sábado, dezembro 31, 2022
100 anos da URSS
quinta-feira, dezembro 22, 2022
«Mortos ou Coisa Melhor», de Violeta Hernando
Por uma questão de respeito para com uma turma em que debatemos o livro, após um amigo de um deles ter morrido a fazer mosh do 1º balcão para a plateia num concerto de uma banda heavy metal, não vos direi a reação deles. Mas sei que o livro andou de mão em mão.
Agora bem perto da reforma, olho para trás e vejo-os, a essas turmas, e provavelmente, neste momento, com os seus 40 anos, a viverem num outro tédio, num outro espelho, talvez tatuados/as com as suas lembranças na pele. Alguns não sei se sobreviveram. Esses são os que nos fazem lembrar que não ultrapassámos tédio nenhum, muito menos revolucionário. Não tenho tatuagens visíveis no corpo. Nunca as fiz, o que não quer dizer que não as tenha comigo.
«Cães de Caça», de Jorn Lier Horst
quarta-feira, dezembro 14, 2022
«Floresta é o nome do Mundo», de Ursula K. Le Guin
segunda-feira, dezembro 12, 2022
«Cabaret Vian» recital da Escola da Noite nos seus 30 anos
«Betão - Arma de construção maciça do capitalismo», Anselm Jappe
quarta-feira, dezembro 07, 2022
«Objetos Cortantes» de Gillian Flynn
Bocejos - **
segunda-feira, novembro 28, 2022
«Andanças com Heródoto», de Ryszard Kapuscinsky
quinta-feira, novembro 24, 2022
«Aniquilação», de Michel Houellebecq
quarta-feira, novembro 23, 2022
A solidariedade com Mamadou Ba a crescer. «Eu escrevi»...
Quando tentamos perceber a dimensão do racismo em Portugal temos de encontrar múltiplas respostas começando pelo óbvio: Portugal é um país em que o racismo se encontra em rédea solta e tem meios para se difundir e alargar nos seus variados aspetos. Entre eles, e por arrasto, a misoginia, a homofobia e a xenofobia. Portugal foi um Império de que muitos, mas mesmo muitos, têm saudades. Do grande, do enorme império cujos maiores lucros iam direitos para as grandes potências ocidentais que pilharam sem escrúpulos continentes inteiros. Portugal foi esclavagista. Portugal foi inquisitorial, instilando medo e respeitinho. Portugal foi ditatorial. O Estado português prendeu, torturou, matou por encomenda. Portugal foi Pide, foi Tarrafal, foi Caxias e Peniche. Portugal foi fascista. Portugal gosta e respeita a autoridade e o autoritarismo. Que rasto deixa este espelho? Uma imagem ligeiramente deformada pela existência de uma democracia que ainda não aprendeu que os limites da liberdade estão a ser ultrapassados há muito. Mamadou Ba vai a tribunal pelo vazio que é preenchido somente por ódio puro. Um nazi acha-se no direito de o colocar em tribunal por incentivo ao ódio, quando Mário Machado, ele próprio, cujo currículo de violência fascista não deixa enganar ninguém – só a um juiz sobejamente conhecido pelo seu narcisismo justicialista – está enterrado até aos ossos em crimes de sangue, entre os mais conhecidos, a morte do cabo-verdiano Alcindo Monteiro. Assim se faz a justiça em Portugal. E porque se deixa fazer este tipo de justiça em Portugal, quando seria impensável acontecer em países da mesma Europa a que este país diz pertencer? Porque existe um racismo de características cobardes: o que diz que Mamadou Ba se pôs a jeito, que procura a violência, que é racista contra os brancos… Este tipo de racismo não deixa de ser o mais perigoso, porque não separa as razões de um e de outro, do oprimido e do opressor, não explica o que faz Mamadou Ba ao invetivar um passado no mínimo questionável, porque teima em não descolonizar, porque persegue fantasmas do antigo império e os deixa soltos para o que vier ainda aí, porque se diz afável e dialogante, democrata, limpo, puro. No entanto, ele suja-se. Como agora, concordando em privado ou mesmo em público, com bonomia e olhos para o céu, com a ida a julgamento de Mamadou Ba provocada por um nazi que «em democracia» diz ter igualmente direitos. Direito de apontar alvos para a morte, direito de espancar, direito de sequestrar, direito de difamar e de mentir. Este tipo de argumentação delicodoce do «eu não sou racista, mas…» foi o que levou Mamadou Ba a julgamento. Não foi Mário Machado e o seu discurso peripatético de chamamento ao ódio. É o vazio, o vazio do chamado «centrão democrático» difícil de combater exatamente por ser vazio, que leva um lutador antirracista e antifascista à barra do tribunal. São estes que levam Mamadou Ba a defender-se de um nada oco que ainda assim consegue ir buscar à extrema-direita «argumentos» pensando que, algum dia, a manipularão. Terreno perigoso, muito perigoso, este.
