sábado, abril 29, 2006

Enquanto não vejo Müller no Hotel Hessischer Hot, reencontro-me com Nus, dos Mão Morta.

Enquanto não vejo o último trabalho em DVD dos Mão Morta, Müller no Hotel Hessischer Hot (já mandei vir pela Cobra Discos), lembro o Nus e um texto de Adolfo Luxúria Canibal que tomo a liberdade de o editar aqui. Para ler e ouvir.

«Convém, talvez, começar por referir o que está por trás da génese de "Nus" e que ajuda a compreender a sua estrutura: o ponto de partida, quer para a composição quer para as letras, foi o poema "Uivo" ("Howl") de Allen Ginsberg. É um longo poema, de um só fôlego, em escrita automática, que opera por sobreposições, com um ritmo ancrado no 'who' que inicía cada novo quadro, um 'who' surdo, repetitivo, como a pontuação de um contrabaixo, onde Ginsberg faz uma espécie de retrato à base de flashes da sua 'Beat Generation'. No disco, a geração em causa é a nossa, a geração 'lisérgica' bracarense; "Gumes", a faixa longa que abre o disco, é um encadeado de 9 momentos, uma sobreposição de 9 quadros, tanto musical como tematicamente, que tem uma função, digamos, de espinha central, a que os seis temas mais curtos se vêm ligar como desenvolvimento ou sublinhar de ambiências aí contidas. Ou seja, do "Uivo" pegamos nas ideias de retrato geracional e de construção por sobreposição e trabalhamo-las à nossa maneira, com a finalidade não de um poema literário mas de um poema musical.
Porquê o "Uivo"? Num momento em que muitos - demasiados - daqueles com quem crescemos e descobrimos o mundo e o afrontamos, com quem tecemos cumplicidades indestrutíveis e nos habituamos a ver a nosso lado, nas suas pequenas fraquezas e nas suas glórias, quase como parte de nós, no momento, dizia, em que, quase por contágio, abruptamente, sem avisarem, aqueles em quem nos revíamos são ceifados das nossas vidas e definitivamente apartados do nosso contacto, deixando um deserto a progredir à nossa volta, há um incomensurável vazio que nos invade e nos reenvia para a nossa própria fragilidade. Na estranheza em que se transforma então o quotidiano, a memória tende a negar a ausência como uma alucinação redentora, soçobrando o presente, paralisando o respirar. Mas foi também do fundo da memória, primeiro como um ruído imperceptível, depois como uma obsessão implacável, que ressoaram as palavras de Ginsberg - "Vi os melhores espíritos da minha geração destruídos pela loucura, esfomeados histéricos nus..." - trazendo um conforto, um bâlsamo que não julgávamos já possível. E também uma vontade de o cantar, esse passado que não volta mais, esses amigos que não mais cruzaremos, como quem diz adeus, como quem faz uma última despedida. Aquela que não foi feita. À memória... »

Adolfo Luxúria Canibal

GUMES - Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro

1.Na noite que se avizinha, um mar de gatos com cio invade os sotãos, ensanguentando as memórias com a dor pungente dos dias em que o gume, o terrível gume das horas afiadas, rasgava os espíritos. Já o clarão das ruas toldava os cérebros com angústias venenosas e vertigens de suicídios sonhadores, na vontade de fugir ao inóspito vazio do tempo da ausência...

2.Acção!Isto é um assalto!...Todos de mãos no ar!Não quero nem um gesto...Passa p’ra cá esse vil carcanholPara irmos daqui sem funerais!...Anda homem ou és um caracol?!Não quero ficar aqui à espera dos maiorais...(Vai junto à porta ver se o caminho está livre para a nossa saída...)No chão! Quero toda a gente no chão...Assim!... Vamo-nos pirar!...Já!

3.Eu sou estas mãos que se fendem na areia como um velho pau
A serpente que se arrasta o corpo em assaltos ao olho do cosmos
Tudo vem a mim a escura escama dura dos monstros do fogo
Um ventre de rei em corcel alado de freio nos dentes
Flash
Aí está Stanislau
Belo como estrela do mar gigante em asilo de lepra
A tirar a espinha às horas
VemVemVem
Flash
Flores carnívoras passam sua língua no ventre do lacrau
Os seus lábios grossos deixam escorrer o esperma quente
Prova a minha orelha
Prova o meu caixão
A morte ronda
A vida cresce
Floresce
Flash
Amanhece
(...)

Rui Pereira indemnizado pela EFE

No dia em que Otegi foi condenado pelos tribunais espanhóis a 15 meses de prisão com o objectivo, cremos nós, de inviabilizar o processo de paz no País Basco e que dá os primeiros passos firmes para uma solução negociada, sabe-se que a EFE espanhola indemnizou o jornalista Rui Pereira (autor de Euskadi, a Guerra Desconhecida dos Bascos e prefaciador do Gente que Dói, do Vítor Pinto Basto e editado pela Deriva, em 2005) por declarações abusivas sobre este jornalista que classificou, de uma maneira muito pouco ética, de «claro simpatizante do grupo terrorista ETA» entre outras pérolas (ver Público de 28/4). Lembre-se que tudo isto vem ao caso porque Rui Pereira entrevistou dois membros da organização independentista basca tentando saber a posição do lado que não é espanhol. Ora, como ficou demonstrado por este processo, é muito fácil enquadrar todo aquele que não se submete ao que o poder instituído quer que se diga - assim, quem não é pelo poder é terrorista. Rui Pereira defendeu-se e teve acesso aos tribunais. Ganhou. Pense-se, igualmente, em todos aqueles que, num estado tendencialmente policial não têm sequer hipótese de se defender e recorrer ao contraditório ou a uma justiça que, embora ténue, lá vai funcionando, nem que seja pela constatação do óbvio. Como, aliás, foi o caso.

quinta-feira, abril 27, 2006

A «Vaca Pessoana» de Agostinho Santos.

Durante dia e meio, Agostinho Santos* despiu a pele de jornalista, vestiu a de pintor e foi às oficinas do Metropolitano de Lisboa pintar uma vaca. Patrocinada pela Câmara Municipal de Lisboa, a vaca, de fibra de vidro e do tamanho das que estão vivas e andam por aí, chama-se “Vaca Pessoana” e vai ser exposta no próximo mês de Maio, quando Lisboa receber a singular vacaria pictórica denominada “CowParade”.

O Agostinho, que persegue Fernando Pessoa (e outros poetas e escritores) com os pincéis, resolveu, desta vez, homenagear assim o homem que encheu o seu baú de palavras que não foram lidas quando estava vivo. Mas não estou aqui para falar de Pessoa nem dos seus heterónimos. Estou aqui para falar de alguém, como Agostinho Santos, que tem a arte de caminhar de braço-dado com a sua profissão (jornalista), pintando. Talvez sonhando em viver à custa das suas pinturas. Talvez tentando decifrar o enigma essencial de quem ainda teima em escrever para situar o Mundo. Talvez.

* a Agostinho Santos regressarei em breve para falar da sua exposição em Matosinhos.
Vítor Pinto Basto

quarta-feira, abril 26, 2006

Páginas de um Diário Alemão - I, de João Pedro Mésseder

Hamburgo, 12 de Agosto

Chegados a Colónia, pelo meio da tarde de ontem, o dia alindara-se para nós. O sol rompeu as nuvens por umas horas, permitindo a esta pobre gente, assedegada de luz e calor, vir a passeio para a cidade velha e preguiçar pelas margens do Reno.

