terça-feira, junho 30, 2009

Como se isto fosse uma crítica - Sobre António Guerreiro e O Mundo Sólido, de João Paulo Sousa. Paula Cruz

O Eclipse, de Antonioni, 1962

A sequência final de O eclipse (1962), de Antonioni é notável: vazio, a impossibilidade, a incerteza, o desconforto. Sete minutos sem o agasalho da ficção, sete minutos de agoiro. Porém, esta sequência final, não foi bem entendida por todos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o filme foi exibido várias vezes sem estes últimos sete minutos, que eram tidos um excesso, nada acrescentavam. Às vezes, com a melhor das intenções, cometem-se grandes injustiças.
A resenha a O Mundo Sólido, de João Paulo Sousa, no semanário Expresso de 27 de Junho, é um destes casos. A lucidez autocrítica, a tal que sinaliza a entrada em zona vermelha, falhou ao crítico que não conseguiu gerir a frustração de ver o seu horizonte de expectativas quebrado. Isto só costuma acontecer aos leitores menos avisados.
Começa, António Guerreiro por referir que a forma compacta do texto, cria a expectativa de “uma sintaxe em explosão que não se conforma às tradicionais convenções narrativas”.
Não entendemos o motivo que levou A.G. a prever uma explosão sintáctica. A forma compacta do texto – o bloco monolítico de palavras, sem suspensões, sem paragens, sem cortes - deixa adivinhar, desde o início, uma procura de contenção. A explosão – a existir – será no conteúdo, nunca na forma.
Em O Mundo Sólido não há (nem tal fazia sentido) caprichos sintácticos ou frenesis semânticos, mas uma obsidiante demanda de coerência entre a forma - sem parágrafos, sem capítulos – e o valor que cataforicamente o título projecta. A imagem da capa, o título e a mancha gráfica formam assim um todo consequente. Não é um “efeito gratuito”. Gratuita ( leia-se: infundada) é a adjectivação usada por A.G. para se referir a O Mundo Sólido.
A.G. refere-se, ainda, ao facto de O Mundo Sólido seguir as “regras da pura linearidade narrativa.” Passando a redundância, essa sim gratuita, da referência à “pura linearidade” (como é a linearidade impura? E a pura não-linearidade?), fixemo-nos na questão da linearidade narrativa. Com efeito, O Mundo Sólido não é, nem procura ser, uma narrativa fragmentária ou polifónica, mas, como o próprio A.G. reconhece, num outro ponto do seu texto, também não é puramente linear, uma vez que a memória desordeira de Francisco vai desarticulando o passado e o vai sobrepondo fantasmaticamente a outros episódios da sua existência. A sobreposição de planos do passado no presente e do presente no passado é, aliás, umas marcas deste romance. Um romance constantemente redescrito pelo tempo.
Quanto aos “protocolos da narrativa exageradamente explicativa” estes estão em consonância com a tentativa vã de Francisco de (re)construir um mundo sólido. As explicações, as reformulações são usadas pelo narrador não para dar conta do real, mas para descodificar a sua matriz relacional. Francisco não relata a realidade: procura criá-la. É esta a diferença entre a autoria experiencial e a autoria narrativa.
A.G. considera, ainda, que “a redundância e a artificialidade” triunfam devido à “imoderada repetição do «como se»”. Nada a opor. O discurso é artificial, porque é uma construção, ou melhor reconstrução da memória. É redundante, porque só esse caminho, nos permite, por sucessivas reformulações aceder a “alguma” verdade não factual.
Lamentamos, porém, corrigir A.G., uma vez que este falhou na contagem do “como se”. Diz Guerreiro que “só nas primeiras doze páginas podemos encontrar 19 vezes “como se””. Ora, iniciando-se o romance inicia-se na pg. 7, em rigor, nas primeiras 12 páginas , encontramos a expessão “como se” 21 vezes. Mais, acrescentamos: na totalidade da obra, “como se” surge 83 vezes.
Aquilo a que A.G: chama de “tique”, outros, menos avisados, seguramente, chamam simplesmente de repetição que funciona aqui como um expressivo dispositivo linguístico.
A repetição de fórmulas é uma estratégia narrativa, fortemente ancorada na oralidade, que procura criar uma cadência, além de, assim, contribuir para a coesão e organização discursiva e de promover a coerência textual. A.G. tem, legitimamente, um outro entendimento: vê aqui um “eco ruidoso que coloca o leitor à distância, porque este passa a ver no texto manifestações incontroladas de tiques de escrita”, estamos em crer que esta preocupação com o leitor é fruto de uma excessiva e maternal preocupação. Podemos, com firme convicção, afiançar a A.G. que não há perigo algum para o leitor. Onde uns pressentem ruído e dissonância, outros ouvem música.
Mas, se a metodologia da contagem de ocorrências é a eleita para aferir do valor do texto, juntamos as seguintes informações, que nos parecem ser de alguma utilidade:
O artigo definido “a” surge pelo menos 2005 vezes; a preposição “de” surge 1897 vezes e o “que” comparece no texto 1999 vezes. Um dado inquietante.
A morte e a vida estão em relação de quase equilíbrio (morte 27 vezes, vida 26 vezes), mas fala-se 11 vezes de viver e uma só em morrer.
A palavra amor nunca é referida, mas o medo ronda o texto (34 vezes).
Há mais “sempres” que “nuncas” : sempre 62 vezes, nunca 76 vezes.
Ela está mais do que ele (ela 178 vezes, ele 110).
Nenhum “sim”, mas 570 ocorrências do não.
Quanto à família: o pai é referido 93 vezes, o avô 82 vezes, o filho 48 vezes, a avó 39 vezes e a mãe, apenas, 18 vezes.
Janta-se mais do que se almoça (29 jantares e 11 almoços);
A estas palavras ( já agora, palavras 77 vezes), juntemos 15 ocorrências de “sorriso”, 11 de “angústia”, 24 de “dor” e 18 de ”cansaço”.
Uma leitura feita a partir desta informação, parece-nos para empregar termos caros a A. G., indigente e linear e, quiçá, de “falsa profundidade”, mas não duvidamos da eficácia operacional da metodologia.
Uma última nota, A.G. fala em “banalidade desconcertante”, para se referir à forma como o narrador se refere à paternidade. Se é desconcertante, já não é banal, mas não nos parece “banal” a ideia que desde a Ilíada, desde os alvores da literatura, a dor é presença obrigatória na relação com um filho. Nunca se fala em amor.
Para concluir, de forma não linear, recuperamos o início. O eclipse termina com uma longa sequência de espaços vazios. Alguns perceberam a ironia, o paradoxo, o desencanto, porém, para outros este final aproximar-se-á perigosamente dos lugares comuns “em versão mais culta.”

