domingo, dezembro 31, 2006
Boas entradas para 2007: uma proposta decente
de 29 de Dezembro a 1 de Janeiro
na Cripta do Marquês ( situada atrás da Igreja do Marquês (à Pr. do Marquês de Pombal, no PORTO)
Concertos e danças de músicas étnicas e tradicionais:
SEXTA-FEIRA, 29 DEZEMBRO
22H00 Mú
24H00 Monte Lunai
SÁBADO, 30 DEZEMBRO
18H00 Mosca Tosca acústico (bar)
22H00 Zef
23H45 Show de Dança Oriental
24H00 Uxu Kalhus
DOMINGO, 31 DEZEMBRO
18H00 Uxu Kalhus acústico (bar)
22H00 Naragonia (Bélgica)
24H00 Zef (França)
SEGUNDA-FEIRA, 1 JANEIRO
16H00 Naragonia
sábado, dezembro 30, 2006
Hoje, no Expresso, Filipa Leal como uma das 27 jovens promessas
Texto de Jorge Fiel
quinta-feira, dezembro 21, 2006
Sophia de Mello Breyner Andresen e a sua obra para crianças e jovens, por José António Gomes
Não surpreende assim que, nestes contos, seja possível redescobrir referências ao Natal, à viagem ou a certos espaços quase mágicos, como o mar, a praia, a casa, o jardim e a floresta, que marcam também presença na lírica de Sophia e nas suas narrativas «para adultos»: Contos Exemplares (1962) e Histórias da Terra e do Mar (1984). No seu conjunto trata-se, de facto, de uma produção de grande unidade ideotemática e estilística, acerca da qual Maria Graciette Besse (1990: 11) escreveu: «A obra poética (...) exprime o amor da vida e uma profunda exigência moral, através de símbolos marinhos e aéreos, que revelam um cunho visionário e uma constante busca da perfeição. Esta exigência, herdeira da liberdade e da luta pela dignidade do ser, encontra-se também nos textos em prosa.»
A prosa de Sophia destinada a crianças, cuja harmonia no plano rítmico é por de mais evidente, produz um efeito quase encantatório, sendo as obsessivas enumerações presentes na sua prosa servidas pela sábia combinação de nome e adjectivo e por uma sintaxe peculiar que recorre com frequência a estruturas de tipo anafórico, ao polissíndeto e ao assíndeto. Das imagens emana uma sensorialidade que encontra paralelo num discurso fluente, marcado por aliterações e assonâncias, cujo léxico (obsessivo) se reporta sobretudo ao mundo natural, fixando-se nos elementos ligados à água, à terra, ao ar e ao fogo. Se, no plano sintáctico, esse discurso procura quase sempre ir ao encontro da limitada competência linguística do seu destinatário extratextual – a criança –, nunca resvala para a facilidade; antes encontra, em certas estruturas frásicas e textuais aparentemente elementares, o modo mais adequado de exprimir a beleza do mundo, a complexidade dos sentimentos e das fantasias pessoais. À maioria dos contos que constituem esta obra não é estranho o conhecimento da literatura de fantasia nórdica e anglo-saxónica, registando-se evidentes relações dialógicas quer com a restante obra lírica e narrativa da autora (v. Rocha, 1980: 65, sobre a intertextualidade homo-autoral), quer com grandes clássicos da literatura universal (para adultos e para crianças): os contos de fadas e as Mil e Uma Noites, Homero, Ovídio, Camões, Boccaccio, Shakespeare, Collodi e Andersen, entre outros.
Tanto O Rapaz de Bronze (1956), A Fada Oriana (1958), A Menina do Mar (1958) e A Noite de Natal (1960) como O Cavaleiro da Dinamarca (1964), A Floresta (1968), O Anjo de Timor (2004) e os recontos que é possível ler em A Árvore (1985) e «A cebola da velha avarenta» (in A Antologia Diferente: De que São Feitos os Sonhos, 1986), a par da curta peça teatral O Bojador (1ª ed., [1961]; 2ª ed., 2000), representam, na sua maioria, momentos altos da história da literatura portuguesa para crianças. Sem se assumirem declaradamente como obras moralistas, não restam dúvidas de que a sua inteligente urdidura aponta para um dever ser, em que surgem valorizados a Natureza, a harmonia, o equilíbrio e a justiça. À condenação do egocentrismo e do artificialismo, da hipocrisia e da perversão originada pelo apego aos bens materiais, opõem-se a amizade, o amor, a paz e a generosidade, bem como a exaltação do humanismo cristão, do valor social e ético da obra de arte e da fidelidade a princípios antigos e universais.
A atmosfera das principais narrativas para crianças (as dos anos 50 e 60) permite-nos quase sempre penetrar em espaços a cuja ordem subjaz uma lógica do maravilhoso – com a presença de fadas, anões, animais humanizados e transformações mágicas –, indissociável porém de um quadro ético, em que as acções «humanas» dos diferentes heróis (a que correspondem, normalmente, opções morais) surgem como determinantes no evoluir das histórias.
Em A Fada Oriana, a protagonista é vítima do seu próprio narcisismo e, após um percurso probatório, readquire a condição de fada. «Confia nas crianças, nos sábios e nos artistas» – recomenda o Rei dos Anões ao anão de A Floresta, uma parábola sobre a corrupção espiritual e os malefícios associados ao ouro e à riqueza, compreendidos por Isabel (a criança), por Cláudio (o músico) e pelo próprio anão. A Noite de Natal oferece-nos uma imagem renovada do maravilhoso cristão (e do ideal que o inspira), plena de significado social e individual. Várias das personagens infantis de Sophia apresentam-se-nos, é certo, como crianças sem dificuldades materiais. Mas, além da solidão e da orfandade afectiva que por vezes os caracteriza, e que são também atributos da protagonista de A Noite de Natal, surge neste conto a orfandade social de Manuel, como uma reencarnação de Cristo, que no final vem dar sentido aos valores da amizade, da partilha e da busca de uma união entre o humano e o sagrado. Sob a forma de uma quase-fábula poética protagonizada pelas flores de um jardim e por uma estátua viva – que nos traz à memória alguns contos de Hans Christian Andersen – O Rapaz de Bronze, por seu turno, antecipa a visão crítica de uma organização social hierarquizada e injusta que mais tarde reencontramos nos livros «para adultos» Contos Exemplares e Histórias da Terra e do Mar.