Vagueamos então pela cidade de Heinrich Böll que de antigo apenas conserva algumas zonas reconstruídas após a Segunda Guerra. A catedral porém impressiona (polémica a reconstrução) e um ou outro edifício escaparam total ou parcialmente às bombas e sofreram restauro. Na rua é a festa, tipicamente alemã, de uma tarde de sábado visitada pelo sol: skates e patins-em-linha, músicos, pequenos espectáculos de boina estendida. No rio, dragas, barcos de recreio e de turistas.

O centro, nas imediações da catedral, abre-se em praças com esplanadas onde se toma café ou cerveja depois do jantar. Aproxima-se a hora dos concertos e alguns músicos encaminham-se já para a Filarmónica de Colónia, situada perto do rio, onde há grandes extensões de relva. Pais com carrinhos de bebé, casais, idosos e crianças loiras-loiras colhem as últimas oferendas do dia.

Eram oito e meia da manhã quando hoje começámos a subir para nordeste, com paragem em Bremen. A chuva não era pouca. Descemos a pé a Böttcherstraße, um conjunto urbanístico onde Arte Nova e Art Deco se cruzam com um estilo tradicional, formando uma ruinha estreita mas muito acolhedora de olhares. A cor de tijolo predomina e certos pormenores da arquitectura surpreendem. Lojinhas, ateliers, restaurantes e a casa-museu da pintora Paula Modersohn-Becker — que não chegamos a visitar, embora nos demoremos nas reproduções expostas nas vitrinas. Quase no fim da rua, à direita, uma casa dedicada ao pai de Robinson Crusoe. Diz o romance — o que só lembra aos de cá — que o progenitor do velho náufrago industrioso era natural da cidade. Pelo princípio da tarde, despedimo-nos do cão, do burro, do galo e do gato — os músicos de Bremen evocados numa escultura perto da catedral e num teatro de rua: encenação do velho conto dos Grimm, para gáudio de meninos loiros, de olhos em alvo e bocas abertas.
Entramos em Hamburgo pelo meio da tarde. A um primeiro olhar turvado pela chuva, a cidade é de uma beleza singular, feita de sólidas casas de tijolo e outros edifícios de arquitectura cuidada e germânica dignidade. Atravessamos o Elba. Estamos perto, mas não vislumbramos ainda o Alster, ligado ao rio por canais. Torres e pináculos golpeiam o céu pesado. Depois do jantar, atravessamos os muitos canais, percorremos o porto, as ruas do comércio rico e as outras, onde os corpos se vendem por um punhado de euros. A noite termina em água: num parque, debaixo de chuva, um concerto de fontes, luzes e cores, ao som de Dvorak e Smetana.

*

Domingo em Hamburgo, fim de tarde de Agosto

Impotentes agulhas negras contra um tecto de cinza. Ao longe, galopam comboios para o reino de Hamlet ou para a cruel Polónia. Rompendo a cortina de chuva, os sinos de Hamburgo. Aquosa alma da terra.

terça-feira, abril 25, 2006

O 25 A e o PREC


Não consigo já olhar para o portfolio oficial do 25 de Abril. Na generalidade, os fotógrafos captaram a essência do que se viveu naqueles tempos. Mesmo que a fotografia de Alfredo Cunha, aqui exposta, exija o rigor da data. Pouco me importa, agora.

Aos dezoito anos quer-se a palavra. Aos dezoito anos vive-se a revolução. Um qualquer deus evidencia-se e prova que existe, dando-nos uma revolução que se exigia viver. Por isso, ela veio naturalmente. Aos dezoito, deve falar-se sempre e tomar a palavra. Para se construir, para se destruir com volúpia, para realmente se contruir o que se destruiu momentos antes. Para demonstrar, para agir, para sentir e para desejar.

A uns outros 25, matou-se o PREC. Adivinhava-se já o fim, tornando-nos nostálgicos cedo de mais de um projecto, de um processo cujo produto pouco nos importava. Não queríamos a terra a dar subsistência a muitos e riqueza a três ou quatro. Não queríamos as fábricas nas mãos de sabotadores. Queríamos saber ler. Ocupámos, portanto. Houve quem pedisse miseravelmente desculpa. Vieram os gestores competentes regados a putas, futebol e fado. Vieram os artistas especializados em dar ao povo o que ele queria e o que ele percebesse. Vieram os que privatizaram os transportes, as casas, as ocupações, os empregos, os lazeres, as viagens, o mundo, a vida, o sangue, o corpo. Abandonou-se o jogo dos sentidos.

O Homem entretanto nunca conheceu um ataque tão grande à sua espécie. O planeta fraqueja. O medo instala-se e eu quero sair já daqui. Há quem se sinta bem assim. Aquele bocado de PREC precisa de ser guardado. Para que um novo espectro ameace o mundo.

O Nojo Anónimo, por Vítor Pinto Basto.

Utilizador recente dos singulares mecanismos da Internet, fui alertado por um amigo para um artigo de José Pacheco Pereira (JPP) sobre os piratas da blogosfera. Não o li, JPP não é das minhas leituras obrigatórias, mas disseram-me que ele escreveu certo sobre esse nojo anónimo.

Por mim, digo desde já que passo à frente sempre que encontro um ANÓNIMO. Por ele ser um produto da não-existência.

Sou daqueles que tentam sempre encontrar o rosto da palavra proferida, tenho esse democrático defeito. Respondo sempre com a palavra serena à bala e ao insulto.

Vem isto a propósito de, neste mês de Abril, - mês que em Portugal é sinónimo de Liberdade – eu ter sido alvo da atitude desengonçada de dois anónimos que, no frenesim da sua pena, tingiram de nojo esse delicioso espaço de Liberdade que é a Internet.

No primeiro, no espaço destinado aos “comentários” de uma notícia publicada num qualquer blogue, escreveram, esta enormidade:
“cuidado com o Vítor Pinto Basto, que esse gajo tem ligações com a ETA e ao seu braço armado dos “patas negras” de Salamanca”.
No segundo, comentando um texto com o título “Há demasiada gente a viver um conflito que dói”, chegou este pêlo cheio de sebo prolixo:
“A Comissão para o Apoio aos Blogues Chatos e Às-Moscas, subsidida pelo Ministério da Cultura e pela Embaixada da República da Moldávia, vem em apoio deste blogue emitir um comentário gratuito”.

No primeiro comunicado, o brincalhão deveria ter mais cuidado com o melindre da acusação. Penso ter ficado claro no livro que escrevi - “Gente que dói - conflito basco por quem o vive” que o Vítor Pinto Basto não tem nem nunca teve ligações com a ETA. No livro, não se fala nos “pata negra” (o presunto com esse nome é bom e caro) e muito menos de Salamanca (onde só fui duas vezes, uma em trabalho para cobrir a última Cimeira Ibero-americana).

No segundo blogue, o escrito faz-me lembrar o género de alguma prosa publicada recentemente e que, a espaços, considero divertida mas também cansativa por ser demasiado repetitiva e sem substância. Lamentável a ligação do Ministério da Cultura e da Moldávia ao desajeitado comentário. Essa instituição e esse país dão rosto ao que fazem e, também por isso, merecem-me todo o respeito.

