segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Crise ou fuga para a frente?






Na época da unidade capital / poder a crise era simplesmente um  elo fraco da cadeia, que o proletariado podia aproveitar. De outro  modo, a crise significaria um momento positivo na recomposição do capital. Na época global e com a co-pertença capital / poder, o próprio conceito de crise entra directamente em crise. Em grego, a palavra crise significa: corte, luta, decisão inclusivamente. De origem médica, a sua aplicação estender-se-á aos campos mais diversos. Apesar de todas as suas migrações, o significado médico  de «passagem para…» (entendendo-se por isso uma melhoria ou uma pioria) manter-se-á. Hoje, esta ideia de crise como «passagem para…» já não nos serve. É uma ideia demasiado devedora à modernidade. Não foi em vão que a própria modernidade se olhou a si mesma como crise — contingência, conflitualidade, excepção —, devido ao cataclismo da ordem tradicional. Na época global em que nos encontramos, já não é adequado falar de crise. Na actualidade, não existe propriamente uma crise, mas sim uma constante «fuga para a frente» que adopta a forma de uma crise permanente, ou de guerra. «Fuga para a frente» significa, em primeiro lugar que as alternativas foram deixadas para trás, em especial a ideia moderna  de revolução. «Fuga para a frente» significa, em segundo lugar, que não há futuro. A busca ansiosa de futuro, inerente ao extravasamento  do capital comporta o paradoxo de uma radical ausência de futuro. Neste sentido, a «fuga para a frente» contém toda a fenomenologia do extravasamento  do capital. in
 Mobilização Global seguida de O Estado-Guerra, Santiago López-Petit (trad. e notas de Rui Pereira), Deriva.

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Leituras que fazem cada vez mais sentido, antes que seja demasiado tarde.



"Só a rejeição total da realidade no-la pode mostrar na sua verdade. Só a rejeição total do mundo nos diz a verdade do mundo. Mas esse gesto radical de rejeição já não é o gesto moderno que, depois da destruição anunciava e preparava um novo começo. Não há começo absoluto porque a «tabula rasa» não nos deixa diante de nenhuma verdade absoluta. A rejeição total da realidade apenas nos oferece «uma» verdade da realidade. Esta é a nossa verdade."
Santiago López-Petit in A Mobilização Global A Mobilização Global seguido de O Estado-Guerra e Outros Textos, de Santiago López-Petit. Tradução e Comentários de Rui Pereira Deriva Editores, 2010







[...]uns poucos detêm o poder de definir a realidade para a maioria de todos os outros, de dizer-lhes o que se passa, o que é bom e o que é mau, o que se deve ou não fazer e como fazê-lo, etc. Este poder de fixar o programa social de qualquer comunidade é a chave do controlo social. Lorde Nordcliffe, dono de um dos mais poderosos consórcios jornalísticos dos princípios do século XX, explicava-o muito directamente e sem muito gaguejar: "Deus ensinou os homens a ler para que eu possa dizer-lhes quem devem amar, quem devem odiar e o que devem pensar".
Vicente Romano, A Formação da Mentalidade Submissa, Tradução e Comentários de Rui Pereira,Deriva Editores.
"Hoje em dia, a maior parte da comunicação é realizada através dos chamados meios de massas que, tal como o termo 'comunicação de massas', não deixa de ser um eufemismo. Como é sabido, nem as massas comunicam entre si através destes meios, nem eles são das massas, mas sim de uns poucos que produzem massivamente para as massas."
Vicente Romano, Intoxicação Linguística.Tradução e Comentários de Rui Pereira Deriva Editores

terça-feira, fevereiro 07, 2012

domingo, fevereiro 05, 2012

Fernando Canedo (1946-2012)




A propósito de uma das últimas MEALIBRA, escrevia Benjamim Moreira:

"Sendo uma referência incontornável no mundo das revistas culturais publicadas no nosso país, a qualidade intrínseca dos textos que a MEALIBRA tem publicado não pode deixar de ser associada à autoridade dos colaboradores que nela participam. A pergunta que se coloca é, inevitavelmente: como é possível, numa cidade com uma débil actividade de pesquisa [Viana do Castelo], de debate de ideias e de criação existir e manter-se uma publicação com estas duas características?
A resposta é porém muito simples: a MEALIBRA tem um Director e um Projecto. Dir-se-ia que há redundância na resposta já que forma e conteúdo se associam: a  direcção é definida pelo próprio projecto cuja realização se antecipa."