Obra de síntese, afirmando a vitória da inteireza moral e da abnegação sobre a vertigem e as forças da perversão, mais longa e complexa que os restantes livros, a narrativa O Cavaleiro da Dinamarca ilustra a grande viagem iniciática e probatória que – colocando o protagonista ante uma sucessão de figuras humanas, eventos e lugares míticos – tudo revela a esse cavaleiro impoluto: o perigo e as tentações, o valor da família, os exemplos de heroísmo, a paixão e a arte. Para não falar da tensão (não inteiramente resolvida) entre uma visão teocêntrica e um novo olhar antropocêntrico que emerge do Renascimento. Pelo meio, é possível revisitar a Dinamarca, a Terra Santa, a Itália do norte e a Flandres. Sente-se o fascínio pelo esplendor humanista (a acção desenrola-se no século XV) e pela grande aventura dos descobridores portugueses, no que é apresentado como «um tempo novo» para a Europa e o mundo, sem contudo se ignorarem as tensões decorrentes do (des)encontro de culturas e até de etnias. Tudo plasmado num encadeamento de narrativas modelizadoras encaixadas na história principal: a história de Vanina (quase uma versão de «Romeu e Julieta», de final não deceptivo), as vidas de Giotto, de Dante, e as aventuras de um marinheiro flamengo e de um português, Pero Dias. Deste modo, a obra representa também uma apaixonada homenagem, quase sempre implícita, às narrativas da grande tradição cultural do Ocidente: a Bíblia, a Divina Comédia, o Deccameron, os livros de viagens, as crónicas navais...
A Menina do Mar é na aparência talvez a mais simples, mas sem dúvida uma das mais belas narrativas de Sophia, onde os tópicos recorrentes na sua obra ganham novos matizes e os seus lugares de eleição (o mar, a casa nas dunas, o jardim de areia) adquirem dimensões simbólicas peculiares – resultado, afinal, de uma maravilhosa reelaboração de densas memórias de infância, ligadas à Praia da Granja. Sem enveredar pela dimensão trágica das «Ondinas» de Andersen e de Jean Giraudoux ou de L'Enfant de la Haute Mer, de Jules Supervielle, mas oferecendo-nos algumas descrições poéticas da natureza marinha que evocam as do grande romântico dinamarquês, a obra narra a história de uma amizade construída contra «um tempo dividido», entre um rapaz, uma menina do mar (que lembra também a Polegarzinha de Andersen) e os seus amigos: um polvo, um caranguejo e um peixe. Depois de aventuras e desventuras várias, por onde se insinuam a revelação mágica do mundo, a paixão pelo oceano e uma angustiada espera de ressonância sebastianista, surge enfim a festa, num palácio subaquático. Partindo da poderosa tradição simbólica associada ao mar e aos seus elementos, Sophia constrói uma narrativa de profundas implicações psicanalíticas (como a fantasia do regresso ao útero materno) que o limitado espaço deste texto não permite sequer aflorar. Uma narrativa que é simultaneamente a afirmação do direito à liberdade afectiva e a expressão de um anseio de equilíbrio e harmonia, no quadro de uma fantasia de retorno às fontes da vida – essa dimensão em que o ser não possui ainda a consciência do tempo e da morte.
É de recordar ainda que, além das narrativas originais que escreveu, das histórias tradicionais portuguesas e japonesas que recontou e da já citada peça O Bojador, Sophia de Mello Breyner Andresen organizou duas belíssimas antologias de poesia em Língua Portuguesa destinadas à infância e à juventude: Poesia Sempre e Primeiro Livro de Poesia – e pena é que a primeira, em dois volumes, não se encontre reeditada1.
A terminar, registe-se a profunda ligação dos contos escritos por Sophia ao Porto e suas imediações. Nascida nesta cidade, a autora passou parte da infância na Quinta do Campo Alegre (que inspiraria as florestas e jardins dos seus contos para crianças) e na Praia da Granja, a que A Menina do Mar veio conferir uma certa auréola mítica.
Nota
1 Quase todas as obras de Sophia de Mello Breyner Andresen destinadas a crianças se encontram editadas pela Figueirinhas, do Porto, e têm conhecido numerosas reedições, o que atesta a popularidade destes livros, confirmada também no facto de os programas e as práticas de leitura escolares os terem acolhido sem reservas (fazem parte, por exemplo, das listas de obras para leitura orientada do programa de Português do 2º ciclo do Ensino Básico). Apenas se não encontram editados pela Figueirinhas os livros O Bojador e Primeiro Livro de Poesia (1991) – que têm a chancela da Caminho –, O Anjo de Timor (obra publicada pela Cenateca, do Marco de Canaveses), «A cebola da velha avarenta» (que integra uma colectânea coordenada por Luísa Ducla Soares e editada pela Areal – v. Referências bibliográficas) e ainda a antologia Poesia Sempre I (em colaboração com Alberto de Lacerda; Lisboa, Livraria Sampedro Ed., s.d.) e Poesia Sempre II (Lisboa, Livraria Sampedro Ed., s.d.).
Referências bibliográficas
BESSE, Maria Graciette (1990). Sophia de Mello Breyner: Contos Exemplares. Mem Martins: Europa-América.
ROCHA, Clara Crabbé (1980). Os Contos Exemplares de Sophia de Mello Breyner Andresen. 2ª ed., Coimbra: INIC.
SOARES, Luísa Ducla (org.) (1986). A Antologia Diferente: De que São Feitos os Sonhos. Porto: Areal.
