sábado, março 24, 2012

Wireless, num sem-abrigo perto de si!


Dois factos recentes no reino das tecnologias fizeram sobressaltar-me, não sei se com razão ou não. O primeiro tem a ver com tatuagens que são telemóveis e que vibram com sinais distintos e identificadores de quem faz a chamada para a pessoa tatuada (http://expresso.sapo.pt/tatuagens-que-vibram-quando-o-telemovel-toca=f713456). Imagino, num futuro já não tão distante assim, o que as pulseiras eletrónicas poderão ser e «fazer» sobre o arguido. Um bom trabalhador, daquele para quem o patrão tem sempre razão, tatuar-se de imediato para que se possa proceder com eficácia ao controlo de produção e os castigos infligidos a jovens «associais» no domínio da educação e da assistência social. Porque uma leitura mais atenta, permite-nos ligar a tatuagem ao domínio sensível com todas as possibilidades infinitas de intromissão do Estado sobre as pessoas indesejáveis, ou não. Basta, para isso, tornar obrigatória a aplicação dessa tatuagem ferromagnética em qualquer loja do cidadão.
Outro facto, é socialmente mais abjeto: trata-se de uma informação veiculada por uma crónica de Fernando Alves na TSF titulada «Homeless, Wireless» (http://www.tsf.pt/Programas/programa.aspxcontent_id=903681&audio_id=2357935). Aí, a ficção torna-se numa má experiência da realidade próxima. Um empresa inventou uma t-shirt para vagabundos e sem-abrigo que avisam ser portadores de wireless para que toda a gente tenha na rua acesso à internet facilmente. Horrível, como se pode insensibilizar as pessoas ao ponto de aceitar-se um procedimento destes com seres humanos que, por muitos motivos dos quais provavelmente nem foram os causadores, por acaso caíram nas malhas da indigência e da infelicidade. Mesmo que se propale ser simples caridade.

Hoje, encontro-me a ler um livro de Rosa Montero, Lágrimas de Chuva (até nem muito bom, por sinal, mas queria conhecer a autora tão falada e tão promovida por aí) baseado numa eventual continuação de Blade Runner, de Ridley Scott, filme que tive o prazer de ver inúmeras vezes e tendo lido igualmente o livro que lhe deu origem. Em Lágrimas de Chuva, também existem, em 2109, seres humanos indigentes que deambulam nas ruas de Madrid com t-shirts/anúncio televisionados e que são muitas vezes alvo de violência social e racista dos novos supremacistas em alta na política. Seria bom que a História não fosse por aí.