terça-feira, fevereiro 20, 2024

«Certas Raízes», Hélia Correia

 

Relógio D'Água, Novembro de 2023
Tenho a sorte de acompanhar os livros de Hélia Correia. Estes contos têm a particularidade de serem inquietantes como, aliás, é o cunho muito pessoal da escrita da autora pelo menos desde «Adoecer», um dos melhores livros que se escreveram em Portugal nos últimos cinquenta anos. Assim é, quando, num dos contos de «Certas Raízes», ela chama de novo os pré-rafaelitas. A doença, a instabilidade, a dúvida, a inadaptabilidade, o medo ou a demência viva ou anunciada acompanham quase sempre as personagens. A vingança silenciosa e a morte também. Mas não encontro na escrita de Hélia Correia algo de sorumbático, ou melancólico. Antes pelo contrário, encontramos um traço irónico sobre a doença, uma livre aceitação da situação anómala ou a revolta dessa inadaptação à realidade tão comum na vida de todos nós. Talvez esteja aí a atracção da escrita da autora e nos leve a lê-la com gosto. Até porque reconhecemo-nos, mesmo contra a nossa vontade, em muitas das situações descritas.
Em «Certas Raízes» a mulher tem um papel central. Não é novidade alguma para quem conhece a escrita de Hélia Correia. Nota-se isso em todos os contos do livro e no que dá o título ao livro ainda mais, se estivermos cientes que encontramos uma mulher em processo de loucura, de queda num abismo provocada pela família. Unidade que não é de todo benquista, sendo vista como portadora de taras escondidas ou num processo psicológico de guerra aberta pelo poder e pelo domínio sobre o outro. Sobre esta questão, devo conceder uma menção muito especial aos contos «A Posse» e a «Intervencionados» que já tinham, entretanto, sido publicados na Granta. Escolha da autora, mas não deixa de ser algo decepcionante comprar um livro e dar conta de que alguns contos já tinham sido publicados, embora não leia a revista.