(P.S.: reparo, agora, que a coluna de A.G. também é compacta, deveríamos esperar uma “sintaxe em explosão”?)

Comunicado da Deriva e queixa no DIAP do Porto

No dia 16 de Junho de 2009 foi entregue no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto uma queixa contra desconhecidos que configura vários crimes contra a Deriva Editores e os seus responsáveis, como os de injúrias, difamação, apropriação de identidade, ameaças e dolo grave de actividade comercial, entre outros.

O canal utilizado para a prática reiterada destes crimes foi, basicamente, o da Internet. Assim, a Deriva aconselha a quem receber várias mensagens e comentários em seu nome ou em nome dos seus responsáveis, deva de imediato confirmar a veracidade destes junto da editora. Agradecemos igualmente a denúncia destas situações que, obviamente, não podemos ter conhecimento total. Essas queixas serão adicionadas às que entretanto já apresentámos na data referida junto ao DIAP.

Esperando que os prejuízos para com a Deriva e para quem recebe este tipo de mensagens, sejam devidamente ressarcidos e que os culpados sejam descobertos e levados à justiça, a Deriva iniciou um processo que levará, estamos certos, à identificação e punição dos culpados tendo juntado, para isso, várias testemunhas.
Esperamos que compreendam esta situação que entendemos ser lamentável, mas de que não somos minimamente responsáveis.

Porto, 30 de Junho de 2009

António Luís Catarino
Deriva Editores

segunda-feira, junho 29, 2009

Gaia - Capital da Cultura do Eixo Atlântico 2009.

Aqui se encontra o cartaz de Gaia-Capital da Cultura do Eixo Atlântico, 2009 e os ciclos de debates que vão realizar-se desde 2 a 11 de Julho na Biblioteca Municipal de Gaia e que teve como co-organizadora a Kalandraka que convidou a Deriva a estar presente num debate com a Afrontamento, Bruá, Calendário de Letras e a própria Kalandraka a 11 de Julho. Do programa daremos conta a seu tempo. Para já, parabéns pelos encontros que nos parecem muito equilibrados.

Luis Mourão escreve sobre Telefunken, de Luis Maffei, no seu blogue Manchas

Luís Mourão escreve, no seu blogue Manchas, sobre Luis Maffei e Telefunken. Um bom blogue muito agradável de seguir e ler e que, a partir de hoje, constará da nossa lista de amigos. Pode consultar o artigo aqui

domingo, junho 28, 2009

Sobre O Mundo Sólido de João Paulo Sousa. Paula Cruz

Eclipse de Antonioni, 1962
Assim o passado é absoluto para tudo o que é já passado, se desprendeu já de nós.” (Vergílio Ferreira)

Em Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos, Giordano Bruno demonstra que o mundo é infinito quanto ao espaço e quanto ao tempo (que, portanto, nada existe fora dele, e que não teve começo e não terá fim). Não há um centro, ou melhor tudo, é centro. A solidez, a estabilidade, as certezas não existem, dando lugar assim à multiplicidade, à fragmentação, à fragilidade. Esta posição anti-aristotélica pagou-a Giordano Bruno com a vida.
Giordano Bruno desafia O Mundo Sólido. É uma presença irónica, pois conhece, à partida, a impossibilidade desse mesmo mundo uno, denso, consistente. O artigo (bem) definido no título da obra - O Mundo Sólido- determina a tentativa da completude: não se trata de “um” qualquer mundo entre mundos, mas de “o” mundo.
Giordano Bruno, Francisco e seu pai estão ligados não apenas por um acidente temporal - 52 anos – mas pela incomunicabilidade. Pela impossibilidade de comunicar, de dizer de si.
Neste sentido, o romance de João Paulo Sousa não é apenas uma obra do hoje, pelo contrário, reflecte uma problemática comum àqueles que se pensam desde sempre. A isto se chama angústia: “a ansiedade sente-se como a angústia se pensa. Mais do que um fenómeno da sensibilidade diria que a angústia é um fenómeno mental, ainda que a sensibilidade nela, enfim, se reconheça” (Ferreira, 1987: 60)

Os silêncios que encontramos em O Mundo Sólido são angustiados, dolorosos, , asfixiantes. Os exemplos abundam: “ violência silenciosa” (pg.7), “aquele silêncio começara a incomodá-la” (pg. 12), “aquele silêncio, decerto em consequência da intensidade com que eu tinha recebido as palavras da Paola, adquirira espessura e transformara-se em mutismo.” (pg.15), “ouvi-a de novo em silêncio e senti-me tão mal” (pg.18), “silêncio feroz”.(pg. 36), “envolto num silêncio que me separava do mundo” (pg 55), “Os silêncios em que ela se fechava “(pg. 89 ), “O silêncio em que me fechara transformou-se depressa num exílio interior” (pg. 91), “silêncio mútuo” (pg. 94 ). Há uma hiper-consciência do silêncio que se reflecte numa percepção exacerbada dos mecanismos do corpo: as palpitações, as tonturas, a vertigem, o desmaio, a respiração descontrolada, o medo.

Os silêncios de O Mundo Sólido não são apaziguadores: são fruto de uma contenção consciente, de um pudor excessivo, de um medo de intimidade. O respeito pelo espaço do outro é tanto, que Francisco vai morrendo enclausurado dentro de si:

“Cada minuto que passava valia mais dentro do tempo que faltava para nos separarmos, e a consciência desse facto constituía-se, para mim, na razão de uma dor crescente, em resultado da dificuldade, que eu sentia como cada vez maior, de romper o silêncio e pedir à Paola que não me deixasse, que nunca me abandonasse.” (pg. 127)

Numa modernidade líquida (cf. Bauman), Francisco, o narrador, procura solidez e encontra solidão acompanhada. Ironia: Francisco é arquitecto: desenha mundos.
O texto de João Paulo Sousa é, na forma, sólido. Não há parágrafos, não há capítulos … eppur si muove. Move-se , sem que Francisco faça muito por isso:
“A morte da minha mulher, ocorrida tão pouco tempo depois do reconhecimento clínico da sua doença, libertou-me do cerco em que eu me deixara encerrar e deu-me a possibilidade de respirar de novo a plenos pulmões, como é costume dizer-se, o que, no entanto, demorei algum tempo a conseguir fazer, em virtude da falta de hábito.” (pg.30)