Porém, em ambos os casos, irritou-me a prepotência de quem escreveu escondido. Anulando, assim, a existência da necessária e democrática interlocução. Falaram, somente escrevendo e escondendo quem assim escreve sem rosto. Ao esconderem-se, não falaram escrivivendo, que é como quem diz: mataram o autor daquelas palavras anónimas. Por consequência, por se terem suicidado assim, são o que é vulgar-se chamar-se de “nulidade autêntica”.

Dizem-me que a PIDE, que muita gente parece agora querer esquecer, alimentava-se desses anónimos, quais vampiros que produzem fascismos e agem como execráveis déspotas.

A vida não se compadece com esses estranhos fantasmas, insuportáveis pústulas da democracia que, em vez de falarem com a clarividência dos humanos, respiram com a náusea de quem já morreu e ainda não sabe.

A esses defuntos anónimos - a que prometo jamais responderei, a partir deste momento - transmito a minha esperança de que tenham a coragem de assinar com o seu nome o que escrevem em qualquer lugar deste planeta Terra, que eu quero cobrir de sonho e alegia.

Enquanto isso não acontece, não esqueçam que hoje é 25 de Abril.

Vítor Pinto Basto

NdoE: sobre este artigo quero que seja garantido a todos o conhecimento desta «pérola» que me foi mandada para aqui por este anónimo (que possivelmente já não o será tanto):

«Que se passa? Está a ficar mole? Sentido, soldado!! A luta contra estes tipo de liberdades de expressão deve ser quotidiana e implacável! Implacable...perdão, implacável! Em Buenos Aires, nos saudosos anos de 1977-78, tínhamos belas técnicas para travar estas veleidades... Ai Buenos Aires querida! Disponha para o que quiser. O futuro da civilização ocidental, cristã e branca está nos seus ombros, caro ALC. Nas imortais palavras desse querido amigo Augusto P.: sea implacable, carajo! RdlPvS General na reserva Jogador de bridge».
É evidente, que a partir de hoje, os comentários serão objecto de moderação.

domingo, abril 23, 2006

Tempos de Fuga, de Ramón Caride, em filme?

Uma notícia que, sem sê-lo ainda, pode ser contudo uma realidade: Tempos de Fuga, de Ramón Caride, poderá ter a sua versão em filme, visto que a AGAPI ( Asociación Galega de Proctores Cinematográficos) seleccionou, há pouco tempo, O SANGUE DOS CAMIÑOS (ou seja, o título em galego de Tempos de Fuga) como uma das obras a trabalhar para o cinema conseguindo uma reserva de direitos de autor para adaptação por três anos. Esperemos um dia destes pelo filme.

sábado, abril 22, 2006

Caligrafías, de Xavier Queipo.

I
Dedícate ás túas caligrafías. De vagar. Sen pausa. De vagar. Usa a tintanegra coma se fose ouro. Antes de cada movemento, cavila cada aceno, cada trazo, cada xiro do pincel no aire. Escoita. Pon o ouvido atento. Escoita agora como o papel absorbe o espírito da tinta. De a tanto, detén o pulso, o teu pulso, no alto. Pensa na cabeza do dragón, no corpo do amado, na treboada de onte. Logo, axiña, de súpeto, coma un lóstrego, envía aos nervios da cola de cabalo as ordes pautadas, xira en remuíño os dedos ata trazar unha espiral. Descarga o teu brazo nun impulso fugaz.

II
Recomeza do centro. Non te deteñas agora. Así. Con paixón e contención ao mesmo tempo. Dominando cada cabelo do pincel. Controlando o teu corpo todo.En tensión. Cada movemento dos pulsos, cada xiro. Usa a tinta negra coma se fose ouro. Olla a espiral en labirinto. Pousa o pincel. Cavila cada movemento, cada aceno, cada instante do pincel no aire. Imaxina un mandala, unha liña, un punto. Descansa.

III
Agora pecha os ollos e repite o movemento. O mesmo. Lembra os detalles. Cada detalle, cada punto. Pensa nunha coreografía de brazo único. Colle o pincel. Móllao na tinta. Segue así ata conseguir que as espiras sexan iguais, cos ollos abertos e coas pálpebras baixadas. Ata que ninguén distinga cal foi trazada coa ollada atenta e cal ao impulso cego da corrente interna.

IV
Sigue así, nas túas caligrafías. De vagar. Usa a tinta negra coma se fose ouro. De vagar, ata que na fronte, no eixo da sobrecella única apareza, en círculo, o fulgor. Só entón, deixa o ritmo anódino das túas caligrafías, pois coñeces xa, de certo, o valor de cada signo, o que custa chegar, o esforzo que supón, o traballo de síntese. Daquela, colle o pincel e comeza a ensarillar frases e parágrafos con economía de medios: medindo cada sílaba, cada palabra, cada entoación posíbel.

V
Os pinceis xa non saben o que pintan, só seguen as sendas marcadas polo pulso do calígrafo. En tatuaxe sobre fibra van deixando mensaxes nunha lingua que estrañan. Falso que as estrelas choren, que chova sobre nós, que sexan néboa, que sigan o curso que lles marca Hanuman, o mono gramático, odo ricto tenaz e o berro estridente, o da languidez solar e a furia carnívora. Os pinceis xa non saben o que pintan. Só entón, meu, acadarás o arte da escrita.


Xavier Queipo
Bruxelas, 6 de abril de 2006

quinta-feira, abril 20, 2006

Há demasiada gente a viver um conflito que dói, de Vítor Pinto Basto.

Em criança, à falta de possibilidades para viajar, conhecer outras terras outros mundos, viajava pelas Biografias de gente famosa e pelos Diários dos meus autores preferidos.

