quarta-feira, março 21, 2012

PARA QUE SERVE A POESIA HOJE?, de Jean-Claude Pinson, por Henrique Fialho

A Deriva tem dado à estampa, numa colecção intitulada Pulsar, dirigida e coordenada por Ana Luísa Amaral, Pedro Eiras e Rosa Maria Martelo, alguns pequenos textos que visam reflectir o lugar e a função da palavra escrita no mundo actual. Assim, depois de Para que serve a Literatura? (Julho de 2010), de Antoine Compagnon (n. 1950), saiu Para que serve a Poesia Hoje? ( Junho de 2011), de Jean-Claude Pinson (n. 1947). Pinson nasceu em Nantes, estudou Letras na Sorbonne, acabando por formar-se em Filosofia sem nunca ter abandonado a inclinação literária, nomeadamente através da prática dos versos. O pequeno livro que agora nos chega com tradução de José Domingues de Almeida está dividido em duas partes. Uma primeira parte mais teórica, composta pelo texto de uma conferência proferida a 12 de Janeiro de 1999, e uma segunda parte mais dialogante, com uma síntese do debate suscitado pela dita conferência. As teses de Pinson, erigidas sobre o terreno fértil da obra de Henri Michaux, enfermam de um vício ao qual raramente escapam obras do género, o de começarem por reflectir um assunto pressupondo a necessidade dessa reflexão. À pergunta Para Que Serve a Poesia Hoje? Nós podemos, desde logo, juntar uma outra: para que servem hoje conferências e debates sobre a utilidade da poesia? E mais esta: servirá hoje a poesia para alguma coisa que não tenha já servido no passado? Estes problemas são tão mais urgentes quanto se torna necessário entender se, de facto, a poesia alguma vez serviu para alguma coisa ou se tem mesmo de servir para alguma coisa. Um pouco à semelhança da presunção de um sentido para a vida, buscado, cavado, semeado, colhido no absurdo da existência, também a utilidade de toda e qualquer actividade humana deverá ser pensada em função do paradoxo suscitado pela prática do impraticável. Na realidade, nada na vida pede sentido senão a própria perdição dos homens. Assim como a vida não tem que ter sentido algum, também a poesia não tem que servir para o que quer que seja. Não se trata de pretender fugir a uma questão entusiasmante de um ponto de vista meramente académico e teórico, até porque o texto de Pinson é assaz objectivo e procura sempre focar-se no essencial. No entanto, resvala com frequência nos tiques academistas com que estas questões são geralmente abordadas. Presume-se que a poesia não esteja na moda, algo que a realidade actual desmente ao constatarmos a proliferação de sítios dedicados ou atafulhados de poesia. Em certos circuitos de afirmação intelectual a poesia chega a dar cartas, até porque, como Pinson sugere, é uma arte aparentemente fácil e acessível. As limitações do público da poesia também já não são um dado adquirido. Convém esclarecer quem é esse dito público, até porque poesia há de vários tipos, modos e géneros, alguns tão populares e correntes que deixariam os académicos de gabinete estupefactos. Recentemente, em Portugal, um grande grupo editorial passou a distribuir uma das mais emblemáticas editoras de poesia portuguesas. Isto aconteceu pouco depois do principal responsável por esse grande grupo editorial ter decretado em entrevista pública a morte da edição de poesia. Ora, não me parece que um homem de negócios pretenda pegar num defunto só para ter o gozo de ser ele a enterrá-lo. Como é óbvio, a suposta utilidade de uma arte não se afirma pelo interesse que suscita nas massas. Há artes que nasceram para serem mediáticas, outras há que nunca almejaram senão aquilo a que hoje se chamam fidelíssimos nichos de mercado. É verdade que há mais poetas do que leitores de poesia, mas tenho alguma dificuldade em lamentar essa realidade. A poesia terá uma dimensão terapêutica que não esgota as suas funções, mas que de algum modo sublinha o carácter utilitário da sua não-utilidade. Duvido que cure ou dê prazer, pelo menos não tanto quanto um bom vinho ou a masturbação. Muitos dos melhores poetas suicidaram-se, levaram vidas errantes, foram indigentes e execráveis, o que deixa dúvidas quanto às dimensões curativas e saudáveis da poesia. Sem dúvida que desincha poderes, alarga horizontes na exacta medida em que amplifica a linguagem, proporciona um mundo melhor ou pior a quem com ela conviva no desleixo de si próprio e do mundo. Não obstante, parece-me que ainda está para chegar o intelectual que diga, sem parangonas, que a grande utilidade da poesia não diverge, no essencial, da utilidade da Playstation, ou seja, ajuda a passar o tempo proporcionando bons fogachos de tempo. Que também Pinson insista na balela castradora e exclusivista da verdadeira poesia, como se a falsa pudesse sê-lo, só peca a favor de um texto estimulante que nos agrada, sobretudo, pela sua intrínseca inutilidade.
 
Henrique Fialho, 26 de setembro de 2011