Quando tentamos perceber a dimensão do racismo em Portugal temos de encontrar múltiplas respostas começando pelo óbvio: Portugal é um país em que o racismo se encontra em rédea solta e tem meios para se difundir e alargar nos seus variados aspetos. Entre eles, e por arrasto, a misoginia, a homofobia e a xenofobia. Portugal foi um Império de que muitos, mas mesmo muitos, têm saudades. Do grande, do enorme império cujos maiores lucros iam direitos para as grandes potências ocidentais que pilharam sem escrúpulos continentes inteiros. Portugal foi esclavagista. Portugal foi inquisitorial, instilando medo e respeitinho. Portugal foi ditatorial. O Estado português prendeu, torturou, matou por encomenda. Portugal foi Pide, foi Tarrafal, foi Caxias e Peniche. Portugal foi fascista. Portugal gosta e respeita a autoridade e o autoritarismo. Que rasto deixa este espelho? Uma imagem ligeiramente deformada pela existência de uma democracia que ainda não aprendeu que os limites da liberdade estão a ser ultrapassados há muito. Mamadou Ba vai a tribunal pelo vazio que é preenchido somente por ódio puro. Um nazi acha-se no direito de o colocar em tribunal por incentivo ao ódio, quando Mário Machado, ele próprio, cujo currículo de violência fascista não deixa enganar ninguém – só a um juiz sobejamente conhecido pelo seu narcisismo justicialista – está enterrado até aos ossos em crimes de sangue, entre os mais conhecidos, a morte do cabo-verdiano Alcindo Monteiro. Assim se faz a justiça em Portugal. E porque se deixa fazer este tipo de justiça em Portugal, quando seria impensável acontecer em países da mesma Europa a que este país diz pertencer? Porque existe um racismo de características cobardes: o que diz que Mamadou Ba se pôs a jeito, que procura a violência, que é racista contra os brancos… Este tipo de racismo não deixa de ser o mais perigoso, porque não separa as razões de um e de outro, do oprimido e do opressor, não explica o que faz Mamadou Ba ao invetivar um passado no mínimo questionável, porque teima em não descolonizar, porque persegue fantasmas do antigo império e os deixa soltos para o que vier ainda aí, porque se diz afável e dialogante, democrata, limpo, puro. No entanto, ele suja-se. Como agora, concordando em privado ou mesmo em público, com bonomia e olhos para o céu, com a ida a julgamento de Mamadou Ba provocada por um nazi que «em democracia» diz ter igualmente direitos. Direito de apontar alvos para a morte, direito de espancar, direito de sequestrar, direito de difamar e de mentir. Este tipo de argumentação delicodoce do «eu não sou racista, mas…» foi o que levou Mamadou Ba a julgamento. Não foi Mário Machado e o seu discurso peripatético de chamamento ao ódio. É o vazio, o vazio do chamado «centrão democrático» difícil de combater exatamente por ser vazio, que leva um lutador antirracista e antifascista à barra do tribunal. São estes que levam Mamadou Ba a defender-se de um nada oco que ainda assim consegue ir buscar à extrema-direita «argumentos» pensando que, algum dia, a manipularão. Terreno perigoso, muito perigoso, este.
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António Luís Catarino
professor