Entre os diários, não consigo fugir aos "Primeiros Cadernos" de Albert Camus, autor que me seduzia pela clareza e pela luminosidade dos seus raciocínios, e que frequentemente revisito (admiração que nunca quis ver inquinada pela polémica Camus-Sartre).
Parece um absurdo preferir a vida das pessoas à beleza das paisagens, mas assim cresci até ter tido a possibilidade de visitar alguns dos paraísos naturais deste Mundo. E neste aparente paradoxo existencial - viajar pelas vidas dos outros -, muitas vezes, vou tentando colorir os dias.
Vem isto a propósito de um trabalho que fiz e que me possibilitou reunir, de forma acrescentada, no livro "Gente que dói - o conflito basco por quem o vive".
Talvez porque cresci, na infância, na ausência das viagens concretas, das de quem parte fisicamente para um lugar e de quem dele regressa, sempre tentei compreender pressupostos que muitas vezes nos são dados como sendo únicos, autênticos e verdadeiros. Detesto que eles sejam apenas mera ilusão retórica da realidade e resultado da interesseira utilização de quem defende determinado estado de coisas.
Em 2004, ao fazer a viagem profissional para um mundo que eu, como quase toda a gente, conhecia, apenas, pelas notícias dos atentados da ETA - a maioria sangrentos e inumanos, e por isso sempre me pareceram inadmissíveis -, tentei também compreender o que leva a mão a realizar esses atentados. Tentei perceber as causas e as consequências de um conflito basco com séculos e que poderá - e deverá! - ser eliminado se a União Europeia assumir a sua verdadeira condição de espaço supra-estatal.
Nesse sentido, um dos meus objectivos nesse trabalho foi não ficar, apenas, pelo que me era dado somente-a-ler, no país em que cresci, e não resumir essas leituras a um conjunto de conversas com apenas uma das partes do conflito. Era curta essa dimensão profissional, que recusarei sempre realizar por não ver, nela, a verdadeira e abrangente condição do jornalista e do que é informar.
As vítimas da ETA merecem, claro, o sincero respeito deste ser humano que cresceu e vive tentando derrubar as injustiças que tolhem a vontade democrática. Mas não queria resumir o conflito basco à existência e à intervenção da ETA e às suas vítimas, apesar da força daquela organização lhe ter dado uma marca pessoal - tão pessoal como a do IRA na Irlanda do Norte.
O conflito basco está firmado naquilo que, hoje, me parece um curioso absurdo: o desejo basco de ter um território-nação-país num tempo em que a União Europeia se constrói eliminando fronteiras. Numa União Europeia que já aceita a nação basca - por definir nação como uma região e um povo que tenha a sua língua -, mas ainda não definiu como podem esse tipo de nações (e tantas há na União Europeia) ter, por exemplo, uma selecção nacional de futebol. Quer isto dizer que os nacionalismos já são assumidos pela UE; passo seguinte, será o de lhes dar sabor e conteúdo.
O mesmo é dizer: se aceitarmos a norma assumida pela União Europeia, deve dar-se a possibilidade de qualquer cidadão dessas regiões dizer o que quer para o seu presente-futuro.
Penso que isso é assumido por qualquer europeu que deseja viver em paz numa União Europeia que é um conjunto de nações, sem aquele conflito nefasto e paradoxal de ter que lutar - seja com ETA's ou sem elas - para se assumir como Nação.
Ao ir para o País Basco e dele regressar, e mesmo depois de muito ter lido sobre o assunto, mais fico a pensar que o Mundo, de facto, vai ter que dar muitos passos para superar aquele tipo de conflitos.
Nesse sentido, os homens-bons devem tentar aplicar algo que pode doer muito a quem vive demasiado preso ao passado: esquecer, tentar passar uma esponja sobre o que muito doeu. E, nesse sentido, claro, ao falarmos de vítimas do conflito basco temos de incluir não só as vítimas da ETA para incluir, também, as vítimas de quem quis calar à viva força quem lutou e pagou com a morte - por exemplo, como no tempo fascista de Franco -, o gesto de simplesmente falar euskera (língua basca) em liberdade.
Agora, que se fala em mais uma trégua da ETA, e se admite que desta vez algo de bom possa sair dela, deve tentar-se trabalhar para curar todas as feridas que ressaltam desse conflito.
Penso que é disso que fala, por exemplo, Francisco Letamendia, intelectual basco que uma vez entrevistei utilizando esse fascinante utensílio da Internet que se chama e-mail, quando diz ser necessário aplicar, no País Basco, o método que está a ser utilizado na Irlanda do Norte: colocar todos num "locos" (local, lugar) e falarem, em liberdade e em paz, do que os fez e faz sofrer.
Sem querer errar muito, faço a tradução literal do que pretende o professor universitário Letamendia, dizendo que os bascos devem - todos: nacionalistas espanhóis e nacionalistas bascos - falar com a disponibilidade de quem se senta no sofá do psicanalista. Falar para eliminar o ódio que corrói a fraterna disponibilidade para todos, em conjunto, construirem um futuro sem bombas. E, pelo que vi no País Basco, sei que eles são capazes de conseguir a paz e trabalhar para melhorar o seu futuro.
Eu tenho o sonho de viajar num País Basco sem o choro e a revolta das suas desencantadas vítimas.
P.S. de admiração e agradecimento. A reacção dos leitores ao "Gente que dói" surpreendeu-me positivamente. Encontrei muita gente a quem o tema "País Basco" muito interessa; muitos deles sabiam, inclusivamente, mais sobre ele do que eu. A todos, o meu sincero agradecimento pela leitura e, a alguns, o sincero agradecimento pela publicidade desinteressada que fizeram ao falar do livro nos seus blogues - esses modernos diários pelos quais viajo com prazer. Muitos desses leitores são jovens estudantes e, pelos seus comentários sou levado a admitir que mostram uma sabedoria tão imensa que me leva a considerar que há, em Portugal, uma geração que não é rasca mas com coragem para lutar por um país melhor e mais livre. A todos, muito obrigado por terem estado comigo nesta viagem, a de falar sobre um tema que para muitos só não é tabú quando se está do lado mais fácil.

Vítor Pinto Basto.

quarta-feira, abril 19, 2006

Epifanias de Fernando Echevarría.


A Andrea Peniche, da Afrontamento, deu-me as Epifanias, livro surpreendente de um poeta - Fernando Echevarría. Poeta que vou lendo como ele escreve -com vagar mas com enorme gosto. Conheci-o nas Correntes d'Escritas e é daquelas pessoas que se deve ouvir com muita atenção, sem pressas fúteis e não esperando dele verdades insofismáveis. Esperemos, antes, a interrogação incómoda. Rigoroso e calmo, embrenhado numa aparente contemplação de tudo e de todos, parece que de Echevarría emana uma espécie de sacralidade laica onde a palavra atinge um patamar dificilmente atingível no seu uso mais comum. O rigor que antevi nas suas palavras e nas ideias expostas também em conversa com o Nuno Rebocho, poeta e jornalista da Antena 2, apelam à arte do estudo aturado e profundo e à crítica permanente contrastando, assim, com a tagarelice espectacular e pós-moderna dos dias que correm, ou que nos fazem correr, sem sentido nenhum. Um poeta, pois, a ler.

Dele, escreveu Pedro Mexia (6ª, DN, 14/04/2006) - «(...) Echevarría é um poeta sem concessões nem modismos, comprometido com as palavras e as ideias, algumas das quais só existem plenamente quando alcançam uma expressão poética exigente. Epifanias, como toda a poesia de Echevarría, instaura o domínio absoluto do verbo.(...)»

Das Epifanias:

Há o silêncio de antes da palavra.
E aquele que, depois dela, deixa sítio
para subirem pausas
com outras dentro desenvolvendo o limbo
por onde suba inviolável, alta
a melodia do que foi esquecido.
Esse silêncio pauta.
Vai decifrando vestígios
de quanto o precedeu no gasto mapa
de que é possível compulsar o ritmo.
E estar à escuta com, ao fundo, a alma
a desprender-se. Subindo
até o silêncio recobrir a água
e desnudar a solidão do espírito.

Epifanias, Afrontamento, pag.65.

O seu vagar vai indo. Enquanto ciência
não dilucida já, antes se alarga
e estende a sua felicidade intensa
a domínios que tocam a palavra.
E, depois, de a tocar, a levam
a um campo de luz. A uma entranha
que devolve o calos da inteligência
com que satura o núcleo da substância.
O vagar é a grande recompensa
do homem. Vem-lhe dessa zona arcaica
que começou a deslumbrar-se. E dela
usufruindo foi até que a alma
tão peremptória irradiou que a terra
sucumbiu. Para só reter a santa
iluminação que trouxe às trevas
vagar, a antiga aparição das águas.

Epifanias, Afrontamento, pág.61.

terça-feira, abril 18, 2006

Culturalmente Correcto, de António Clark de Melo.


