicaz. Forçada? talvez um pouco, mas põe a um canto o que hoje para aí de vê de muito mau. Teremos sido fadados somente para Eça e Camilo? E o português de 45? Não vos cria inveja? Ora digam lá de vossa justiça... 

BNP, segundo o Acordo Ortográfico de 1945, edição de 1844. Capa de Ana Ferreira


terça-feira, abril 02, 2024

«Caçadores de Cabeças», Jo Nesbo

Mais do Jo Nesbo. É evidente que ele sabe o que a maioria dos leitores quer ler, o que, em princípio, não é sinal de qualidade. No caso do norueguês Jo Nesbo, junta uma certa expectativa na narração que nos prende e, ao mesmo tempo, sabe que o policial mudou muito desde o século passado. Hoje, a brutalidade é maior, o adn e o csi vieram modificar a pesquisa cerebral, portanto dedutiva, dos detectives para encontrar um assassino e nem sempre o crime não compensa. Neste caso, compensou, sim. 

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