O Golfinho de Palembang, de Xavier Queipo
Umas semanas após, atendia ao chamado dos miúdos, que lhe acarinhavam no focinho, e ele deixava-se fazer, coma se estivesse á vontade. Uma tarde, uma criança, que atendia por o Kim, botou-se ao mar por imitar aos mais velhos. Não sabia nadar e começou balançar os braços ao tempo que afundava, e quando semelhava ir afogar, apareceu de súbito sentado no golfinho, pegando na barbatana dorsal, como se cavalgasse. O Kim agachou a cabeça para lhe falar ao ouvido, e o golfinho empreendeu o caminho do largo. Saíram na sua procura, mas por muito que vogaram não deram com o golfinho nem com o Kim, que desapareceram no mar para sempre jamais.
Passados os anos chegou á angra de Palembang uma manada de golfinhos. Todos lembravam a história do Kim, que os pais contavam ás crianças, para alerta-las dos perigos do mar, e temeram que acontecesse qualquer desgraça. Assim, armados com arcos e com setas, saíram navegar para expulsa-los da baía. Os golfinhos semelhavam não quererem internar-se no mar, e quando lhes disparavam mergulhavam de contado reaparecendo a várias braças de distância. Um golfinho mais branco que os outros afastou da manada, ergueu sobre a cauda, e viron que tinha barba e bigodes, e uns olhos distintos dos que têm os golfinhos, com pálpebras e pestanas, e abriu as barbatanas laterais, que eram braços unidos ao corpo com uma membrana.
Desde aquele dia, nas águas de Palembang, há um golfinho que fala a língua dos locais e conta mil historias, que leva aos rapazes de cavalo, que diz chamar-se o Kim e ter percorrido o mar oceano, que come peixe e vitela, frutas e deleites.”
Xavier Queipo, Dezembro de 2006
domingo, dezembro 17, 2006
Tinha de ser!
sábado, dezembro 09, 2006
Filipa Leal em entrevista à Rádio Festival e presente em encontro ibero-americano «De Pedra e de Palabra» do Pen Club da Galiza, em Compostela
domingo, dezembro 03, 2006
Festa da Poesia, de 7 a 8 de Dezembro na Biblioteca Florbela Espanca. O Aquário de João Pedro Mésseder presente
No dia 7, pelas 18:30h, apresentar-se-á «Um Conto com Música», adaptação musical de «O Aquário» de João Pedro Mésseder, com voz de Sílvia Correia, percussão de Pedro Oliveira e Direcção Artística de Jorge Carvalho.
Lembramos que O Aquário, editado pela Deriva e distribuído pela Centralivros, é uma das obras infantis mais marcantes de João Pedro Mésseder e é ilustrado por Gémeo Luís. Faz parte do Plano Nacional de Leitura, para o 3º ano de escolaridade e, neste momento, tem significativa procura por parte de professores para estratégias de motivação para a leitura de crianças do 1º Ciclo do ensino básico. Já foi objecto de várias dramatizações em escolas de todo o país.
sábado, dezembro 02, 2006
De novo nas livrarias A Formação da Mentalidade Submissa de Vicente Romano
sexta-feira, dezembro 01, 2006
Eduardo Prado Coelho escreve sobre Filipa Leal no Milfolhas desta semana. A ler
Se tivermos em conta aquilo que aparece com a poesia portuguesa mais perto de nós (onde predominam memórias esparsas, o lirismo difuso, uma certa vulnerabilidade), podemos afirmar sem hesitações que Filipa Leal tem uma personalidade fortemente demarcada. Fui muito surpreendido pelo indiscutível valor do seu livro mais recente. (...)» 1
1. Em breve o artigo de opinião de EPC completo
Eduardo Prado Coelho. Milfolhas, Público, 1 de Dezembro de 2006
O Blog da Caixa Geral de Despojos
domingo, novembro 26, 2006
Cesariny (1923-2006)
No país no país no país onde os homens
são só até ao joelho
e o joelho que bom é só até à ilharga
conto os meus dias tangerinas brancas
e vejo a noite Cadillac obsceno
a rondar os meus dias tangerinas brancas
para um passeio na estrada Cadillac obsceno
E no país no país e no país país
onde as lindas lindas raparigas são só até ao pescoço
e o pescoço que bom é só até ao artelho
ao passo que o artelho, de proporções mais nobres,
chega a atingir o cérebro e as flores da cabeça,
recordo os meus amores liames indestrutíveis
e vejo uma panóplia cidadã do mundo
a dormir nos meus braços liames indestrutíveis
para que eu escreva com ela só até à ilharga
a grande história do amor só até ao pescoço
E no país no país que engraçado no país
onde o poeta o poeta é só até à plume
e a plume que bom é só até ao fantasma
ao passo que o fantasma - ora aí está -
não é outro senão a divina criança (prometida)
uso dos meus olhos grandes bons e abertos
e vejo a noite (on ne passe pas)
Diz que grandeza de alma. Honestos porque.
Calafetagem por motivo de obras.
É relativamente queda de água
e já agora há muito não é doutra maneira
no país onde os homens são só até ao joelho
e o joelho que bom está tão barato
Mário Cesariny de Vasconcelos
Poesia (1944-1955), Ed. Delfos
Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano
Um moleskine de António Tavares Lopes
Mais um moleskine de António Tavares Lopes (para nós, o Tó BD, sempre!) a pedir muita atenção. É sempre um prazer vê-lo a vaguear por aqui.
quarta-feira, novembro 15, 2006
Este sábado, dia 18/11, pelas 18:30h, na FNAC do Chiado, Nuno Júdice apresenta o último livro de Filipa Leal - A Cidade Líquida e Outras Texturas
A 28 de Outubro, no Clube Literário do Porto, A Cidade Líquida e Outras Texturas da Filipa Leal, teve o encontro esperado com os seus primeiros leitores. Nessa ocasião e numa tão arrebatada como sincera alocução de apresentação da autora, João Gesta, nome já incontornável da cultura que teima em subsistir, apesar de tudo, naquela cidade, disse dela:
«… a Filipa ousou e venceu. Exigiu tudo à Poesia. Encostou uma estrofe à garganta da Poesia e a Poesia rendida, já lhe deu praticamente tudo: em quatro anos ao leme do Suplemento “Das Artes, das Letras” de O Primeiro de Janeiro, caneta à altura dos rins, tornou-se numa das mais conceituadas jornalistas culturais da cidade. Recordo e recomendo-lhes as notáveis entrevistas que fez a António Ramos Rosa, Agustina, Adélia Prado, Nuno Júdice, José Luís Peixoto, só para mencionar algumas (…). Pela voz da Filipa passam, todos os anos, alguns dos momentos mais belos da Poesia portuguesa. Com efeito, em dezenas de recitais já efectuados, a Filipa dá voz a alma e corpo aos nossos poetas, à nossa língua.»