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António Luís Catarino
professor
quarta-feira, novembro 16, 2022
«Catastrophisme, administration du désastre et soumission durable», de Réné Riesel e Jaime Semprun
quinta-feira, novembro 10, 2022
Just Stop Oil. Provavelmente indignámo-nos cedo demais
Provavelmente indignámo-nos depressa demais. Apresento-vos Phoebe Plummer uma das activistas responsáveis pela Just Stop Oil. Por mim, caros amigos, é possível que me tenha insurgido contra a «destruição» de obras de arte, enquanto me deliciava com o que lia sobre os dadaístas, os futuristas russos e italianos (em planos diferentes, é certo) e também com os primeiros surrealistas acerca da destruição da arte. Malevich, em 1931 escrevia aos Sovietes para acabarem com todos os museus. Marinetti dizia que um automóvel era mais belo que a Vitória de Samotrácia! Um dadaísta tentou incendiar Nôtre-Dame e depois tornou-se frade! No Maio de 68 fez-se BD com originais de Velásquez. Há inúmeras acções niilistas contra a arte que entretanto muito padece, como todos sabemos. Alguma arte contemporânea é merecedora de um prato de feijoada azeda. Portanto, estes jovens nem sequer destruíram nada; supostamente riscaram uns vidros que protegiam as obras de arte e uma sopa não estraga nada. É possível que haja até simpatia pela causa. Por mim, que me apanhei nas teias da minha própria contradição, ajudado por uma reflexão em forma de OrAcção pela manhã (a pessoa sabe do que falo) não proibia somente a extracção de petróleo. Proibia igualmente a extracção do gás e do carvão. É que mudar de vida é mesmo possível. Ou a tal autoestrada para o inferno existe mesmo e estamos todos a olhar para brincos de pérola?
«Um Adeus aos Deuses» de Ruben A.
domingo, novembro 06, 2022
«Depois da Lei», de Luhuna Carvalho
sábado, novembro 05, 2022
«Arte em Fluxo», de Boris Groys
«A Princesa de Gelo», de Camilla Läckberg»
sábado, outubro 29, 2022
«Clavicórdio» de Andreia C. Faria
quinta-feira, outubro 27, 2022
«Origem», de Dan Brown
Daqueles livros de bolso que servem para passar um bom bocado. A trama é bem desenhada. Numa Espanha que ainda não se libertou dos seus fantasmas, isto é, da guerra civil e da ditadura franquista, a Igreja católica ultra-conservadora tenta por todos os meios impedir a divulgação de uma descoberta da origem de uma vida física que se libertava da criação teosófica das religiões. O impacto seria igual, se não maior do que as descobertas de Pitágoras, Galileu, Copérnico ou Darwin. A resposta à questão «De onde vimos? Para onde vamos?» é o mote que nos avassala o espírito há que séculos! O assassínio do cientista Edmond Kirsh, que se propôs desvendar este pequeno grande mistério, vai desenvolver uma catadupa de acontecimentos que já vimos reproduzida no cinema em Código Da Vinci e Anjos e Demónios. Algumas coisas serão inverosímeis, é certo, mas a lógica científica é bem elaborada e as teorias da conspiração são uma realidade a que não poderemos fugir conhecendo, como conhecemos bem, as redes sociais e a prática dos media. Lá vemos o Professor Langdon e uma bela directora do Museu Guggenheim de Bilbau em maus lençóis mas que saem não totalmente vencedores e com a certeza científica de estar vivos. Nascemos nós por geração espontânea da sopa primordial da Terra, há 4 mil milhões de anos, a partir de um corpo unicelular que, através da dispersão da energia do sol, foi formando uma espiral de moléculas que por sua vez levou ao aparecimento e desenvolvimento ADN dos seres vivos? Et pourquoi pas? O pior não é saber de onde vimos; o pior, mesmo, é saber para onde vamos e a perspectiva sombria de que o Homo Sapiens vai dar lugar ao Homo Technius em que a Inteligência Artificial absorverá toda a nossa vida. Nada que não nos admiremos muito, mas até um escritor tem a imaginação limitada o que não acontecerá certamente a robots especializados em gerar policiais inimagináveis a ganhar todos os prémios em festivais literários e a ganhar milhões que distribuirão, com fervor altruísta, para o incremento do capitalismo verde. 700 páginas prós amigos, mas não cabe num bolso, como é evidente.