 Fernando Canedo, responsável pela revista MEALIBRA, faleceu no passado mês de janeiro. 

sábado, fevereiro 04, 2012

Alfabeto Adiado, José Ricardo Nunes


FILHO, IRMÃO, PAI

O tempo vai sorvendo a imagem do meu pai (às colherzinhas, sem madalena). Custa cada vez mais reconhecê-lo. De ano para ano aumenta a dificuldade e o esforço. Reduz-se progressivamente o tempo de exposição à memória. Aproximo-me dele para o perder – uma orelha, a sombra do olhar, o queixo, para já não falar dos gestos que se desenvolvem no ar, atrás da janela fechada.
Envelheço. Em breve terei a sua idade e poderei trocar com ele algumas impressões acerca da experiência. Talvez me peça para lhe contar como são os meus dias, que desejos e que interrupções. A imperfeita precisão da imagem serve para a figura do irmão. Um pai tem mais exigências.
Filho virá a ser na mais intensa desagregação. Os contornos esbatidos podem ser usados na construção pelo futuro. Meu pai e meu filho.
Foi há dois meses, ainda a praia nos estendia a sua aberta superfície. Ferida – ovo, um texto. Antes de eu nascer era assim. Podia ser um pouco do meu pai e dar-lhe mais um dia, viver com ele numas poucas de frases. A minha acção transformada em mais um dia de vida do meu pai, um dia que fosse.
Agora estas palavras todas. Ele terminou-se, mas eu continuo a juntar palavras como se lhe fosse dar um rosto. Ele transparece no vidro, cada vez mais indistinto. Procuro o sentido que a carne reclama na sua inconstância difusa e depois espalha. A carne, sem regra. Perdulária. Diz-me que devo ocupar o seu lugar – porque não compreendeu e não sabe onde já estive.
A história das parecenças é macabra. Muita lembrança e um bule de chá. Duas fotografias, lado a lado. Alguns anos de diferença não prejudicam. A mesma coluna vertebral. Apenas uma, a sombra ampliada que recobre os corpos, bem autonomizados mas com espaços comuns. Idêntico o olhar, dizem. E bebem. Finalmente a desembaraçada mão apaga-nos do vidro.

José Ricardo Nunes, in Alfabeto Adiado



sexta-feira, fevereiro 03, 2012

O Homem que via passar as estrelas – Luís Mourão

O Homem que via passar as estrelas – Luís Mourão





Um texto para um espetáculo de Teatro para a Infância e Juventude onde se conta, na brevidade de uma noite de insónia ou de sonhos turbulentos, o encontro inesperado de Isaac Newton com os planetas do Sistema Solar…
É de noite. E, porque é de noite, o Sol não está. 
Newton recebe no seu quarto-laboratório-cenário estranhas visitas por engano.
Os planetas vêm ver o Sol, discutir com ele, expor-lhe os seus múltiplos problemas e, à falta de melhor, vão deixando recado. O homem se encarregará de os entregar depois, mais tarde, quando nascer o dia.  


Mas não falam só de problemas. Apresentam-se, saltam, sujam-se, rodopiam e brincam. A noite ainda não acabou…


Prefácio de Máximo Ferreira | Guia de Atividades de Astronomia na Escola de Paulo Simões | Ilustrações de Sandie Mourão 


INCLUÍDO NO PLANO NACIONAL DE LEITURA - para apoio a projetos relacionados com TEMAS CIENTÍFICOS para o 3º,4º, 5º e 6º ano de escolaridade