João Gesta falava, evidentemente, das Quintas da Leitura que, no Teatro do Campo Alegre, se vão tornando numa referência importantíssima na poesia. Este A Cidade Líquida é o seu terceiro livro e que é acompanhado muito bem pela Mafalda Capela que lhe empresta a fotografia e pela capa de Gémeo Luís. Depois de “Lua Polaroid”, seguiu-se “Talvez os Lírios Compreendam” (destaque-se o excelente prefácio de António Mega Ferreira que aí então assinou) e agora este livro que, de um modo completamente parcial, afirmo, irradia luz e uma beleza muito próprias. Não me canso de o dizer.
Quando a Filipa me disse que gostaria de ter Nuno Júdice ao seu lado, aqui em Lisboa, sobressaltei-me. Este poeta pertence-nos, já. E a mim, em particular, foi crucial numa fase muito particular da minha vida. E não foi sem alguma perplexidade que voltei aos meus livros de Nuno Júdice (reparem na possessão quando falo dos meus livros de Nuno Júdice!) para estabelecer conexões e acasos de que a Poesia é fértil em surpreender-nos. Assim, reli, com evidente prazer, a «Crítica Doméstica dos Paralelepípedos», «As Inumeráveis Águas», «Nos Braços da Exígua Luz», «Antero – Vila do Conde», «A Partilha dos Mitos» e o mais recente «A Fonte da Vida». O sobressalto veio, contudo, com um livro editado em 1972, comprado antes de uma viagem de comboio de Coimbra para Tomar (lembro-me como se fosse hoje) que é a «Noção de Poema» e se não me engano o seu primeiro livro de poesia, editado pela saudosa pequena colecção da D. Quixote. Cito Nuno Júdice:
«Eu invento uma poesia que as máquinas poderiam fazer. Baseio-me no princípio de que o sentimento é uma forma gasta de composição. Cada uma das minhas palavras é um processo formal. Nada é gratuito e descurado e eu próprio, ao incluir-me por vontade expressa no poema, me desumanizo e reencarno no rito purificador da emergência lógica. Não encontrarão em mim meditações lúcidas ou juízos coerentes – apenas figuras contraditórias que o raciocínio sintetizou de ambientes irreais e desesperados (…).»
Nuno Júdice escreveu isto, tinha 23 anos. Com 24, a Filipa, em «Talvez os Lírios Compreendam» escreveu num “Prefácio a qualquer um dos meus livros”:
«Sou hoje algo mais do que pânico. Desmascarei o cobarde medo de estar viva. Hoje diverte-me a imortalidade ingénua dos destemidos. Às vezes, escorre o desânimo dentro e fora do meu corpo – nas insónias lentas. Mas o que há de vulgar na imortalidade secreta das palavras é a íntima nudez, que não persiste para além das páginas. Resta-nos o cobarde medo de nos despirmos, devagar. E o milagre da escrita.»
Ora, parece-me que este aparente desespero que provoca a poesia da Filipa numa espécie de inumanidade luminosa e errática já detectada em A Cidade Líquida e Outras Texturas e gravada na contracapa do livro será igualmente a «desumanização» de que falava Nuno Júdice em «Noção de Poema» que levará, paradoxalmente, e na minha perspectiva, aos “ritos purificadores da emergência lógica”, ou seja, ao estado poético, à idade do Homem.
ALC
terça-feira, novembro 14, 2006
XII Encontros Luso-galaicos-franceses do Livro Infantil e Juvenil, 15 a 17 de Novembro, na Almeida Garrett, Porto
«Grande Autores para Pequenos Leitores» é o tema, muito sugestivo, dos XII Encontros Luso-galaicos-franceses do Livro Infantil e Juvenil, que todos os anos se realizam na Biblioteca Almeida Garrett, no Porto, entre 15 a 17 de Novembro. Poderá consultar o programa aqui.
domingo, novembro 05, 2006
«E Você é um Submisso?» título da entrevista de Miguel Carvalho a Vicente Romano na Visão de 2 de Novembro
MC - Como é que as sociedades constroem uma mentalidade submissa?
MC - Diz que as sociedades democráticas e livres são um mito. Porquê?
MC - Que devemos fazer então para sermos um pouco mais livres, menos submissos?
No Voz de Galicia, uma reportagem de Xesús Fraga, sobre o Porto. A ler
A gestão de Rui Rio já passou fronteiras mesmo que, alguns, não considerem «fronteira» essa linha cada vez mais imaginária que nos separa da Galiza. Xesús Fraga veio ao Porto e conta o que viu. Um dia antes do anúncio do corte de subsídios às instituições culturais da cidade e alguns dias depois da «crise» do Rivoli. A visão não é obviamente muito boa, mas aqui ficam extractos do artigo Portugal Asómase a Galicia que pode consultar, na sua versão completa, aqui.
«(...)Porque Portugal está en crise. A recesión económica e a falta de confianza nas institucións pairan sobre as conversas e asoman nos xornais. O sábado pasado, Público anunciou na súa primeira plana o retiro de ata cinco mil docentes do sistema educativo. Na páxina editorial da edición do Porto, definíase así o traballo do concelleiro de Cultura, Fernando Almeida: «Non se sabe que pensa, que proxectos defende. Que estratexia ten para esta delicada área. Almeida non aparece, non se mostra, non se expón». Cando vinte persoas se pecharon no Rivoli para falar con el sobre a privatización, silencio.»