JORNAL MAPA: Coimbra: uma metáfora esquisita num país esquisito: o massacre de 663 árvores à vista de todos
Coimbra: uma metáfora esquisita num país esquisito: o massacre de 663 árvores à vista de todos
SÁBADO, 22 OUTUBRO 2022
As obras do Metro Mondego, um elétrico articulado que se propõe circular na cidade de Coimbra e chegar a Semide, passando por Ceira, Miranda do Corvo e Lousã, ameaçam abater 663 árvores no seu trajeto. O mesmo trajeto que um comboio assegurou durante dezenas de anos e que, sem ser articulado, não precisou de abater árvores nenhumas.
No dia 9 de julho de 2022, Coimbra atingiu um recorde notável: ultrapassou os limites de ozono que podem causar sérios problemas de saúde aos seus habitantes. Podia ler-se no Jornal Público que «a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Centro informou que na estação do Instituto Geofísico do concelho de Coimbra foi registada uma concentração média horária de 188 microgramas por metro cúbico de ozono no ar, afetando quem se encontra nas freguesias de Almedina, Santa Cruz, São Bartolomeu, Sé Nova, Eiras, Santa Clara, Santo António dos Olivais e São Martinho do Bispo», isto é, na maior parte da cidade. Arredondando levemente o problema, aconselhavam a que não se fizesse exercício físico ao ar «puro» (que é como quem diz!). Afinal, não eram só os «vulneráveis» que estavam em perigo, como dizia o comunicado da CCDR do Centro. Repentinamente tornámo-nos todos vulneráveis: éramos todos velhos, crianças e portadores de doenças graves. Isto não é novo numa cidade virada exclusivamente para o automóvel que é dono e senhor das vias apertadas e das avenidas onde se acelera muito para além dos 40 ou 50 km/h, em que os peões são tidos por inimigos e os ciclistas são vistos como seres anormais que devem ser apertados e apartados das estradas e vias urbanas. Por isso apita-se, insulta-se e manobra-se contra o peão e o ciclista. As ciclovias, com alguns troços partilhados com peões, são um perigo porque se partilham igualmente com automóveis em dois sentidos, têm curvas a 90 graus e escorredores pluviais onde se enfaixa com facilidade um pneu de bicicleta. Azar para o ciclista! Tal como o estacionamento: caótico é pouco para o descrever como, aliás, pode atestar quem conduz um carrinho de bebé, uma cadeira de rodas, seja ela mecânica ou elétrica, ou mesmo os estudantes com os carrinhos fanados nos supermercados completamente ébrios de praxe e de álcool marado.
O ICNF e os massacres de inverno e de verão
No início de 2021, a senhora responsável pelo ICNF convoca os jornalistas para a Mata do Choupal. Eles comparecem. Logo a seguir a senhora fala e eles ouvem. Proclama, na sua pusilanimidade, o vigoroso Plano de Recuperação da Mata do Choupal que, para admiração de muitos dos seus utentes, não necessitava de plano nenhum, muito menos de recuperação. Mas, sendo um espaço verde e havendo o dinheiro do PDR para gastar, havia que solucionar um problema inexistente. Anunciam-se 98 mil euros e a plantação de 5000 árvores cujas espécies a senhora não soube identificar, nem tampouco a sua numerosa comitiva. Até hoje não se sabe que espécies eram, mas plantaram-se em março, mesmo com avisos sérios de que as árvores não iam aguentar serem plantadas em plena primavera. Hoje o Choupal mirrou. As plantas secaram e a erva rasteira vingou abafando as plantadas. Ficaram as canas espetadas que as haviam de suportar e grandes clareiras. Por falar em canas, outra das matas mais conhecidas de Coimbra, Vale de Canas, também teve a sua intervenção podando à toa, desmatando e, até certo ponto, impedindo a sua regeneração natural. Aliás, as podas de árvores completamente dementes são um ex-libris das autarquias da região de Coimbra, ainda que obriguem a regas e enormes gastos de água que não aconteceriam de outra forma. Também os relvados caríssimos e de regas constantes pertencem a um novo-riquismo conimbricense que, como é evidente, não se revê em ervas naturais que não necessitam de água e que alimentam abelhas e outros insetos que não são nocivos. Sobre este aspeto, leia-se o agrónomo Vasco Paiva que tem denunciado sistematicamente a política incompetente das várias câmaras da região de Coimbra: «Em Coimbra existiam muitas plantas espontâneas de sabugueiro que foram erradamente eliminadas em ajardinamentos públicos. Chega-se ao disparate de se eliminarem muitas plantas e flores silvestres espontâneas porque acham que é preciso limpar… Exemplos de espécies nativas para os nossos jardins? Aqui vão alguns: alecrim, alfazema, erica, madressilva, medronheiro, murta, pascoinhas, pilriteiro, rosmaninho, sabugueiro e tantas outras. Já imaginaram os cheiros, as cores, as pequenas aves que se vão alimentar dos seus frutos?».