“deixei que ela me conduzisse até ao único quarto, me deitasse sobre a cama e me resguardasse com um cobertor” (pg.38)

As circunstâncias empurram-no e ele acomoda-se a elas, sem em nenhum momento desenhar sequer revolta (mesmo na relação com o filho, prefere a hipocrisia à ruptura: “não fui capaz de ir tão longe, não fui capaz de ser totalmente consequente,o que acabou por constituir a minha derrota” (pg. 94)).
O mais importante é a procura de um centro, de uma memória sólida que sirva de âncora à sua existência. Mas a memória traí, faz-se presente quando não deve, sobrepõe-se ao quotidiano, interfere. A memória não é matéria moldável: “e não sabia ainda que a memória é uma arca com muitas fendas, por onde não se cansa de expelir o que julgávamos arrumado em definitivo.” (pg.67). Apesar do desencanto, há a nostalgia de uma realidade sólida, unitária, estável (cf. Vattimo), uma nostalgia que “corre o risco de se transformar continuamente numa atitude neurótica, no esforço de reconstruir o mundo da nossa infância, onde as autoridades familiares eram ao mesmo tempo ameaçadoras e tranquilizadoras.” (Vattimo, 1992:14). Mas o passado também não é sólido.

Diz Bauman, na senda de Luhman que “para o indivíduo contemporâneo, o ego torna-se o lugar e o foco de toda a experiência interior, enquanto o ambiente, dividido em fragmentos com pouca conexão entre si, perde muito dos seus contornos e da sua autoridade definidora de significados” (pg. 105). Porém, nem entregue a si próprio o indivíduo tem a tarefa facilitada: “o eu é sobrecarregado com a tarefa impossível de reconstruir a identidade perdida do mundo; ou mais modestamente, com a tarefa de sustentar a produção da sua identidade” (106). Francisco tem muita dificuldade em encontrar o seu lugar: a cidade ideal não existe; a memória é um fantasma; o filho um “suplemento perturbador” (cf. Zizek); Paola não precisa dele. Tudo em Francisco é deslocamento e desconforto.
Talvez na sequência final de O Eclipse de Antonioni encontremos um eco justo do desolamento, da impossibilidade, da incapacidade, do desespero mudo que se abate sobre o protagonista de O Mundo Sólido.

Paula Cruz, Junho de 2009

BAUMAN, Zygmunt (trad. Mauro Gama) O Mal-estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
Bauman, Zygmunt, (trad. Marcos Penchel), Modernidade e ambivalência, Relógio D'Água Editores, Lisboa, 2007.
FERREIRA, Vergílio, Espaço do Invisível IV, Lisboa, Bertrand Editora, 1987.
FERREIRA, Vergílio, Invocação ao meu corpo, Lisboa, Bertrand Editora, 1994.
Vattimo, Gianni, (Trad. Hoissein Shooja), A sociedade transparente, , Lisboa, Relógio d' Água, 1992.
Zizek, Slavoj, As Metástases do Gozo - Seis Ensaios sobre a Mulher e a Causalidade, Lisboa, Relógio d' Água, 2006.



Capa de O Mundo Sólido, de João Paulo Sousa

Henrique Fialho escreve sobre Utopias Piratas em Rascunho.net

Capa de Utopias Piratas

«A pouco e pouco, a editora Deriva tem vindo a edificar um catálogo na área das ciências sociais e humanas que importa sublinhar. Livros como O Espírito Nómada, de Kenneth White, A Formação da Mentalidade Submissa e A Intoxicação Linguística, de Vicente Romano, e este Utopias Piratas, de Peter Lamborn Wilson (n. 1945) são exemplos de uma atitude editorial concentrada em algo mais do que a vulgaridade pululante nos escaparates das livrarias portuguesas. Poucos saberão que Peter Lamborn Wilson é o verdadeiro nome de Hakim Bey, «anarquista ontológico» com um percurso nómada e errante, autor de uma obra que se esforça por encontrar pontos de encontro entre a doutrina sufista e o anarquismo. Viveu em países tais como a Índia, o Paquistão, o Irão e o Afeganistão. Em 2000 a editora Frenesi publicou-lhe em Portugal uma breve recolha de textos intitulada Zona Autónoma Temporária, chamando a atenção para uma das suas teses centrais: a fundamentação das TAZ enquanto zonas governadas unicamente pela liberdade e pela autonomia, independentes das regras e das normas de Estado que submetem os indivíduos a ditames contrários à sua natureza livre. Alguns exemplos históricos: a Ordem dos Assassinos, fundada no século XI por Hassan ibn Sabbah (o velho da montanha), assim como os piratas e corsários do século XVIII.

Nas Utopias Piratas (Fevereiro de 2009) Peter Lamborn Wilson ocupa-se precisamente dessas experiências remotas de resistência à ditadura da normalidade, transportando o leitor para uma época que não pode senão ser visitada com um certo romantismo fantasioso e exótico. Os dados históricos são muito escassos. Mais do que uma reconstituição histórica, o que se pretende é uma interrogação, uma reflexão, acerca de uma rede de vivências concentradas em pequenas zonas, micro-sociedades, que escapavam, resistiam e, de algum modo, combatiam as pragas morais colonizadoras com origem na Europa. (...)»

Assim, se inicia a crítica de Henrique Fialho a Utopias Piratas de Peter Lamborn Wilson, no Rascunho.net. Podem ver o resto da crítica aqui

Uma Ideia Tênue de Mulher, Luis Maffei escreve sobre A Inexistência de Eva, de Filipa Leal


Filipa Leal e Luis Maffei


UMA IDEIA TÊNUE DE MULHER
(recensão em A Pequena Morte, nº 14, sobre a A inexistência de Eva, de Filipa Leal. Porto: Deriva, 2009)