«A XESTIÓN
Hai a quen non sorprende este silencio institucional. «En Portugal sempre se ollou esta área con desprezo. Sempre foi así e, cando non, foi unha tentativa de propaganda do réxime, inclusive o democrático». António Luís Catarino, responsable de Deriva Editores, é pesimista. Para el, o caso do Rivoli sintetiza a ausencia de ideas arredor da xestión cultural, sumida nun «populismo do que Portugal non conseguiu, ou non quixo, liberarse». «Se a cultura non vende, privatízase para dar diñeiro. Non sei se hai un exemplo que ilustre mellor a situación», laiase. Menos pesimista é a directora do festival de cine Fantasporto, Beatriz Pacheco Pereira; ela queda en «medio pesimista». «A cultura vai mal, como o resto do país, por outra parte», matiza. Segundo ela, os recortes presupostarios déixanse notar, aínda que as grandes institucións culturais sofren menos. Para os eventos con financiamento privado, como é o caso de Fantasporto, hai que seguir loitando por asegurarse os patrocinios. Pacheco dirixe a un equipo de seis persoas dende unha oficina ateigada de arquivadores, cartaces de filmes e diplomas de Tromaville. Durante a celebración do festival, os colaboradores eventuais chegan a máis dun cento. Lynch, Cronenberg ou Almodóvar presentaron os seus filmes en Fantasporto cando eran case uns descoñecidos;»
«RUMBO A BERLÍN
Malia ao fantasma da crise, os creadores portugueses non se desaniman. Outra cousa son as oportunidades para difundir o seu traballo. Por este motivo, o Serralves —que o venres abre unha amplísima exposición dedicada aos anos oitenta, con máis de 70 artistas de todo o mundo— ten previsto dedicar unha mostra anual a un novo talento portugués, segundo Ricardo Nicolau, adxunto á dirección. Nicolau confirma que os protagonistas do escenario artístico actual móvense nas mesmas coordenadas que os seus contemporáneos europeos, un feito ao que non é allea a estadía de creadores lusos en Berlín, grazas a bolsas da Fundación Gulbenkian. Segundo Nicolau, arredor de quince artistas portugueses, entre os que se contan Leonor Antunes, Rui Calçada Bastos e Noé Sendas, viven e traballan na capital xermana, onde tamén se prepara unha mostra que enfrontará aos lusos con outros pintores da súa escolla. ¿E que acontece ao regreso? «Moitos non volven», di Nicolau.»
«A EXPERIENCIA DE TRADUCIR (todo o artigo aqui)
Esta conflitiva experiencia coa tradución xa a experimentou António Luís Catarino. En Deriva publican a galegos como Antón Riveiro Coello, Xurxo Borrazás, Xabier Queipo, Ramón Caride, Xabier López López e Gonzalo Navaza, con escaso apoio institucional. Catarino sente, ademais, que o seu esforzo colleita máis críticas que satisfaccións: «Os reintegracionistas nos acusan de contribuír a ''castelanizar'' o galego, mentres que hai críticos en Portugal que nos din que as traducións dos galegos están cheas de castelanismos e nos propoñen galicismos para fuxir da nefasta influencia de España. Dinnos que os libros de Galicia non deberían ser traducidos e terían que ir acompañados de glosarios en cada páxina. Ridículo e inviable». Con todo, Deriva continuará a publicar autores galegos e valora os intercambios coas universidades de Vigo e Santiago, así como algunhas edicións bilingües. Catarino cre que hai que sentar outras bases para un verdadeiro diálogo: «Non existe unha política seria de intercambio cultural entre Galicia e Portugal».
Voz de Galicia, 3 de Novembro de 2006.
quarta-feira, outubro 25, 2006
Este sábado, pelas 18h no Clube Literário do Porto, João Gesta apresenta o último livro de Filipa Leal - A Cidade Líquida e Outras Texturas
Odeio críticos de arte, críticos literários, políticos, comentadores políticos, padres, chuis – eles alimentam-se do sangue dos inocentes.
Odeio os académicos, “idiotas especializados” para quem o essencial é invisível. Se pudesse colocava-os todos no caixote do lixo da história, a lerem os discursos do Cavaco ou, pior ainda, a obra completa em 2 volumes e 3 assoalhadas à Lapa da Margarida Rebelo Coiso.
Em contrapartida, gosto da força do vento, da boquinha da noite, das curvas galegas, na nádega esquerda do Sócrates – que é, de resto, a única coisa de esquerda que ele tem -, gosto das musas de alterne, gosto de comer brigadeiros, às escuras.
Gosto de poetas. Gosto da Filipa. Gosto de poetas que tenham arma. A alma é a arma da Filipa.
Não farei, nem saberia fazer, uma abordagem académica à obra da Filipa. A minha aproximação à obra da Filipa e à própria Filipa, enquanto mulher, será, pois, parcial, emocional, poética, quase apaixonada, ou não fosse ela uma grande grande amiga.
Esta tarde jogo em casa.
Remato directamente ao coração desarrumado da Filipa.
Ou, como diriam os surrealistas, “espero pois que os meus auditores compreendam que não sou um erudito, nem um filósofo, mas sim um longo diálogo”.
Conheci a Filipa numa tarde solarenga de Setembro.
Esvaía-se, sem graça, o ano de 2002.
Combinámos, então, a sua primeira actuação nas “Quintas de Leitura” do TCA, onde, meses depois, viria a ler, com grande coragem e brilho, um poema de António Maria Lisboa:
RÊVE OUBLIÉ
Neste meu hábito surpreendente de te trazer de costas
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de ti
…
Lembro-me que nessa tarde lhe contei uma história:
Em Maio de 1968, em plena crise francesa, o general De Gaulle, tentando pôr termo à escalada de violência nas ruas de Paris, mandou chamar, com carácter de urgência, o líder estudantil. Chamava-se Daniel Cohn-Bendit. 23 anos, estudante de sociologia, baixo, gordinho, olhos brilhantes e azuis, sardas, espirituoso, filho de mãe francesa e pai judeu alemão. Dany, le Rouge, para os amigos.