Do meu amigo Zé O, e editor lisboeta da Mareantes, recebi com grande agrado a sua visita oportuna acompanhado da mais recente novidade o «Culturalmente Correcto - como ter sucesso no mundo da cultura» de António Clark de Melo. Obrigatório ler, reler e oferecer (se possível com sublinhados para chatear alguém que se conhece com o tal estilo referido na sequência de capítulos hilariantes).

Diz-se do autor (ainda envolto nalguma polémica sobre a sua verdadeira identidade): «António Clark Melo nasceu em Lisboa em 1965 e foi em jovem viver para New Jersey. É autor de vários ensaios sobre jornalismo, religião comparada e literatura.Doutorado em Literatura Comparada e História pela Washington University (St. Louis, EUA), foi professor na Índia durante o final década de noventa. Em 1999, ganhou o «Prémio Sherburne» pela sua obra, «The First Judgment», sobre a natureza do destino humano e as suas diversas configurações culturais. O último livro de António Clark Melo, «Citizen Kane in Portugal» (2005), é uma obra ímpar que a Mareantes Editora agora traduz sob o oportuno título, Culturalmente Correcto. Trata-se, como disse a ensaísta Elisa Matoso, de uma análise de um «notável comparatista, por um lado universalista, por outro lado, divulgador do ser profundo de Portugal».

Extracto do Cap.5 «Como circular entre artistas e gente de cultura?»
«Embora possa pensar o contrário, o mundo da cultura é povoado por gente muito inculta; gente que anda, há anos e anos, a atravessar desertos e estepes sem fim. São escritores falhados, pintores adiados, cineastas de super oito (quase sempre feitos num oito); é gente que cita este ou aquele e que se tenta envolver na saga das coisas plásticas e literárias ou cinematográficas, pensando que, com isso, talvez pudessem ascender ao paraíso mais cedo, ou - humor dos humores - que acabariam por ficar ricos e a viver, para sempre, ao colo da Sharon Stone ou da Sónia Guimarães ou da Bárbara Braga. Geralmente é gente sem tesão.» Pág.15.

domingo, abril 16, 2006

Joëlle Aubron. Uma morte silenciada.


Joëlle Aubron morreu no início de Março sem que, aqui em Portugal, nada fosse referido. Ninguém o soube e, convenientemente ao sistema prisional francês (dos mais violentos da Europa), o silêncio faz-se sentir à volta de Joëlle, uma militante da Action Directe, que foi acusada juntamente com Nathalie Ménigon, Jean-Marc Rouillan, Régis Schleischer e Georges Cipriani, de vários atentados nos anos 70 e 80. Morreu de cancro, aos 46 anos, sem as ajudas que a situação exigia. Cumpriu 17 anos de uma pena de prisão perpétua e de duras condições prisionais que passavam por períodos de isolamento desumano. Por fim, atingiu a liberdade.
Tenho, pessoalmente, a sensação de que não fiz tudo ao meu alcance para dar a conhecer estes casos. Publicámos o «Odeio as Manhãs» de Jean-Marc Rouillan em que este descreve ao pormenor o sistema prisional que mata «cientificamente» os que se opõem ao estado, mas nunca conseguimos contactá-lo pelas omnipresentes «razões de segurança». Acresce uma questão que não queremos deixar de colocar hoje, nem que seja para nos lembrármos de Joëlle: em que situação se encontra Nathalie Ménigon extremamente debilitada já em 2002? Qual o estado físico e mental de Georges Cipriani? E de Jean-Marc Rouillan? E de Régis Schleischer?
ALC

A notícia da sua morte pelo L'Humanité foi assim:

Joëlle Aubron morte en liberté surveillée.
Action directe . La benjamine d’AD est décédée des suites de son cancer, avant-hier. Ses anciens camarades sont toujours en prison.
Joëlle Aubron est morte, il y a deux jours, à l’âge de quarante-six ans, des suites de son cancer du cerveau. La benjamine du groupe Action directe (AD) était dans un service de soins palliatifs parisien depuis trois semaines. En juin 2004, elle avait bénéficié d’une suspension de peine alors que son pronostic vital était engagé à «
six mois », selon les médecins. « Jusqu’au bout, dans ses derniers moments de lucidité, Joëlle n’a cessé de rappeler le sort de ses camarades encore en prison », explique Alain Pojolat, membre du collectif Ne laissons pas faire. Et de rappeler cette phrase « restée en travers de la gorge » de Pascal Clément en janvier dernier : « Quand j’entends que d’anciens terroristes non repentis font leurs courses sur les marchés, alors qu’ils étaient, disait-on, à l’article de la mort... cela m’est insupportable. »
Avec Nathalie Ménigon, Jean-Marc Rouillan et Georges Cripriani, Joëlle Aubron avait été condamnée à perpétuité, avec une peine de sûreté de dix-huit ans, pour les meurtres, commis au nom de « l’anti-impérialisme », de Georges Besse et du général Audran. « C’est le tragique itinéraire d’une enfant issue d’un milieu bourgeois.

Elle vient d’une époque particulière, marquée par un bouillonnement révolutionnaire et utopique qui, chez certains, va aller au bout d’une logique folle », explique Catherine Vieu-Charrier, élue communiste et une des premières politiques à s’être préoccupées du sort des anciens d’AD. « Nous condamnons sans ambiguïté leurs actes, mais pourquoi leur demander leur repentir à eux quand on ne le fait pas pour Papon ou les anciens de l’OAS ? » questionne l’élue.
Reste le combat de demain, celui de la libération des autres membres qui continuent de vivre derrière les barreaux alors qu’ils peuvent accéder à une conditionnelle, que la justice leur refuse, depuis un an. Cela alors que l’état de santé de Nathalie Ménigon reste précaire après deux accidents cérébraux. Une pétition en ce sens a recueilli, le 21 février dernier (lire l’Humanité du même jour), près de 2 000 signatures.
S. B.

Rostos


São os desenhos destes rostos que faz um desenhador excepcional como é o Tó Lopes. Segundo ele diz no seu a estrada : «Rostos (ou caras ou faces). No Cahue, no Chá dos Cinco, à frente do 195 na Antero de Quental em dia de chuva e na passadeira da Rua do Brasil ao fundo das Alpenduradas.»
Era o melhor de nós todos em Coimbra, nos idos de 77 ou 78. A margem de uma alegria feita a rodos, em guardanapos de papel, em capas de livros da Grécia, em folhas soltas de apontamentos, o Tó desenhava, desenhava-nos, pintava, traçava linhas e conquistava espaços. Sempre de liberdade. Um abraço.

sexta-feira, abril 14, 2006

João Pedro Mésseder, dia 18 de Abril, na Universidade de Santiago de Compostela.


João Pedro Mésseder irá, dia 18 de Abril, à Universidade de Santiago de Compostela apresentar parte da sua obra escrita, junto com Anxo Tarrío Varela e Blanca-Ana Roig Rechou, tradutores de Abrasivas para a versão galega e professores na mesma universidade.

O programa da visita na USC será o seguinte:

Dia 18 de Abril – José António Gomes Encontro sobre a escrita de João Pedro Mésseder, na aula do Prof. Doutor Anxo Tarrío Varela (catedrático de Literatura Galega da Univ. de Santiago e tradutor, com Blanca-Ana Roig Rechou, de “Abrasivas”, Deriva Editores).
Um percurso auto-reflexivo, e ilustrado com leituras, pela obra do autor, dando destaque aos seus últimos livros publicados (“Abrasivas”, Deriva; “Elucidário de Youkali seguido de Ordem Alfabética”, Caminho) e com algumas incursões pelos livros para crianças (“Versos com Reversos”, Caminho; “Breviário da Água”, Caminho; “Palavra que Voa”, Caminho; “O Aquário”, Deriva; e outros).