É evidente que para o poder autárquico isto é completamente absurdo. Os relvados e os vasos de flores com as cores da bandeira em rotundas da cidade são muito mais tocantes na psique dos automobilistas e dos funcionários da câmara.
No dia 9 de julho de 2022, Coimbra atingiu um recorde notável: ultrapassou os limites de ozono que podem causar sérios problemas de saúde aos seus habitantes. (…) Arredondando levemente o problema, aconselhavam a que não se fizesse exercício físico ao ar «puro» (que é como quem diz!).
Entra em cena a novel Câmara de Coimbra
A Câmara de Coimbra tem como presidente José Manuel Silva, que capitaneou a coligação «Juntos Somos Coimbra». Logo antes das eleições, um terço dos seus membros independentes saíram para dar lugar a um verdadeiro albergue espanhol que já apontava, por isso mesmo, para uma espécie de ditadura pessoalista e presidencialista. A coligação tem apoios do PSD, CDS, Nós Cidadãos, RIR, PPM, Aliança e Volt. Sete partidos que na maior parte não conheciamos nem tinhamos ouvido falar e que arredaram um PS arrogante, igualmente pessoalista e incompetente. Mas não nos fixemos na política partidária, embora ela explique esta propensão do senhor ex-bastonário da ordem dos médicos para se olhar a si próprio como imprescindível na corrida para uma cidade em vias de sufocar ainda mais.
Vale a pena fixarmo-nos no Diário de Coimbra de 23 de setembro (o abate de árvores iniciou-se a 12!) para conhecer os autos de consignação e o protocolo de todas as obras do Metro Mondego inseridas no Sistema de Mobilidade do Mondego (SMM), em que a Metro Bus apresentará um «elétrico articulado» que irá «servir» a cidade e que chegará a Semide, passando por Ceira, Miranda do Corvo e Lousã, tal como um comboio o fez durante dezenas de anos, servindo populações diariamente até interesses inconfessáveis o terem banido, levantando as linhas e deixando as populações à mercê de um serviço rodoviário com estradas repletas de centenas de curvas e muito mais morosas! A verdade é que, nessa ocasião, se constituiu uma empresa durante perto de 30 anos que serviu para nada fazer em prol das pessoas, mas mais que pródiga em ordenados chorudos de ceo’s que se iam alternando conforme os interesses partidários.
Ora, o presidente da câmara de Coimbra resolveu apresentar o plano no único barco turístico do Mondego como o nome muito acertado de «Basófias» (!!), chamando os jornalistas com pompa e circunstância, não fosse o facto anedótico de o barco encalhar em plantas aquáticas invasoras que se meteram no sistema de propulsão do barco! A planta (qual metáfora embainhada a tempo) é a elódea-africana que coloca em risco toda a biodiversidade autóctone do rio e das margens. Mas o projeto não encalhou, tal como a dobragem do Cabo Bojador. O abate de árvores não estava comprometido, portanto.