De Gaulle perguntou-lhe à queima-roupa:
- Mas, afinal, o que é que vocês querem?
Daniel Cohn-Bendit respondeu-lhe sem titubear:
-QUEREMOS TUDO, JÁ!
A minha amizade com a Filipa sela-se, assim, à volta de um slogan revolucionário do Maio de 68:
QUEREMOS TUDO, JÁ!
Ou, tão simplesmente, SEJAM REALISTAS, PEÇAM O IMPOSSÍVEL.
Talvez inspirada e possuída por este espírito radical do Maio de 68 parisiense, a Filipa ousou e venceu. Exigiu tudo à Poesia. Encostou uma estrofe à garganta da Poesia e a Poesia, rendida, já lhe deu praticamente tudo:
Em quatro anos, a Filipa ao leme do suplemento “Das Artes,das Letras” do “Primeiro de Janeiro” , caneta à altura dos rins, tornou-se numa das mais conceituadas jornalistas culturais da cidade. Recordo e recomendo-lhes as notáveis entrevistas que fez a António Ramos Rosa, Agustina, Adélia Prado, Nuno Júdice, José Luís Peixoto, só para mencionar algumas. À Segunda-feira, num quiosque perto de si.
Pela voz da Filipa passam, todos os anos, alguns dos momentos mais belos da moderna poesia portuguesa. Com efeito, em dezenas de recitais já efectuados, a Filipa dá voz e alma e corpo aos nossos Poetas, à nossa língua. A Filipa pega a Pátria pelos cornos.
Como se não bastasse, a Filipa também é Poeta. “E quis achar palavras que alguém pudesse amar”. Deu à luz 3 livros e promete não ficar por aqui.
“Lua Polaroid” – o primeiro filho, um parto sem dor e sem espinhas. Estilo escorreito, caneta ao lado da Vida.
“Talvez os Lírios Compreendam” – alguns 25 poemas. Um livro confessional de grande fôlego: “Talvez a poesia seja isto mesmo: este medo das palavras. Que me fogem. Um nó nos dedos de solidão.”
“A cidade líquida e outras texturas”: labirinto líquido, verdade a preto e branco. O mais refinado dos 3 livros já publicados. Um “eu” entre parêntesis, como a autora gosta de o definir.
A Filipa Leal é já uma voz importante da novíssima poesia portuguesa.
A Filipa escreve para quem a sabe ler.
Soube estabelecer uma relação de compromisso com o seu próprio tempo, soube captar a contemporaneidade e, mais importante de tudo, a Filipa sabe que a poesia tem o dever social de dar saída às angústias da sua época.
Cito, a este respeito, Artaud:
“O artista que não abrigou no fundo do seu coração o coração da sua época, o artista que ignora ser um bode expiatório, que o seu dever é atrair a si, como um íman, as fúrias dispersas da época, de modo a livrá-la do seu mal-estar psicológico, não é um artista”.
…
Fixemo-nos, por fim, no novo livro de Filipa Leal – “A cidade líquida e outras texturas”.
Diga-se, antes de tudo, que é um objecto apetecível, que apetece levar para a cama e adormecer com ele, sobre ele, e ler outra vez e marcar e dobrar e estraçalhar.
Tem no seu interior uma fotografia bela de Mafalda Capela – a rima mais-que-perfeita. A Mafalda é uma artista que me fascina pelo seu talento, pela sua sensibilidade e, não menos importante, pela elegância com que se conduz na vida.
…
A Poesia da Filipa é radicalmente urbana e faz constantes alianças com a prosa. Dá atenção à língua e à própria dimensão social da vida quotidiana.
Digamos que o novo livro da Filipa Leal tem o quotidiano como ponto de partida, mas, no momento seguinte, esse quotidiano é transfigurado, é ampliado, é transtornado.
Na escrita da Filipa as borbulhas são pontos de exclamação, os lábios são trampolins para o infinito, os olhos são archotes para comer a noite à traição, o suor é um rio que desagua e não desagua no mar da tranquilidade.
A escrita da Filipa molda-se à alma, é líquida, torrencial quase sempre, é forte – crava as garras certeiras na correnteza indomável da Vida. A escrita da Filipa não tem pé. Apanha-nos, muitas vezes, com a boca na Vida.
A escrita da Filipa é viciante:
São três linhas psicotrópicas de Poesia – a cidade líquida; nós, a cidade; a cidade esquecida.
Cheirem a primeira linha – não pararão mais até ao orgasmo, até à libertação final:
A solidão atravessa a praça, triunfal, ganha cor, ganha corpo, e invade-nos em todas as artérias. Só o Amor a pode deter. “Nós reduziremos a arte à sua expressão mais simples que é o amor” (Breton). Só a caneta da Filipa pode inverter o rumo inexorável da história – debruçada numa das varandas da cidade ajudas, com o teu sorriso contra todos os riscos, o Douro a correr descalço. Debruçada numa das varandas da cidade gritas para a multidão: Estamos rodeados de emboscadas – tanto melhor!
Filipa:
Entro no teu poema como se fosse vírgula.
Juntos, convenceremos a madrugada a correr para nós, sei lá…, atiraremos milho às estrelas, convenceremos a morte a pagar portagem.
Termino, à boa maneira bretoniana, louco amor louco, dizendo-te:
“Gosto de saber-te loucamente amada”.
JOÃO GESTA
Apresentação do livro «A Cidade Líquida e Outras Texturas» (ed. Deriva), de Filipa Leal
Clube Literário do Porto, 18 de Outubro, 2006
Preguntas para lhe Facer em Voz Alta a Federico García Lorca, Irmán, de Xavier Queipo
Ai Federico García! Ai Federico! Que te apartou do acolhedor refúgio da tua estirpe? Como foste acovilhar no tobo da ignomínia? Que te levou a rejeitar o fío vermelho que Ariadna te tendera? Que te levou a Granada?