Ainda a 18 de Abril – José António Gomes Palestra sobre Literatura Infantil em Portugal, em aula de curso de doutoramento da Profª Doutora Blanca-Ana Roig Rechou (catedrática de Literatura Infantil da Univ. de Santiago).
Uma breve visão diacrónica da literatura para crianças em Portugal; alguns “clássicos”; principais autores e tendências da segunda metade do séc. XX.

Divagar pelas Palavras, por Paulo Kellerman.


Paulo Kellerman inicia, hoje, uma colaboração que desejamos contínua no Deriva das Palavras. Escritor contido e profícuo (também no seu A Gaveta do Paulo) foi editado pela Deriva em Dezembro de 2005 com o Gastar Palavras. Esperemos que outras iniciativas e apresentações deste novo autor tenham lugar. Será bom sinal, embora o tempo teime em andar devagar, gastando e mastigando as palavras, até darem por ele. Necessariamente.

Estou a contar-lhe que me pediram um texto sobre um assunto complicado: a deriva das palavras. Ela sorri mas não diz nada. Alimento o diálogo à força de mais um pedaço de monólogo: e vou divagando sobre as minhas intenções de falar de um universo fantástico – o nosso: este – em que as palavras divagam monotonamente de boca em boca, de livro em livro, usadas como simples veículo, expressando sentimentos alheios, incapazes de se fazerem aceites apenas pelo seu valor intrínseco, impedidas de existirem por si, para si.
Depois, calo-me: não me apetece gastar mais palavras. Mas ela agita-se, inesperadamente. Olha-me, sorri. Diz: não concordo. Sorrio, agradado. Continuamos a sorrir intercaladamente, dividindo o silêncio.
Lá fora começa a chover. Farrapos cinzentos caem do céu, deslizam pelo vidro da janela. O tempo avança devagarinho, como se não tivesse para onde ir; ou talvez esteja simplesmente cansado, sei lá. E nós aqui: à espera.
Repete: não concordo. E o sorriso extingue-se.
Diz: não me parece que seja assim; as palavras não derivam pelo universo, em busca de quem as use, de quem lhes dê um sentido. Acho que não. Sabes o que são as palavras, para mim? Somas de letras. Nada mais, apenas amontoados de letras.
Penso um pouco no que acabei de ouvir. Espreito a curva do seu joelho e quase me levanto para lhe tocar, para o acariciar. Ouço a chuva.
Diz: sabes o que efectivamente deriva pelo mundo, em busca de um sentido, de uma concretização, de uma fuga? As ideias. Derivam, empíricas e abstractas, inexistentes: à espera. Pairam. O universo está repleto de conceitos, de vazios: à deriva. E um dia alguém pega numa destas ideias e concretiza-a em pensamentos, transforma-a em palavras.
Sorri.
Percebes? As palavras são fundamentais porque formalizam a ideia, concretizam-na. Mas não deixam de ser um instrumento, uma forma de expressão, uma explicação. Não achas?
Intensifica o sorriso.
E conclui: quando digo amo-te, que te comove mais? A palavra em si, as cinco letrinhas unidas - separadas pelo tracinho, ou o conceito de amor, de entrega e partilha, de complementaridade, que as letrinhas representam?
Não respondo, não é necessário.
Porque não te levantas e me acaricias o joelho? Sei que te apetece fazê-lo, sabes que gosto que o faças. E é uma outra forma de dizeres que me amas, sem que tenhas de gastar uma das tuas preciosas palavras.
Sorrimos. Em simultâneo.

Paulo Kellerman, Abril de 2006

Presença de Xavier Queipo nas I Literatura em Viagem. Matosinhos, dias 22, 23 e 24 de Abril.


Xavier Queipo, autor editado pela Deriva com o Bebendo o Mar (2003) e Os Ciclos do Bambu (Dez. 2005) vai estar presente nas primeiras Literatura em Viagem, encontro organizado pela Câmara Municipal de Matosinhos e que terão lugar nos dias 22, 23 e 24 de Abril de 2006. A sua mesa será dia 22, sexta-feira, pelas 18 horas e tentará responder ao tema (difícil, dizemos nós!) «Que Faço Eu Aqui?». A moderação (?) será feita por José Carlos Vasconcelos e acompanharão Xavier Queipo, Richard Zimmler e José Eduardo Agualusa. Noutras mesas, lá estarão o Eduardo Prado Coelho, Ondjaki, Mia Couto, Vergílio Alberto Vieira, Santiago Gamboa, Álvaro Siza, Vítor Quelhas e o Manuel Jorge Marmelo.

Mais uma iniciativa do Francisco Guedes a acompanhar com atenção, agora em Matosinhos.

sexta-feira, abril 07, 2006

Bretanha - A Lenda de Marie-Morgane


Lorsque la mer fut apaisée, le saint homme Guénolé, servi par le vieux Gradlon, voulut dire une messe pour le salut de la ville engloutie. Alors qu'il élevait le calice, surgit des eaux scintillantes, le torse blanc d'une fille aux cheveux de cuivre, un bras levé au ciel. Une lourde queue d'écailles bleues terminait son corps. C'était Ahès-Dahut, devenue Marie-Morgane. La main de Guénolé trembla si fort, que le précieux calice lui échappa et vint se briser sur les rochers. La messe ne fut point consommées, Is demeure maudite et Morgane sirène. Chaque fois que se montre Ahès, un orage terrible est bien près de crever. Un jour, le patron Porzmoger, avait mouillé sa barque en baie. Quand il voulut remonter l'ancre, il ne put parvenir à la décrocher. Il se dévêtit et se laissa glisser le long du filin. L'ancre était accochée dans las branches d'une croix dorée au sommet d'une église. Des cloche s'ébranlèrent, et il sombra le long de la tour. Par une fenêtre sans vitrail, il pénétra dans une nef illuminée où se pressait une foule fervente, et adossé à l'autel, un prêtre attendait Porzmoger. Le sacristain quêteur présenta au marin un large plat où s'entassaient des pièces d'or aux curieuses marques : "Pour les chers trépassés". Porzmoger n'avait pas un liard, il secoua les épaules, alors le prêtre ouvrit les bras et se mit à chanter : "Dominum vobiscum" . Puis une grande plainte monta de la nef, où les assistants devinrent cadavres livides et squelettes blanchis. La princesse vint au pêcheur : "Ne pouvais-tu répondre et cum spirit tuo, Porzmoger ! Tu nous aurais sauvés tous." A l'instant, il reconnut Marie-Morgane, et sut qu'il était dans Is. Il n'eut que le temps de remonter par la corde des cloches et le filin d'ancrage. A peine avait-il sectionné le filin et hissé la voile, que l'orage fantastique de la sirène creusait déjà les vagues autour de lui. Et la ville d'Is attend toujours que finisse, enfin, la messe de rachat.

Extrait de Légendes de la Mer de Pierre-Jakez Hélias

quinta-feira, abril 06, 2006

Entrevista com Antón Riveiro Coello, autor de As Rolas de Bakunine.