Diz Miguel Ramalhete Gomes: “(…) em Filipa Leal, (…) a habitação poética é o que cria o lugar”. [1] Começa A inexistência de Eva: “Era uma mulher que estava dentro de uma sala muito branca./ Ouviu: - Não fujas. Não esqueças./ Era uma mulher lívida de medo de não conseguir esquecer” (p. 9). [2] Uma evidente narratividade, um discurso ao fundo, a se ouvir em se ouvindo. E uma “casa”, uma “habitação poética” porque expressável apenas poeticamente, “muito branca” e, portanto, muito perto de não existir. Inexiste Eva, inexiste a casa, existem Eva e casa porque existe um lugar, habitável, habitado e pronto a se transformar em branco de papel e sabor: “à volta da sala, havia um pomar redondo que a envolvia de maçãs avermelhadas, difusas. Ela estava lívida e suja, entre a castidade e o remorso./ Ouviu: - Esquece o arrependimento. Fica” (p. 10). A trajetória da mulher terá de ser aprendizado. Um deles: ler Adília Lopes e perceber que “(…) o prazer é casto/ o que não é casto/ é o simulacro do prazer/ ou a renúncia ao prazer/ tanto o simulacro/ como a renúncia”. [3] Filipa Leal certamente já o aprendeu, pois Adília é um dos autores que comparecem a sua Dissertação de Mestrado. Mas, no livro, a mulher é outra.
Não bastam as maçãs, seria uma imagem previsível. São as maçãs “difusas”, o que tanto confunde como difunde a herança da mulher bíblica – Eva “desconhecia o texto bíblico” (p. 13), o que tira do jogo referencial qualquer óbvio esconde-esconde, por não ocultar o que estaria, de qualquer modo, cristalino. Desde o título eu gosto que Eva só exista também difusamente, mas que sua beleza seja expansiva, pois a beleza tem de poder ser uma invenção ao menos da leitura, pois não sei se pode ser, lucidamente, de Eva: “Não havia um único espelho na sala” (p. 12). É curioso que ela não se possa ver, nem ao contrário, o que torna difuso até mesmo o enfrentamento da pesadíssima memória que seu nome traz. “Ela (…) nunca medira a sala, nem o pomar, nem o terror. Se desejasse, abriria a porta” (p. 12). Não “medira” “o terror”, mas teme. “Se desejasse”, mas já se encontra muito próxima do desejo. E quem fala? “Ouviu: - Assustar-te-á a existência/ de dia e de noite” (p. 12). De que existência, afinal, se trata? A de qualquer um e de todos, que assusta porque existem as relações e o mundo? Ou a do “dia” e da “noite”, o ciclo ininterrupto de cronos e de outros metafóricos (e não) tempos?
“Sabia o seu nome. Chamava-se Eva” (p. 13). Logo, sabe Eva de uma existência ao menos vindoura, na rua, no mundo, potencial nova “habitação poética”. E poderá ser outro o nome? “Nunca o questionara” (p. 13), mas talvez o venha a fazer em virtude do direito que têm Eva e Filipa ao batismo. O feminino é quem nomeia, quem inaugura: “Ouviu: - És a primeira mulher nesta sala por dentro do pomar. Não te mistures com os outros” (p. 14). Não era, no entanto, “a primeira de todas as mulheres, sublinhe-se, mas a primeira a habitar aquela brancura indefinida” (p. 15). Se é de uma “habitação poética” que se trata, tratar-se-á também de uma gestação, pois Eva é gerada em estado de inexistência (que posso ler como pré-existência e, ao mesmo tempo, existência futura) e “havia”, na sala, “uma arca cheia de animais de pedra, de barro, de madeira” (p. 15), uma anterioridade com que é possível brincar. Uma espécie de infância, uma possibilidade poética de co-regência do mundo, ao menos do mundo pessoal: “E desconhecia que, dentro da sua arca, eram assim os objectos porque eram assim os animais, fora dela” (p. 15): se existe uma lei externa a essa mulher, existe a mulher que sabe seu nome, e que, portanto, tem já uma flagrante hipótese de relação e autoconhecimento.
“Um dia, tirou da arca uma serpente de barro amolecido pela humidade. Juntou-lhe as duas pontas e foi dobrando e moldando o círculo. Quando a guardou, tinha já a forma de um coração” (p. 17). Eva não cria o mundo, ela [4], de algum modo, sofre as consequências de uma memória que lhe é anterior, mesmo no nome que tem e tem-na. Mas Eva lida com o mundo, e é capaz de manipular, numa dimensão criativa e transgressora, até mesmo a “serpente”, e benfazejo é seu desconhecimento, permissor da cardiomorfização de um símbolo: não o pecado, pois porventura virá a inexistir pecado para essa Eva, nem a oroboro. O símbolo é outro, e infantilmente moldado. Há, sim, futuro para o “coração”, há futuro: “As janelas da sala eram de uma brancura opaca, espessa. Havia momentos em que se perguntava para que serviriam. Ficava à janela branca, como a parede e a pele, desconhecendo que dali deveria poder ver o pomar, e algumas cópias dos animais com que brincava” (p. 18).
Algo, entre certo platonismo e o aprisionamento da brancura, prende Eva, o que me faz lembrar da coloração do único grande filme realizado por George Lucas, THX 1138. Não obstante, a sugestão uterina insiste em apontar para a existência de uma mulher que terá sua existência para além do que a cultura aprisiona em culpa e na prevalência do masculino – não sei se é masculina a voz que enceta as diversas ocorrências de “Ouviu” no livro, mas é voz, decerto, de que Eva pode desconfiar. E confiar no mundo, nesse livro, é poder dar-lhe uma origem, dar-se uma origem: “Trazia consigo a sensação da inexistência do mundo” (p. 19): há-de ser criado, assim, um lugar no mundo para Eva, por Eva, a que sabe artesanar uma serpente e escapar tanto do Éden como da oroboro: fiat lux, já que “não sabia de onde chegara, e talvez por isso lhe parecesse errado partir” (p. 19): a culpa, é claro, mas também a errância que lha espera. Assim, “errado” será sobretudo errático, e nenhum caminho é óbvio à partida.
“Ouviu: - Se partires, não regressarás/ a lugar algum. Nunca se regressa/ partindo” (p. 19). Há complexidade nessa voz, há orientação, tradicionalismo, sabedoria e certa carga opressora – mesmo porque existe a “culpa, o remorso” (p. 26). Mas “Eva tinha uma ideia ténue do mar. Guardava-a como quem guarda a certeza de uma cidade líquida” (p. 22). A cidade líquida e outras texturas é título dum livro anterior da poeta, editado em 2006. Em 2008, Filipa Leal edita O problema de ser norte, título que sugere identificação geográfica (é portuense a poeta, e o Porto é presença às vezes explícita em sua poesia), mas também o quão é crítico orientar-se, nortear-se, viver, enfim – e Eva à “cidade” (não necessariamente um Porto de rio, mar e chuva), à vida está projetada. Faz sentido citar apenas uma expressão do livro anterior: “Havia uma íntima surpresa na palavra/ do início”. [5] A Filipa interessa o “início”, mas feito palavra para ser feito início; faz sentido citar apenas dois títulos de A cidade líquida e outras texturas: “A primeira ave” e “O primeiro homem” [6], respectivamente às páginas 14 e 15. A Filipa interessa a origem, mas feita palavra para ser feita origem, não gênese, mas fonte.
A Eva fascinava “a incompreensão das coisas, como aos pensadores aterroriza a incompreensão do mundo” (p. 23); se assim, Eva não se encontra distante de um lugar de poesia, pois para os poetas, se a “incompreensão do mundo” é dado terrífico, o terror não difere, em diversos casos, da beleza: há beleza em Eva, repito, e é expansiva. Seu “medo” “era o de não conseguir esquecer a sua própria inexistência” (p. 23). No entanto, lida ela com a existência das coisas, inclusive da “maçã”, que “mastigava calmamente”, “prolongando o prazer daquilo que desconhecia ser uma refeição” (p. 28), mas de que conhecia o gozo; inclusive de uma “árvore”, que “começou a nascer” “no centro da sala” (p. 30) como fosse uma religiosa presença natural dentro da casa-ventre-cárcere, presença sem dogma, sem algemas.
“Eva abriu a arca. Dela retirou o pó e a serpente em forma de coração” (p. 35). Se líquida a cidade, que se possa pensar em uma aventura nada bíblica a partir da arca cheia de bichos em forma representada. Eva poderá ganhar um mundo aberto, a ela, pois seu mundo deixará de ser a “casa”: “Quando despertou, a árvore tinha desaparecido, bem como a arca, as maçãs, as janelas opacas. Nada” (p. 37): nasce, não “A primeira mulher”, pois Filipa Leal jamais escreveu poema assim intitulado; nasce alguém já nascido, mas tão reformado como a serpente cardiomorfizada. Eva “abriu a porta com a líquida sensação de que nenhuma fuga era possível” (p. 38), já que não se trata, com efeito, de uma “fuga”, existindo um destino inescapável a esperar por essa mulhar, humana e feita humana no mundo. Por outro lado, não se trata de uma fuga porque, quiçá, ela nunca esteve encarcerada, mas num outro espaço contentor: o de sua própria criação. Encerrar-se o livro, portanto, com outro som, não o da voz sempre apresentada por “Ouviu”, mas por um ruído também apresentado assim: “Ouviu o mar” (p. 39). Fosse música, seria das mais belas.
NOTAS
[1] GOMES, Miguel Ramalhete. Morar e rememorar. O lugar em Cidade líquida e outras texturas, de Filipa Leal. In EIRAS, Pedro (org.). Jovens ensaístas lêem jovem poetas. Porto: Deriva, 2008.
[2] É difícil decidir pela colocação ou não de barras entre os versos/ frases de cada um dos textos do livro, pois não sei como decidir se se tratam de versos ou frases. Algures não porei barras, e fica dita a indecedibilidade.
[3] LOPES, Adília. Obra. Lisboa: Mariposa Azual, 2000. p. 46.
[4] Noto, e apenas aponto, a semelhança fonética entre Eva, nome próprio, e ela, pronome feminino, pessoal e do feminino.
[5] LEAL, Filipa. O homem que existiu. In —– O problema de ser norte. Porto: Deriva, 2008. p. 18.
[6] _____. A cidade líquida e outras texturas. Porto: Deriva, 2006.