Diz, Federico García. Que estranho instinto te fixo confiar em Minotauro? Quantas noites de lua para distinguir o urro da quimera do canto das sereias? De onde apareceu a fúria ancestral que rachou a geometria do teu corpo?
Ai Federico García! Ai Federico! Que se sente quando os fuziles percutem nas tuas costas? Que quando as balas laceram a tua pele de óleo e caramelo? Que após do estourado, do reverso da ração, da vértebra que secciona o centro e as cisternas? Que te esperava após do golpe imóvel, do sangue as gurgulhadas?
Diz, Federico García, com os teus versos inchados de alecrim e de mapoulas, de reflexos e luares, de sangue e caraveis: A que ule a incandescência do corpo queimado pela pólvora? A que arrecende a traição dos bem amados?
Eu quisera saber, Federico, percebes, Federico, a opacidade do diamante, o voo do colibri, as imagens que passaram trás das pálpebras. Eu quisera saber, Federico, que paixões, que escrituras, que delicias guardavam nas gavetas do cérebro?
Eu quisera saber, ai Federico! Quisera saber, mas é tarde.
Xavier Queipo, Bruxelas, Outubro de 2006 (no aniversário do assassinato de García Lorca)
sexta-feira, outubro 13, 2006
A Formação da Mentalidade Submissa, de Vicente Romano. Lançamentos com o autor
Rui Pereira, do Prefácio
A Cidade Líquida e Outras Texturas, de Filipa Leal. Lançamentos
Este é o livro de Filipa Leal a sair a 28 de Outubro, no Clube Literário do Porto. Vai estar presente o João Gesta que apresentará a Filipa e onde se poderá falar de poesia. Ou melhor: da poesia. Neste caso, da poesia da Filipa. O encontro será às 18h.
Em Lisboa, apresentar-se-á o A Cidade Líquida e Outras Texturas com o Nuno Júdice. Será na Fnac do Chiado, a 18 de Novembro, também pelas 18h.
Fotografia em Hors-texte de Mafalda Capela para A Cidade Líquida
ODE LOUCA
Todos os homens têm o seu rio.
Lamentam-no sentados no interior das casas
de interior e como o poeta que escreve a lápis
apagam a memória com a sua água.
Os rios abandonam os homens que envelhecem
longe da infância, e eles choram
o reflexo absurdo na distância.
Por vezes, enlouquecem os rios, os homens,
os poetas nas palavras repetidas
que buscam uma ode que lhes diga
a textura. Todos procuram o mesmo:
um lugar de água mais limpa
ou um espelho que não lhes negue
a hipótese do reflexo.
O rio sofre mais do que o homem,
o poeta,
porque dele se espera que nos devolva
a imagem de tudo, menos de si próprio.
Todos os rios têm o seu narciso,
mas poucos, muito poucos,
o simples reflexo das suas águas.
De A Cidade Líquida e Outras Texturas, a sair
domingo, outubro 08, 2006
Archie Shepp
domingo, outubro 01, 2006
A Cidade Líquida e Outras Texturas, de Filipa Leal, sai a 28 de Outubro
A CIDADE LÍQUIDA
A cidade movia-se como um barco. Não. Talvez o chão se abrisse em algum lado. Não. Era a tontura. A despedida. Não. A cidade talvez fosse de água. Como sobreviver a uma cidade líquida?
(Eu tentava sustentar-me como um barco.)
As aves molhavam-se contra as torres. Tudo evaporava: os sinos, os relógios, os gatos, o solo. Apodreciam os cabelos, o olhar. Havia peixes imóveis na soleira das portas. Sólidos mastros que seguravam as paredes das coisas. Os marinheiros invadiam as tabernas. Riam alto do alto dos navios. Rompiam a entrada dos lugares. As pessoas pescavam dentro de casa. Dormiam em plataformas finíssimas, como jangadas. A náusea e o frio arroxeavam-lhes os lábios. Não viam. Amavam depressa ao entardecer. Era o medo da morte. A cidade parecia de cristal. Movia-se com as marés. Era um espelho de outras cidades costeiras. Quando se aproximava, inundava os edifícios, as ruas. Acrescentava-se ao mundo. Naufragava-o. Os habitantes que a viam aproximar-se ficavam perplexos a olhá-la, a olhar-se. Morriam de vaidade e de falta de ar. Os que eram arrastados agarravam-se ao que restava do interior das casas. Sentiam-se culpados. Temiam o castigo. Tantas vezes desejaram soltar as cordas da cidade. Agora partiam com ela dentro de uma cidade líquida.
(Eu ficara exactamente no lugar de onde saiu.)
Filipa Leal
Sobre A Cidade Líquida e Outras Texturas:
A poesia de Filipa Leal é inumana e luminosa. Os seus poemas vivem como libertação individual numa deriva constante onde o traço aparentemente aleatório do voo de um pássaro se cruza, livre, na construção de uma arquitectura louca de uma cidade estranhamente «presa nas palavras». Esta ligação íntima, proposta aos que lemos A Cidade Líquida e Outras Texturas, faz emergir essa individualidade composta na construção de uma rota que recusa um qualquer destino comum e sedentário e que se afirma no desenho límpido de uma geopoética de uma claridade absoluta.
Filipa Leal, nasceu em 1979 e vive no Porto. Jornalista cultural. Apresenta uma já vasta e diversificada experiência profissional onde se destaca a sua colaboração semanal no Suplemento Literário «das Artes e das Letras» de O Primeiro de Janeiro, uma colaboração estreita na Fundação da Casa de Mateus e de várias revistas culturais de língua inglesa e portuguesa. Apresentou a sua tese de mestrado subordinada ao tema «Aspectos do Cómico em Alexandre O’Neill, Adília Lopes e Jorge Sousa Braga» e frequentou um BA Media Studies – Print Journalism na Universidade de Westminster, em Londres. Destacam-se as várias reportagens, artigos e entrevistas realizadas a diversas figuras da poesia e literatura portuguesas e estrangeiras. Recitadora, locutora e organizadora de eventos poéticos em colaboração, entre outras entidades, das Quintas da Leitura do Teatro do Campo Alegre.