Com As Rolas de Bakunine, Antón Riveiro Coello ganhou o Prémio García Barros de Novela, nos idos de 2000. Não seria o primeiro, nem este foi o último. Entretanto este galego de Xinzo de Limia (muito perto da nossa «fronteira»), nascido em 1964, foi finalista do Prémio Torrente Ballester em 1998, obteve o Prémio Café Dublin, com o seu livro «Animalia» e o Prémio Álvaro Cunqueiro, com a ficção «Homónima». As Rolas de Bakunine não é só a construção literária do anarquismo galego, se é que existe um «anarquismo galego» para uma teoria política que recusa a identificação nacionalista ou regionalista. O interesse do livro está, para nós, no ambiente de efectiva luta e de construção de uma sociedade nova durante a Guerra Civil de Espanha. Como Antón pergunta na entrevista, duvidamos hoje ser capazes de deixarmos os nossos cómodos lares para lutar por um ideal como fizeram aqueles homens e mulheres da Galiza. Resta o ajuste de contas, afinal, com a História. Do mesmo modo que ela pode também entrar na nossa porta. Um livro a ler, portanto.


ALC - As Rolas de Bakunine exigiram-te um especial trabalho de investigação sobre o anarquismo na Galiza. Falaste com pessoas que viveram, de facto, os acontecimentos que descreveste no teu livro. Isso criou-te uma afectividade particular com essas pessoas?

ARC - Si, nun primeiro momento, houbo un fondo estudo da memoria escrita e despois un intenso traballo físico de investigación no que fixen un percorrido polas aldeas e falei con persoas nonaxenarias que me entregaron os segredos do seu pasado. E foi nesta altura, na revalorización da memoria oral, onde naceron os máis dos personaxes. E ese o único xeito que temos os escritores de vivir outros tempos e amorear esas memorias emprestadas para traballar sobre elas coma unha materia viva. Está claro que no camiño un fai moitos amigos e créanse certos vínculos de afectividade. De calquera xeito, cando volvo polos lugares da novela prefiro non preguntar por estes amigos que, debido á idade, van desaparecendo.

ALC - Ao ler o livro a impressão que nos dá é o enorme respeito que tens por indivíduos que deram tudo (inclusive a sua vida) pelo ideal anarquista. Mas, curiosamente, foges aos estereótipos comuns que estão assentes nas ideologias daquela altura. Há também um certo carinho pelos comunistas que neste processo são vítimas do franquismo e não inimigos do anarquismo como em Barcelona ou em Madrid, não?

ARC - A represión iguala as vítimas e calquera diferenza política que puidese haber entre comunistas e anarquistas perde a súa natureza unha vez se produce o alzamento fascista (aínda que non hai que esquecer que, mesmo iniciada a guerra, os comunistas teimaban na necesidade de poñer freo á revolución para gañaren primeiro a guerra, mentres que os anarquistas estaban convencidos de que gañaren a guerra e faceren a revolución eran dous termos inseparables dentro do esforzo bélico republicano).
Con todo, a admiración por esta xente que loitou pola liberdade e a igualdade é unha admiración grande. A eles debémoslles moito. E, aínda que hoxe se pretende relativizar os méritos, non sei cantos de nós estariamos dispostos a abandonar as nosas familias e as nosas casas por uns ideais. Nin eu estou tan certo de me botar ao monte, como fixeron moitos. A distancia moitas veces fainos crer que o heroísmo está ao alcance de todos e non sempre é así. Por iso, a miña admiración por todos eles arrastra un sentido agradecemento dentro da novela.

ALC - Certos autores, inclusive aqui em Portugal, defendem que não houve guerra civil na Galiza, mas sim pura e simples repressão franquista. Penso que o teu livro dá-nos a ideia de uma luta de guerrilha em pequenos grupos (um deles de Dóldan) e que foram facilmente presos. Concordas com essa posição?

ARC - Si, concordo totalmente. En Galicia a guerra, en sentido bélico, non durou máis de dúas semanas. Despois viría a dureza da represión, que estendeu os seus xuízos sumarísimos a todos aqueles que apoiaran, sobre todo, a causa republicana. A súa acusación era, curiosamente, de “rebelión militar”. E é certo que os fuxidos que se botaron ao monte, entre eles, moitos anarquistas, organizaron unha dispersa loita de resistencia formada por guerrillas. De calquera xeito, na miña novela os movementos de Camilo e mais dos seus amigos prodúcense no ano 1934, logo dos graves acontecementos de Asturias. Estes asaltos e sabotaxes dos meus personaxes son feitos históricos que aparecen nos documentos e nos periódicos da época. O único que fixen nestes casos foi darlles un verniz literario e miralos con ollada de cámara para conseguir a maior obxectividade posible.

ALC - Estes homens e estas mulheres foram anarquistas até ao fim. Mesmo depois de emigrarem, de sairem da Galiza (e voltarem), mantiveram-se fiéis aos seus ideais. O que deixaram eles na sociedade galega de hoje?

ARC - Eu sempre digo que esta novela nin é unha novela do anarquismo, nin da guerra civil. É fundamentalmente a historia dunha xente que, a pesar das continxencias históricas, foi capaz de atravesar case un século mantendo as súas ideas intactas. E ese é o seu mérito. Despois poderemos estar de acordo con eses ideais ou non, pero non nos queda outro remedio que respectalos. O que si estamos obrigados a admirar nestes militantes e nas bases do anarquismo é a súa visión racional do mundo e mais a convicción de que a ignorancia é incompatible coa liberdade. Non houbo ningún movemento obreiro que lle dese tanta importancia á cultura como llo deu a CNT. Ser anarquista era toda unha filosofía de vida. Reuníanse nos ateneos, asistían a conferencias, aprendían a ler, non descoidaban o contacto coa terra, e promulgaban aquelas fermosas palabras de liberade, solidariedade, fraternidade... Cecais ese desexo de instrución para seren libres foi unha das pegadas que os anarquistas deixaron na sociedade galega.

5 de Abril de 2006

quarta-feira, abril 05, 2006

Entrevista a Xurxo Borrazás, autor de Ser ou Não.


Fixem este nome: Xurxo Borrazás. Provavelmente desconhecido para a maioria dos leitores e dos bloggers. Xurxo é da Galiza, mais propriamente de Carballo e nascido em 1963. Dele conheço a excelente novela «Eu é», assim mesmo, cujos protagonistas se aventuram a horas tantas pelo Porto. Li também «Criminal», salvo o erro, segundo livro dele. Conheci-o pessoalmente num encontro de escritores galegos e portugueses lá para os lados de Vila Nova de Cerveira, apresentado pelo sempre amigo e editor da Galaxia, Carlos Lema. Silencioso, não enganava os outros - tratava-se de um observador compulsivo das pessoas que o rodeavam. Simpatizei logo com ele. Esta entrevista prova o excelente escritor que é e de como se empenha na literatura. Faz dela vida, como poucos. Não resisto a transcrever um excerto do Ser ou Não, há pouco editado pela Deriva e que tem tradução rigorosíssima de Isabel Ramalhete:

«As relações dos homens com as mulheres são uma fonte inesgotável de enigmas, um poço sem fundo. Têm-no dito os intelectuais que eu admiro. Estão incluídos os misóginos, a aristocrática maioria dos filósofos, literatos, cientistas, políticos, médicos, artistas, que encheram obras e tratados, formaram a nossa tradição cultural e modelaram a nossa ideia de razão. No poço sem fundo eles viam um abismo lamacento ligado ao inferno, a desculpa alheia para as próprias misérias. Não ser misógino sendo culto constitui um mérito. estes apologistas do sexo fraco nem consideraram que há mulheres e mulheres nem devem ter nascido de uma mãe.»