O massacre dos plátanos
No dia 6 de setembro, o Jornal Público noticiava que Coimbra iria abater 5 plátanos centenários junto ao Parque Manuel Braga, no centro da cidade. Esse corte aconteceria seis dias depois. Imediatamente, algumas dezenas de cidadãos protestaram no local apresentando um plano alternativo a um «elétrico articulado» cujo traçado abateria não só os 5 plátanos centenários, alguns de 30 metros, mas também 663 árvores no novo traçado até Semide, na chamada Linha da Lousã. Veríamos, mais tarde, que já se tinha perdido a conta às árvores abatidas dentro da cidade e por todo o lado. As pessoas perguntavam-se por que razão um elétrico que é articulado necessitava de massacrar tal hecatombe de árvores, quando anteriormente um comboio não articulado nunca tinha estado em conflito com qualquer árvore nesse mesmo traçado. A resposta aos cidadãos que apresentaram à SMM um plano que evitaria este verdadeiro crime (não sabemos ainda, nesta fase, se é ou não um crime ambiental) foi abismal, segundo o mesmo jornal: «A Sociedade Metro Mondego (SMM) olhou para a proposta de quem queria evitar o abate de cinco árvores de grande porte na avenida Emídio Navarro, estudou uma alternativa e concluiu que nada muda em relação ao plano inicial.» A SMM «olhou» e disse «não!». Mais tarde, com uma contestação fraca e muito localizada, estando já em campo a ClimAção Centro, a empresa pública dá mais umas achegas: é «facilmente constatável» que a proposta do movimento resultaria em «externalidades e implicações que se traduzem no abaixamento expressivo dos padrões de qualidade do projecto». Não se percebendo de imediato o que é «facilmente constatável», as «externalidades» eram tão só a interferência com uma estação de gasolina no local e com uma estação elevatória das Águas do Centro Litoral em construção. Já antes, no dia 6 de setembro, a Agência Lusa tinha dado conta das verdadeiras razões da recusa da SMM, que jurava a pés juntos que queria um traçado verde mas que era obrigada ao abate. Qual a razão? «Alterar projetos consignados e em fase de execução tem implicações extremamente penalizantes em termos de financiamento, as quais podem levar à sua inviabilidade e encerramento definitivo». Portanto, o caso que acredito ter chocado e até comovido milhares de cidadãos ao ver, no dia 12, as motosserras a cortar os primeiros cinco plátanos de muitos que hão de vir ao chão, é que as prioridades financeiras estão à frente de qualquer motivo verde, ainda por cima com as alterações climáticas existentes e que nos levam a temperaturas recorde.
A ClimAção tenta agir
Pode dizer-se que a ClimAção Centro tem sido a única entidade em Coimbra que se opõe a esta verdadeira desgraça, a um crime que ainda não está configurado e a que os responsáveis se esquivam de uma maneira canhestra, ora dizendo que a responsabilidade é da SMM, da presidência da câmara ou da Infraestruturas de Portugal. Afiançamos aos leitores que cada uma destas instituições fala por si, ou astutamente combinadas, e, de facto, a ClimAção que tenta uma oposição eficaz conflitua com esta fuga à responsabilidade por parte de quem é culpado desta hecatombe arbórea.
Coimbra cidade-dormitório. Ela dorme, o capitalismo verde sossega-a.
Coimbra não contesta. Coimbra é uma enorme cidade-dormitório. Literalmente. Coimbra não tem estudantes contestatários, embora de vez em quando clamem por Greta Thunberg. Preocupam-se com as praxes, mais do que com os crimes que lhes passam pelos olhos. Os conimbricenses olham pelo seu umbigo, levando o seu corpo a ginásios que se multiplicam, pela sua imagem, pela sua cátedra e pelos seus serviços públicos e privados. Coimbra é a sua universidade fechada e menoscabada. Coimbra preocupa-se com os seus automóveis e com as pistas de velocidade em que transformaram as vias rodoviárias. Coimbra expulsou os operários das suas fábricas. Agora expulsa a natureza. Coimbra exulta a sua decadência.
Chega a ser comovente ver a desmotivação dos que mais ativamente se opõem a esta ação da SMM, do presidente e da IP, não reparando sequer que a oposição institucional da Câmara vai apelando aqui e ali para que não se faça o abate indiscriminado de 663 árvores. O papel da oposição institucional é exercer esse combate, ténue é certo, mas o mais importante, e é isso que muitos ingénuos e ingénuas não compreenderam ainda, é ver o Metro a andar! Com árvores abatidas ou sem elas, o importante é que em 2024 o Metro Bus, esse «elétrico articulado» que não se consegue articular com as árvores, comece a funcionar. Estaremos nas vésperas de mais umas eleições autárquicas e a coisa tem de render votos, puxando para si o «progresso» baseado no capitalismo verde.