Capa de A Inexistência de Eva

António Guerreiro e O Expresso

Não concordamos com uma só linha do que escreveu ontem, na edição do Expresso (Revista Actual), António Guerreiro sobre O Mundo Sólido, de João Paulo Sousa. Trata-se de um excelente romance nada «linear», nada «explicativo», que não «explode» sintacticamente porque não tem de o fazer, que não tem parágrafos porque a visão e a descrição de um mundo sólido assim obriga... mas editores são editores. Não criticam críticos. Mas opinamos que se trata dos melhores romances que já lemos. O futuro vai dar-nos razão e o espaço deste blogue vai estar aberto a novas críticas deste romance. A partir de hoje.

Obrigado a A Bola

Não sabíamos que o jornal A Bola com quem, aliás, simpatizamos por motivos que não vêm agora ao caso, nos distinguiu com uma notícia, ontem mesmo, sobre o nosso contrato com a nova distribuidora Companhia das Artes. Mas Hugo Torres, o responsável pela informação veiculada pelo jornal, assinala igualmente As Utopias Piratas de Peter Lamborn Wilson, Versos Olímpicos de José Ricardo Nunes, O Mundo Sólido de João Paulo Sousa e Um Punhado de Terra de Pedro Eiras. O nosso agradecimento fica registado e bons resultados para A Bola é que o nós desejamos. Podem consultar o artigo aqui

sexta-feira, junho 26, 2009

Companhia das Artes, nova distribuidora da Deriva

A partir de 1 de Julho a Deriva terá uma nova distribuidora a nível nacional. É a Companhia das Artes, está sediada no Porto e é a mais nova distribuidora deste país.
Para qualquer assunto relacionado com compras anteriores a 30 Junho, agradecemos que nos contactem directamente para os números de telefone, fax e email em V. poder da Deriva Editores.
Telf. 225365145
Fax 225365145
Tlm 963105876
Mail:
deriva@derivaeditores.pt

Saramago e o País Basco, por Rui Pereira

Alfonso Sastre visto pelo El Mundo

No dia 23/06/2009, José Saramago escreveu um artigo no DN titulado Sastre. Pode ser consultado aqui este mesmo artigo, publicado no blogue Caderno de Saramago. A resposta do jornalista Rui Pereira veio agora, convidado por nós a responder ao escritor. Autor de “O Novo Jornalismo Fardado” com Angel Rekalde e “Euskadi, a Guerra Desconhecida dos Bascos”, Rui Pereira não necessita de apresentações. Sem mais delongas, aqui vai o artigo:

Saramago e o País Basco, por Rui Pereira


quinta-feira, junho 25, 2009

Mais uma entrevista de Paulo Kellerman. Agora à Revista Akademicos nº 36

E junta-se mais uma entrevista de Paulo Kellerman, agora a Akademicos, nº 36, que pode ser lida aqui

A Pequena Morte, nº17, inclui uma crítica de Luis Maffei ao último livro de Filipa Leal, A Inexistência de Eva

a edição #17 da revista pequena morte já está no ar. Podem clicar aqui

neste número:

- os traços e cores da gaúcha julia duarte.

- por entre imagens, história e livros, ricardo da costa analisa a morte, o além, o paraíso e o inferno na 'doutrina para crianças', de ramon llull.