Ser ou Não, pág. 72, Deriva Ed. 2006, trad. de Isabel Ramalhete.

ALC - Xurxo, estás de acordo que este teu livro é polémico? Tiveste essa noção quando o escreveste? Procuraste a polémica ou o que está lá foi aquilo que sentiste que devia ser dito, desafiando a tua própria liberdade de escritor, não olhando a peias, a obstáculos criativos ou, talvez pior, a qualquer processo de auto-censura?

XB - As dimensións do campo literario galego son pequenas. É por iso que falar de libros polémicos é un tanto pretencioso. Se nos estivesemos a referir a un sistema literario amplo, ou normal, entón si, entón seguramente sería un libro case escandaloso, creo que sen motivo. Non tanto porque eu o procurase como porque non me autocensurei ao escribilo. Simplemente con evitar chamarlle ás partes do corpo polo seu nome e con que o sexo das personaxes principais fose o contrario, deixaría de ser escandaloso. Pouco escándalo é ese.

ALC - O livro é extraordinariamente bem escrito (e isto é a minha opinião) e releva para um campo já não muito usual da escrita, digamos, «actual». A sinceridade brutal e cruel que existe sempre entre duas pessoas que constroem uma relação obsessiva. Tens essa noção? Que pretendem as duas personagens da vida? De eles próprios?

XB - A relación entre as dúas personaxes protagonistas é obsesiva por parte do home. Tanto no home coma na muller é unha relación baseada no desexo. Non é tanto un romance de sexo explícito coma de exploración do desexo. Entre as personaxes flúe o desexo reprimido durante décadas, e iso é explosivo. Ambos teñen que tirar a máscara do pasado e a da idea que teñen de si mesmos: a realidade material imponse a outro xeito de vida que consiste en construir a realidade a base de abstraccións encadeadas. O fluxo do desexo é máis forte cá propria satisfacción do desexo.

ALC - Ser ou Não é atravessado por uma ironia cortante. Comovemo-nos com a solidão pesada das personagens e rimo-nos com algumas situações construídas na tua obra, principalmente nos diálogos para a atribuição de um prémio literário ou nas elucubrações comuns de um viciado na net. Utilizas a ironia como uma faca que agride as pessoas. O leitor sai cansado de sentimentos confusos. Dás-te conta?

XB - Son os lectores que teñen unha relación máis "profesional" ou máis ligada á institución literaria e á tradición os que achan a miña escrita, especialmente neste romance, como impactante. Moitos outros, os máis desprexuizados... non moral senón culturalmente, áchana fundamentalmente divertida. Ás veces o meu emprego do humor ou da ironía, é certamente agresivo: é o lado non social da persoa, os sentimentos e os soños non refreados pola educación. Entendo que algúns lectores se sintan feridos. Eu procuro escribir coma se os lectores non existisen.

ALC - Utilizas uma ironia ácida para as ancestrais figuras da cultura galega e mesmo para o galeguismo. Tenho de perguntar-te se isso corresponde a qualquer posição política que assumiste como autor ou é fruto de uma evidência de uma personagem «não-alinhada» com ninguém... e que não existe realmente. Só existe no Ser ou Não.

XB - Un ás veces pásase de irónico, ou carece do talento para explicarse ben. O que eu buscaba no romance era basicamente unha crítica aceda do nacionalismo españolista, non do galeguista. Por iso o personaxe principal, do que saen as críticas ao galeguismo, é un tolo paranoico. Eu, coma calquera autor, formo parte das contradiccións do galeguismo e da cultura galega. E síntome perfectamente aliñado nun galeguismo máis radical có actualmente presente nas institucións. O que non aturo son as tendencias homoxeneizadoras e reducionistas dos partidos políticos ou das institucións culturais. A miña idea da cultura é libre e independente.

4 de Abril de 2006.

segunda-feira, abril 03, 2006

O Anjo do Desespero, de Heiner Müller

Eu sou o anjo do desespero. Com as minhas mãos distribuo o êxtase, o adormecimento, o esquecimento, o gozo e dor dos corpos. A minha fala é o silêncio, o meu canto o grito. Na sombra das minhas asas mora o terror. A minha esperança é a primeira batalha. Eu sou a faca com que o morto abre o caixão. Eu sou aquele que há-de ser. O meu voo é a revolta, o meu céu o abismo de amanhã.
Ich bin der Engel der Verzweiflung, Heiner Müller, 1979. Trad. portuguesa de João Barrento, Relógio d'Água, 1997, ed bilingue.

domingo, abril 02, 2006

Parabéns ao Pedro Correia, pelo VI Prémio de Fotojornalismo


Foto de Pedro Correia para o Gente que Dói.
Donostia/San Sebastian - 26/Fev/2004, Nikon D1X

Parabéns ao Pedro Correia pelo VI prémio de fotojornalismo da Visão/Bes. Para nós, aqui no Deriva das Palavras, vai um abraço cheio de sentido para quem colaborou nas excelentes fotos que acompanham o Gente que Dói de Vítor Pinto Basto, editado pela Deriva, no ano passado, e que fizeram parte de uma reportagem sobre o País Basco. Matéria que deve ser acompanhada nos tempos que que correm, onde muito se tem dito e, às vezes, mal dito. Conheça-se o País Basco, o Euskadi, entenda-se o desejo de liberdade e independência dos bascos, sem medos ou peias de alguma espécie. Desconfie-se dos que têm o direito nas mãos, o poder, a imprensa, o dinheiro e forme-se uma opinião independente e bem-formada sobre esta luta que tem de ter fim. Queira o estado espanhol manter a palavra. Um excelente prefácio de Rui Pereira.

De entre 204 fotógrafos, com 5.815 fotografias, Pedro Correia vence, também, na categoria «Reportagem», com oito imagens a preto e branco tiradas durante o cortejo fúnebre do agente Paulo Alves, 23 anos, um dos três polícias mortos em serviço na Amadora, a 20 de Março de 2005.
Gente que Dói - O conflito basco por quem o vive.
de Vítor Pinto Basto
Prefácio de Rui Pereira
Fotos de Pedro Correia
Deriva Editores, 2005

A Deriva das Palavras, de João Pedro Mésseder.

João Pedro Mésseder, 21 de Março de 2006.
– Quase todas as palavras derivam de outras palavras e, das primeiras, outras novas faço derivar. Nesta permanente deriva me justifico. Melhor: justifico verbalmente a deriva que me desvia dos que preferem não derivar, dos que só gostam de ser como… palavras primitivas. É que, ou muito me engano, ou os senhores (ao contrário dos servos da gleba) nunca morreram de amores por prefixos, sufixos, aglutinações, justaposições ou… amálgamas (mots-valises dizem os gauleses).
(Por enquanto é quase só letra, ou melhor, palavras. Mas a deriva, bem entendido, também dá para, no momento certo, poder inventar outra palavra. Das compridas: atlovaiemàsoahnapaetnega.)
– Onde guardaste o espelho?


Palavras

Quando inclino, pouso
o aparo e as escrevo,

aguardo que delas se
desprenda alguma coisa

e se perca na roleta
translúcida do ar

até na casa certa
se deter.