quarta-feira, dezembro 14, 2022

«Floresta é o nome do Mundo», de Ursula K. Le Guin

 

Foto de Dana Gluckestein para a New Yorker
«World for World is Forest», de Ursula K. Le Guin escrito e publicado em 1972, é como se estivéssemos a ver as marchas pacifistas contra a guerra do Vietname, ouvir Joan Baez ou Bob Dylan, ou lembrarmo-nos o que nós fizemos aqui para acabar com os massacres de vietnamitas perpetrados pelos USA. Não que Ursula Le Guin tenha citado neste livro, e por uma única vez, o Vietname ou a guerra, mas ele lá está, presente num planeta longínquo a 27 anos de uma Terra ecologicamente exaurida, sem florestas, água e quase desértica. O planeta Athshe, rico em madeira e floresta servia para ser colonizado e escravizar um povo pacífico, os critures, que, fruto de violências constantes por parte dos humanos, é obrigado a defender-se para sobreviver através de Selver um chefe carismático que se apodera de bases e das armas dos militares e responde violentamente à escravatura e ao genocídio. Mesmo contra o «gel incendiário» (uma referência implícita ao napalm), os hélis lança-chamas e cortando a comunicação direta com a Terra. 

Ursula Le Guin não destrinça o comportamento humano num futuro longínquo do homem medieval, da globalização renascentista ou da moderna, contemporânea. Os sinais aí estão: escravatura, violência sobre seres considerados sub-humanos, genocídio, racismo mesmo entre os colonos humanos, chauvinismo, violações de mulheres, xenofobia e patriarcado. Ao contrário da condição matriarcal do povo de Athshe. Aqui a autora não esconde o seu pessimismo da condição humana, embora uma personagem sobressaia na construção de pontes pacíficas com as populações das florestas: Lyubov, um antropólogo. Não deixa de ser sintomático que esteja na antropologia, a chave do entendimento dos costumes e hábitos que são estranhos a soldados cujo objetivo é o domínio pelo domínio, nem que lhes custe uma vida miserável num planeta distante. É Lyubov que os compreende e que tem a coragem de mudar de campo. Creio ser este o ponto crucial do livro de Ursula Le Guin. Por vezes é necessário mudar de campo para podermos viver dignamente. Ou morrer, como acontece com Lyubov.

Um livro inteligente que mereceria, tal como a autora, um pouco mais de respeito na tradução e na capa que não reproduzirei aqui. Sobre as capas da Europa-América, a única editora que se aproximou em dimensão das médias/grandes editoras da Europa, deveriam ser objeto de um estudo de caso, tão feias que são; mas quanto à tradução só vos dou um exemplo: numa única página, a 117, é repetida a expressão «pura e simplesmente» três vezes. Posso garantir-vos que não há duas páginas seguidas em todo o livro que não apareça pelo menos uma vez!

Isso fez-me afastar de Ursula K. Le Guin? Nunca. Não seria possível. É uma aurora extraordinária. Ainda bem que a Relógio D'Água tomou conta do assunto. Tal como os livros de Philip S. Dick, Robert Heilein ou Azimov que agora estarão em boas mãos.