- izabela leal traduz “le pèse-nerfs”, de antonin artaud.

- seis diferentes pesquisadores/leitores/escritores comentam a provocação de wilde: “um livro não é, de modo algum, moral ou imoral. os livros são bem ou mal escritos. eis tudo.”

- cinco poemas de virginia boechat.

- ângela sarmento passeia pelo ''abécédaire' de gilles deleuze.

- adriano de paula rabelo visita lugares imaginados e gozos perpétuos.

e ainda, em nossas colunas fixas:

- luis maffei resenha 'a inexistência de eva', de filipa leal.

- ricardo pinto de souza nos traz burckhardt, o tempo e os clássicos.

«Novo livro, na Deriva, no princípio do próximo ano» Paulo Kellerman entrevistado por Mundo Contemporâneo, nº 4

Paulo Kellerman em foto de Sandra Martins

Paulo Kellerman deu uma interessante entrevista a Isa Mestre no Mundo Contemporâneo 4. Para a ler clicar aqui

segunda-feira, junho 22, 2009

Aqui na Terra, de Miguel Carvalho em velocidade de arranque

Capa de Aqui na Terra, a sair no início de Julho.
Capa sobre foto de Lucília Monteiro

Encontrei-me hoje, num fim de tarde quente, com o Miguel Carvalho. Precisava de uma conversa assim - produtiva e de tema livre; uma deriva constante entre este e aquele assunto, uma água que se faz tarde e o café do Guarany que até é bom. O Miguel sabe ser bom conversador e falámos em jeito de volta ao mundo em vários eixos imaginários.

O Aqui na Terra surge devagar e com uma força de arranque que leva tudo e todos. Um livro belíssimo de contos reais, daqueles que não se ajustam a um critério literário sólido, que fogem dele, dos estereótipos comuns, porque é feito de gente bem real. E surrealista, porque a realidade brinca connosco como quem não quer a coisa e dá-nos registos assombrosos da vida que vamos tendo. Feito de vida e de morte, do bem e do mal, do melhor e do pior que poderemos ter entre nós, Portugal, país fadado, o Aqui na Terra sobrepõe-se na mesa do café e sorri para nós em esgar irónico. Como quem brinca.

Hoje, no Guarany, fizemos uma quadrícula de ataque com as coordenadas de amigos do Miguel: Bragança, Porto, Lisboa, Vila Real, Chaves, Coimbra, Castelo de Paiva, Guimarães, Braga, e mais lugares que de um salto havemos de ir dar conta. Aqui na Terra, aqui entre nós.

domingo, junho 21, 2009

50 000

Atingimos 50 000 visitantes. É um número redondo, nada diz, mas gostamos de o anunciar.

Hoje, ao folhear o Público

A Estufa de Carla Gonçalves
acrílico sobre imagem de jornal e filtro

Primeiro apontamento - Vasco Pulido Valente, de quem gosto de ler, escreve sobre «O Aviso dos 28» em que algumas luminárias indígenas (para usar uma sua expressão muito cara em anteriores crónicas, mas que nesta, e estranhamente, não utiliza) opinam sobre a (não) continuidade das obras públicas que estavam na carteira de Sócrates. Não está em causa as ditas obras sobre as quais nunca concordei e, tal como eu, a grande maioria dos portugueses. Para complicar mais, não acredito que esta «grande maioria dos portugueses» em alguma ocasião se tenha preocupado com a falta de plano para a educação, cultura ou para uma política sustentada de emprego. Sócrates não o fez, como aliás veio a reconhecer titubeante e humilde. Percebemos. O que não entendo é o afã de Vasco Pulido Valente em justificar a «elite incontestável e prestigiada» (tal qual ele disse) destes figurões, a saber: Cadilhe, Silva Lopes, João Salgueiro, Mira Amaral, Daniel Bessa ou Beleza! Elites? Mas bastava a VPV rever as suas anteriores crónicas e lembrar-se do que disse destas mesmas elites tugas... depois, será necessário uma grande ginástica para reconhecer estas «luminárias indígenas» (agora repito eu com gosto) como elites de alguma coisa. Sabem o que lhes falta? Estarem no Parlamento, serem eleitas, andarem em campanha, irem aos blogs, aos jornais, «falarem» connosco, chafurdarem...

Segundo apontamento - A ministra da Educação veio tentar convencer-nos que é um gesto grandiloquente e magnânimo da sua parte a suspensão da avaliação de professores «complex» em subsituição de uma «simplex». Isto depois de ter quebrado ainda mais o que existia de educação em Portugal e depois de manifestações inesquecíveis da classe de professores e de «elites» a opinar que o sistema era inaplicável. Serão necessárias dezenas de anos para voltar ao que tinhamos - que era mau, muito mau, não esqueçamos. Mas a sua esperteza saloia vai ao ponto de questionar «humildemente» uma Comissão Científica de avaliação, nomeada por ela, se terá, ela, a ministra, razão em suspender o dito processo «complex». Adivinha-se a resposta da tal comissão, mas mais uma vez pergunta-se: essa comissão tem assento no parlamento, foi a votos, fez campanha ou «falou» connosco? Então por que terá de ser decisiva a sua opinião, para uma decisão política que só caberia a Maria de Lurdes Rodrigues? Até na derrota lhe falha a frontalidade.

Terceiro apontamento- Alexandra Lucas Coelho, hoje, no Público, diz das boas a Helena Matos, quando esta ousa duvidar da existência de Delphine Minoui e Bourzou Daragahi que, em Teerão, reportaram as manifestações de revolta contra Amadinedjadh. Segundo HM, é a mania de tentar ver as sociedades orientais pelos olhos castanhos do Ocidente... já em Tiennamen, há 20 anos, ouvi monárquicos a argumentar que a China era muito, muito mais que aqueles estudantes revoltados em Pequim. Apelavam a uma China profunda, conservadora. Pois é. Tal como hoje em Teerão. Será HM uma candidata a membro da «elite» tuga? Ou já o é?

quarta-feira, junho 17, 2009

Um grande futuro. Artigo de Leonel Moura no Jornal de Negócios

Leonel Moura
11.05.04, 10 mbots, ink on canvas, 400 x 500 cm

Portugal vai finalmente entrar nos eixos. Acabaram-se as malfeitorias de Sócrates e iremos voltar a ter calma e tranquilidade. Para começar, em resultado das eleições e tal como exigiu Paulo Rangel, o Governo não deve fazer mais nada. Deve parar totalmente a sua actividade, pelo menos, até final do ano. Parece-me bem.