O caso que acredito ter chocado e até comovido milhares de cidadãos ao ver, no dia 12, as motosserras a cortar os primeiros cinco plátanos de muitos que hão de vir ao chão, é que as prioridades financeiras estão à frente de qualquer motivo verde.
Uma câmara maoísta?
Lembrar-se-á a campanha levada a cabo por Mao e que acabou mal – «Que mil flores desabrochem! Que mil escolas de pensamento floresçam!» -, mas o comunicado de 5 de agosto de 2022 da coligação camarária é de um mau gosto e de uma demagogia que configura inclusive uma impossibilidade real em que só os mais incautos podem acreditar. Esse comunicado promete que a CM de Coimbra e a SMM chegaram a um acordo: por cada árvore abatida, três florescerão! As contradições são tantas que não podem caber no espaço deste artigo, mas sobressaem estas, socorrendo-me agora de algumas perguntas que o agrónomo Vasco Paiva coloca na sua página de Facebook a 10 de setembro: «Outra falácia é de que vão substituir cada árvore abatida por três novas! Claro que uma árvore adulta (algumas centenárias) de elevado porte e de larga copa não é substituível por jovens plantas ou árvores que, no máximo, terão 2 ou 3 metros de altura. Quantas décadas serão necessárias para atingirem a mesma dimensão e cumprirem os meus serviços ambientais (despoluição, fixação de carbono, sombra, abrigo para pássaros ou outros animais)? Outra falácia: Segundo foi afirmado na comunicação social, e não desmentido, está previsto o abate de cerca de 600 árvores. No Plano, apresentado pela “Metro Mondego” à Assembleia Municipal, intitulado “Plano para o Reforço da Estrutura Arbórea”, está prevista a plantação de 1.326 árvores, sendo 151 em 2022; 575 em 2023 e 600 em 2024. Alguém me explica como é que 3 x 600 não são 1.800?»
As razões da anestesia conimbricense e o modo sempre pacífico de a contrariar: o bystander effect!
Perante a pobre contestação que se tem vindo a observar, a universidade socorre-se da Psicologia, não fosse Coimbra propagandeada como a cidade do conhecimento! No dia 19 de setembro, no site CoimbraCooletiva, e adivinhando já a desmotivação e abandono da contestação ao crime que se evidencia cada vez mais, a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra coloca aos cidadãos as seguintes perguntas: «Por que é que as pessoas boas ficam paradas e não lutam a favor do que defendem? Como é que deixamos que se destrua património, como zonas verdes, lamentando e criticando mas não fazendo nada? A psicologia chama-lhe efeito do espectador e tem cura»; e ainda «o bystander effect é o fenómeno onde a difusão da responsabilidade («os outros fazem…») e o medo do risco envolvido (ficar mal visto, perder emprego, ser criticado, ser preso…) leva à inação por parte de pessoas que poderiam rectificar a situação». Qual é a cura, então? A resposta que vai levantar em peso a população conimbricense é esta: «É para contrariá-lo que o InterDito se junta hoje à Secção Experimental de Yoga da Associação Académica de Coimbra, ao Encontro da Paz e a quem na comunidade também estiver preocupado com o abate de árvores no centro da cidade numa manifestação pacífica, sob a forma da criação de cordão humano».
É evidente que a cidade está perdida, as suas árvores estarão condenadas a morrer pelo crime de existirem e colidirem com interesses financeiros públicos, privados e de fundos europeus. No entanto, quer-nos parecer que a anestesia de uma franja muito significativa da população da cidade que vira literalmente as costas a este crime, ainda que com algumas lágrimas (de crocodilo?), tem um carácter local muito vincado. Fica por perceber como é que não houve providências cautelares contra o abate enquanto se apresentavam alternativas concretas, assim como mais apoios no país e mesmo na cidade, ganhando com isso tempo inestimável. Se este facto ocorresse em algumas outras cidades ou vilas portuguesas as coisas não seriam assim, e seria mesmo impensável numa qualquer cidade europeia. Mas, em Coimbra, é sempre possível a aventura do capitalismo verde!
Texto de António Luís Catarino | Imagens de António Barros
https://www.jornalmapa.pt/2022/10/22/coimbra-o-massacre-de-663-arvores/