domingo, janeiro 28, 2024

«A Dominação e a Arte da Resistência-Discursos Ocultos», James C. Scott

 

Letra Livre, 2013, Tradução de Pedro Serras Pereira. Apresentação de Fátima Sá
Se bem que o estudo de James C. Scott se centre no discurso oculto e acções dissimuladas dos subordinados contra as elites aristocráticas e proprietários terratenentes e industriais entre os séculos XVII a XIX, não será difícil ao leitor atento uma transposição para as lutas dos subordinados de hoje em pleno capitalismo tardio e de vigilância. Provavelmente mais letal e repressivo do que o era nesses séculos. O sistema repressivo, assente na acção do Estado contemporâneo tem-se desenvolvido como nunca o vimos até se tornar verdadeiramente letal e os exemplos não faltam. A questão final que este livro nos coloca é se ainda há possibilidade real de conflito aberto que leve à construção de uma alternativa ao Estado ou ao capitalismo baseado numa construção de uma sociedade de produtores sempre reprimidos por aqueles. Porque discursos ocultos existem através de formas escondidas, eficazes para o espoletar de rebeliões e de revoltas. Mas até que ponto a recuperação pelas elites desses mesmos momentos de rebelião dos subordinados terão o êxito a que se propõem é a questão teórica e prática que James C. Scott apresenta neste «A Dominação e a Arte da Resistência», publicado em 1992 pela Yale University, onde o autor é professor.

«(...) parece-nos bastante claro que um subordinado prudente tende a conformar o seu discurso e os seus gestos àquilo que sabe que dele se espera - mesmo que essa submissão mascare uma opinião muito diferente daquela que é revelada fora de cena. O que nem sempre é tão claro é que, em qualquer sistema de dominação estabelecido, o problema não se resume à dissimulação dos sentimentos e à produção dos adequados actos discursivos e gestuais no lugar deles. Trata-se, antes de mais, de controlar o que seria o impulso natural para a revolta, a agressividade, a raiva e a violência que esses sentimentos normalmente desencadeiam. Não existe nenhum sistema de dominação que não engendre a sua própria safra diária de atropelos e atentados à dignidade humana: apropriação do trabalho, humilhações públicas, fustigações, violações, bofetadas, assédio, desprezo, rituais de denegrimento, etc.» (pág.71)

Num mundo contemporâneo com cada vez maior número de subordinados, uns verdadeiramente revoltados, mas cujas alternativas tardam em aparecer, ou outros que são da «servidão voluntária» bem descritos por Boetie, e que louvam e «compreendem» as «agruras» e «dificuldades» das elites, nada como ler este livro e usá-lo como alimento para a criação de situações irrecuperáveis.

Letra Livre, 2013, Tradução de Pedro Serras Pereira. Apresentação de Fátima Sá