Portugal vai finalmente entrar nos eixos. Acabaram-se as malfeitorias de Sócrates e iremos voltar a ter calma e tranquilidade. Para começar, em resultado das eleições e tal como exigiu Paulo Rangel, o Governo não deve fazer mais nada. Deve parar totalmente a sua actividade, pelo menos, até final do ano. Parece-me bem.
Pode ser que entretanto a crise passe e lá para o Natal os portugueses acordem cheios de prendas na respectiva árvore. Se não for assim, logo se verá.
Nessa lógica, e dado o notável crescimento do Bloco, fica também desde já proibido qualquer despedimento, sendo que a empresa que o faça será imediatamente encerrada pela polícia.
Na mesma linha doutrinária bloquista, os desempregados deverão ser admitidos, compulsivamente, pelas empresas com grandes lucros, mesmo que não tenham nada para fazer ou sem aptidões. Esta medida irá diminuir drasticamente a taxa de desemprego e salvar a segurança social. As empresas que se recusarem a fazê-lo serão igualmente encerradas.
As pequenas e médias empresas, principalmente as falidas e obsoletas, serão altamente financiadas pelo Estado. Pouco importando se o dinheiro vai para a modernização ou para comprar BMW's. Todos os economistas do PSD, PCP, Bloco e CDS garantem que é assim que se estimula a economia.
Serão distribuídos avultados subsídios aos pescadores, os quais poderão doravante pescar tudo o que quiserem sem qualquer restrição. Quando o peixe acabar logo se vê. A agricultura será também totalmente subsidiada protegendo-se assim os produtos nacionais, mesmo os de baixa qualidade ou sem consumidores. Esta medida será acompanhada da proibição da venda de produtos agrícolas e piscícolas oriundos de outros países.
Considerando também a expressiva votação nos partidos contra a Europa - Bloco, PCP e CDS -, e dada a pouca convicção do PSD actual sobre o assunto, deverá dar-se início às negociações para abandonarmos a Comunidade Europeia. Portugal ganhará deste modo a plena soberania, o que, entre tanta coisa extraordinária, dará toda a legitimidade para se reclamar o importante território de Olivença que nos foi vilmente roubado pelos espanhóis.
Todos os programas "na hora" e de desburocratização serão abandonados para se regressar às velhas e serenas rotinas. Pedir uma qualquer certidão terá forçosamente que demorar no mínimo três meses.
Os professores deixarão de ser avaliados. A progressão na carreira voltará a ser rigorosamente automática não distinguindo, sob nenhuma forma, a prestação individual que será sempre excelente. De forma a repor a autoridade dos docentes na sala de aula voltarão as reguadas.
Medida urgente será a apreensão de todos os computadores Magalhães e, em vez deles, distribuídos lápis e borrachas, o que muito estimulará estas importantes indústrias. A Internet será fortemente censurada e só poderá ser usada entre as 16 e as 18 horas aos sábados, sob estrito controlo parental, já que aos domingos as televisões passarão todo o dia futebol.
A ASAE será extinta.
Todos os projectos, como o TGV e o aeroporto, serão cancelados. Não será construído nem mais um centímetro de estradas. Isto trará de volta o famoso "orgulhosamente sós" de tão boa memória para muitos portugueses. As corridas com touros de morte serão legalizadas em todo o território nacional. Esta medida terá um enorme impacto no crescimento do turismo, atraindo bárbaros de todo o mundo para Portugal.
Os polícias terão ordem para disparar à vontade, bater nos presos e forjar provas, desde que garantam condenações. Será encomendado um estudo, ao grupo parlamentar do CDS, para reintrodução da pena de morte em Portugal.
Marinho Pinto será imediatamente destituído. Será também terminantemente proibida qualquer crítica às decisões de juízes e magistrados, considerando-se uma forma de pressão intolerável e fortemente punível, tudo o que não seja vénia e subserviência. Todos os estrangeiros serão expulsos do País, repondo-se deste modo a pureza da raça latina.
Só serão permitidos casais de um homem e uma mulher, os quais tendo em vista a doutrina desenvolvida por Manuela Ferreira Leite, terão obrigatoriamente que procriar. Também nesta linha de promoção da ordem na família os maridos poderão voltar a bater nas mulheres.
Por fim dada a consonância de posições entre os quatro partidos da actual oposição, PCP, Bloco, PSD e CDS irão juntos formar o próximo governo de Portugal. Assim temos futuro.

sábado, junho 13, 2009

Os mais vendidos na Feira do Livro. E nós recomendamos, claro

E o 1º prémio vai para... Estudo Histórico sobre a Campanha do Marechal Soult em Portugal, de A.P. Taveira



2º lugar ex-aequo - Um Punhado de Terra, de Pedro Eiras e O Mundo Sólido, de João Paulo Sousa


Estes são os livros mais vendidos da Deriva, na Feira do Livro do Porto. Como os leitores têm sempre razão, assinamos por baixo e recomendamos vivamente.
Já sabem que estamos no Pavilhão dos Pequenos Editores que é junto à estátua de D. Pedro IV, cá em baixo, nos Aliados. Tem bons cafés e restaurantes ali para os Clérigos e estamos a um minuto da Cordoaria. Tenham é cuidado ao atravessar os Aliados que o automóvel é, ainda, rei naquelas paragens.
Até já.

Retratoplastias, um blogue da artista plástica Carla Gonçalves


Contaminação de Carla Gonçalves
Foi uma verdadeira surpresa navegar por este blogue de Carla Gonçalves, artista plástica e mestranda de pintura nas Belas-Artes do Porto. Retratoplastias de seu nome, atinge-nos discretamente não só pela cor e pelas formas, mas igualmente pelo conceito e pela (des)construção do retrato e do corpo. Podem consultá-lo aqui e não percam a consulta da galeria de artistas que a Carla listou.

sexta-feira, junho 12, 2009

Rui Bebiano escreve sobre Utopias Piratas na Ler

É incontornável dizer que a Revista Ler está melhor. Lê-se com verdadeiro agrado e está mais «arrumada» quer ao nível das opiniões publicadas, quer na facilidade com que se consulta este ou aquele livro. Transpira o gosto pelos livros, o que vai sendo difícil de intuir (sim, nós os leitores, sentimos isso) noutras publicações que vão moendo e remoendo o espaço dos livros, como se de uma obrigação se tratasse. Esta revista, não. Trata os livros como merecem ser tratados.
Rui Bebiano, neste número, escreve sobre o Utopias Piratas de Peter Lamborn Wilson lembrando que também assina com o nome de Hakim Bey e cujo tema se prende com os renegados europeus convertidos ao Islão, religião professada por Hakim Bey (aliás, no livro, ele relaciona essa conversão com a sensualidade própria do mundo árabe).