Tem publicados os livros LUA-POLAROID (ficção), 2003, Corpos Editora, e TALVEZ OS LÍRIOS COMPREENDAM (poesia), 2004, Cadernos do Campo Alegre.
Filipa Leal, A Cidade Líquida, a sair a 28 de Outubro, no Clube Literário do Porto, às 18h. Com João Gesta e a autora. Em Lisboa, apresentação do livro a 18 de Novembro, às 18:30, na Fnac do Chiado, com a presença de Nuno Júdice.
Sobre A Formação da Mentalidade Submissa, de Vicente Romano, a sair a 20 de Outubro
Autor de treze livros e de outros nove em co-autorias, redigiu a impressionante quantidade de cerca de uma centena de artigos científicos para revistas da especialidade em Espanha e no estrangeiro, tem outras tantas participações em conferências, seminários, e congressos académicos nacionais e internacionais. Traduziu para o castelhano mais de meia centena de trabalhos de alguns dos mais importantes pensadores e cientistas sociais da actualidade.
Vicente Romano
quarta-feira, setembro 20, 2006
A Casa do Infante vista por Luís Ferreira Alves
sexta-feira, setembro 15, 2006
Palavras no Fim do Verão, de João Pedro Mésseder
Cai a noite, cai
o verão,
caem pálpebras
e o sol
só leva de seu
deste dia
umas palavras à sede
que em breve
alguém despertando,
alguém do outro lado da Terra
colherá em concha fria
para que elas
se ergam de novo
e busquem sozinhas a água.
Poema de João Pedro Mésseder
Setembro de 2006
Ilustração de João Maio Pinto
sexta-feira, setembro 08, 2006
L' Étranger
Insignificâncias, de Paulo Kellerman
sábado, setembro 02, 2006
A edição das Obras Completas de Débord
sábado, agosto 26, 2006
O Aquário de João Pedro Mésseder e Gémeo Luís no 3º ano de escolaridade do Plano Nacional de Leitura (PNL)
Plutão e os Bosquímanos
Apesar de uma estranha reunião que o reduziu a planeta-anão.
quarta-feira, julho 26, 2006
Em Agosto...
...vamos de férias, mas não nos esqueçamos que...
O Rivoli vai ter gestão privada. Por isso, subscrevo um protesto aqui.
...a 13 de Agosto, pelas 22h, Vítor Pinto Basto estará na Feira do Livro da Póvoa de Varzim a apresentar o seu «Morto com Defeito», junto com um convidado.
«Vozes do Alfabeto» de João Pedro Mésseder é um excelente livro infantil, ilustrado por João Maio Pinto, que sairá em Setembro.
E em Setembro publicar-se-á, também, o esperado ensaio de Vicente Romano, «A Formação da Mentalidade Submissa».
E é no final deste mês que nos encontraremos na O Navio de Espelhos, em Aveiro, com Gonçalo M. Tavares e Paulo Kellerman para falar de literatura, de contos e da vida. Porque na outra data prevista esta conversa não se pôde realizar.
No princípio de Outubro, verá a luz do dia «A Cidade Líquida e Outras Texturas» de Filipa Leal, um livro de poesia que diz que as cidades têm luzes nas palavras. Belíssimo livro este.
Entretanto, se pretenderem consultar a nossa loja e encomendar livros http://www.derivaeditores.pt/ que, nesta altura de férias, poderão ser enviados com algum atraso. Boas férias para todos!
Hoje, não me apetece falar de livros
Hoje não me apetece ler ou falar, sequer, de livros.
terça-feira, julho 25, 2006
a. pedro correia. Estudos de Tons de Pele para Michael Jackson
sábado, julho 22, 2006
Antes de irmos definitivamente para férias... não esquecer:
- de lembrar às pessoas que encomendam os seus livros na nossa loja electrónica que, nesta altura, as coisas vão mais devagar e que a partir de dia 1 até dia 15 paramos mesmo.
- de agradecer (mais uma vez) às muitas dezenas de pessoas que apareceram no D. Tonho para estar com Vítor Pinto Basto e com o M.J.Marmelo para ouvir falar de o Morto com Defeito. Com o Douro ao fundo.
- de agradecer igualmente a G.W.Bush e a Israel a atenção e mobilização que levou gente à Unicepe, na Sexta-feira dia 21, para protestar contra o estado de guerra permanente a que leva esta estratégia de morte programada pelo imperialismo. Paulo Esperança, José Mário Branco e Rui Pereira orientaram um debate vivo e mostraram que, no Iraque, tal como agora em Beirute, as coisas não são bem como as Tv's e os jornais nos querem impingir. Que o mundo é feito de resistências várias...
- ...e de lembrar-vos que isso os desorienta.
sexta-feira, julho 21, 2006
Hoje, às 21:30, na Unicepe - sessão/debate sobre Falluja
Hoje na Unicepe (à Carlos Alberto, aqui no Porto), pelas 21:30, realizar-se-á uma sessão com José Mário Branco e Rui Pereira sobre o massacre de Falluja no Iraque. Aparece.
quinta-feira, julho 20, 2006
Logo, no D.Tonho, pelas 21:30, com Vítor Pinto Basto
segunda-feira, julho 17, 2006
Os livros de João Pedro Mésseder no Plano Nacional de Leitura
João Pedro Mésseder e Gémeo Luís, um autor e ilustrador que nos são especialmente queridos, estão presentes no PNL com O Aquário, para o 3º ano, editado pela Deriva. Depois aparece o Não Posso Comer sem Limão, um conto tradicional recontado pelo autor e duas antologias também por ele organizadas: a magnífica Conto Estrelas em Ti, ilustrado por João Caetano e Fiz das Pernas Coração, da Caminho.
Iremos voltar mais tarde a este assunto tentando vários depoimentos sobre o Plano Nacional Leitura, lá para Setembro/Outubro. Voltaremos, portanto.