Outros livros que Rui Bebiano cita:
O Século XX esquecido - Tony Judt
Crianças em Armas - Peter W. Singer
Má-Fé. Uma História Esquecida de Pátria e Família - Carmen Callil
Mundos em Guerra. 2500 anos de Conflito entre o Ocidente e o Oriente - Anthony Padgen

Outros colunistas deste número da Revista Ler
Abel Barros Baptista - Prejuízos
Rogério Casanova - KKK
Jorge Reis-Sá - Extreme Publishing
Pedro Mexia - A Culpa é do Manchinhas
José Mário Silva - Continuidade dos Parques
Nos Sofá da Ler com João Miguel Tavares
Francisco José Viegas - Diário de Ocasião
Eduardo Pitta - A Lenda, os Factos
Rui Ramos e Eduardo Lourenço escrevem sobre a Europa
Carla Maia de Almeida livros para os mais pequenos
O próximo livro de Ana Hatherly
e... o Provedor dos Leitores de Nuno Costa Santos

Vale a pena comprar a revista. Para além dos artigos e colunas que lemos com prazer, ainda há os livros (muitos) que teremos de assinalar a marcador (eu uso o vermelho) para comprar. Não tudo este mês, mas que ficam à espera, lá isso ficam.

Para ler o artigo clicar na imagem

Booktrailer de Aqui na Terra, próximo livro de Miguel Carvalho

Hoje, às 21:30, na Feira do Livro do Porto debate com Gonçalo M. Tavares e Pedro Eiras



NO MEIO, 0(S) LIVRO(S)
Gonçalo M. Tavares, Pedro Eiras
Sex, 12/06/2009 - 21:30

Os livros de Pedro Eiras poder-se-ão adquirir no Pavilhão dos Pequenos Editores da Feira (junto à estátua de D.Pedro IV). Os de Gonçalo M. Tavares no Pavilhão da Leya

quarta-feira, junho 10, 2009

Feira do Livro do Porto: um debate sobre Microficção

Hoje decorreu um debate sobre Microficção com José Mário Silva, Rui Manuel Amaral e Rui Costa. Foi moderado (e muito bem) por Henrique Fialho. Bom debate, embora não se chegasse a acordo, nem seria esse o objectivo, sobre a expressão microficção, micronarrativa ou prosema. Acrescentarei já agora o aforismo e a anedota, também lembrados pelos intervenientes. O twitter esteve lá (até interrompeu Rui Costa para chegar um mail sem erros) e reproduzo aqui parte do debate:
http://twitter.com/FLivroPorto

terça-feira, junho 09, 2009

Aqui na Terra de Miguel Carvalho. A capa do livro

Capa de Aqui Na Terra sobre Foto de Lucília Monteiro
Talvez a capa mais agradavelmente estranha que a Deriva já conheceu.
Em breve a entrevista com o autor, o booktrailer, as fotos, as biografias, as perguntas que se devem fazer. A seguir neste blogue.

domingo, junho 07, 2009

Daniel Faria, um colóquio em forma de homenagem, dia 8 e 9 de Junho, no Porto

Da Joana Matos Frias e de Catarina Nunes de Almeida recebemos a informação que transcrevemos:
Nos próximos dias 8 e 9 de Junho, segunda e terça-feira, realizar-se-á no Palacete dos Viscondes de Balsemão um Colóquio de Homenagem ao Poeta Daniel Faria, E agora sei que ouço as coisas devagar.

quinta-feira, junho 04, 2009

A Devida Comédia, blog de Miguel Carvalho. Em breve editará, na Deriva, o seu livro Aqui na Terra

Em breve, o Miguel editará Aqui na Terra na Deriva
Já tem alguns anitos, mas eis A Devida Comédia um blogue tão calmo e intimista que até dá gosto navegar por lá, do nosso amigo Miguel Carvalho. Muito em breve sairá na Deriva o Aqui na Terra um livro de reportagens sobre Portugal, os portugueses e de como somos feitos; acreditem que, ao lê-lo, as sensações de incómodo e de inquietação invadem-nos silenciosamente. Talvez como o blogue do Miguel, e, certamente, como as boas obras de literatura. Entretanto esperem pelas novidades (já para este mês) sobre Aqui na Terra. Fui buscar à Wook esta biografia do Miguel Carvalho:
«Nasceu no Porto a 25 de Novembro de 1970.Em miúdo, entretinha-se a roubar jornais e revistas dos quiosques quando o dinheiro da mesada já não dava para mais. Do ensino primário ao secundário, entre outras coisas, guarda memórias de jornais de parede e pequenos fanzines de banco de escola. Viveu o auge das rádios-pirata, de onde saiu viciado após muitos programas de variados formatos e humores. O bichinho, esse, nunca morreu.Em finais de 1989, concluiu o Curso de Rádiojornalismo do Centro de Formação de Jornalistas do Porto. Meses depois, inicia-se no jornalismo profissional na delegação do “Diário de Notícias” na cidade Invicta, onde se manteve durante sete anos e ganhou vários prémios de reportagem.De 1997 a 2000, foi jornalista do semanário “Independente”. Desde Dezembro de 2000, pertence aos quadros da “Visão”, onde é Grande Repórter e assina um espaço de opinião regular na edição on-line da revista intitulado palavrasdeparede.pt. Tem poemas seus editados pela editora Corpos e pela ASA. Veste o Porto por dentro. Cidade onde gostaria de viver até ser pó, cinza e nada.»

Bibliografia:

Dentada em Orelha de Cão-Histórias do mundo com gente dentro (Campo das Letras, 2004)

Álvaro Cunhal - Íntimo e Pessoal. Um dicionário afectivo (Campo das Letras, 2006)

segunda-feira, junho 01, 2009

Algumas sugestões presentes na Feira do Livro do Porto

O Mundo Sólido de João Paulo Sousa

Um Punhado de Terra, de Pedro Eiras

A Inexistência de Eva, de Filipa Leal

A Intoxicação Linguística de Vicente Romano

Estudo Histórico sobre a Campanha do marechal Soult em Portugal, de A. P. Taveira (1898)
No Pavilhão dos Pequenos Editores, junto à estátua de D. Pedro IV.