Em boa hora a Letra Livre publicou O Negócio dos Livros, de
André Schiffrin. Com um subtítulo esclarecedor, Como os grandes grupos
económicos decidem o que lemos, avançamos para a leitura que se revela
extremamente interessante para quem, como nós aqui pela Deriva, se vê em palpos de aranha
para sobreviver no mundo dos livros. Mundo que não é todo igual, como nos avisa
a tempo, Vítor Silva Tavares que o prefacia.
Schiffrin é americano, filho de judeus que fugiram da
ocupação nazi em França, e isto explica já alguma coisa. Ou seja, a posição
política do autor que foi editor da Pantheon Books e, depois, da New Press, é
claramente de esquerda. Bom, em termos europeus podemos dizer que sim, mas na
América é um perigoso liberal, ainda por cima com excelentes ligações a editoras
francesas e inglesas que editaram Sartre, Hobsbawm, E.P. Thompson, Marguerite
Duras, Beauvoir, Chomsky, Ivan Illich e por aí fora... Parece-nos evidente que
sem ele, estes autores muito dificilmente veriam a luz do dia nos E.U.A.
O livro, em si, não contém grandes novidades para os
leitores que sabem escolher os seus livros. Mas devia ser de leitura
obrigatória para os que vão atrás dos horríveis escaparates com que as
livrarias nos agridem todos os dias. Talvez seja bom saber como se formatam as
mentes com os livros, já de si formatadas pela TV e pelo cinema de Holywood bem acompanhadas
por outros avanços capitalistas, tão alienantes e perigosos como os primeiros.
Mas o livro de Schiffrin devia ser igualmente de cabeceira para os editores das
grandes fusões à moda portuguesa. Porquê? Porque aquilo que foi feito nos anos
90 nos EUA e Grã-Bretanha está ser feito em Portugal e no resto da Europa.
A receita é aparentemente simples: duas, três, quatro médias
editoras (atenção à diferença de dimensão: uma média editora americana é maior
do que uma considerada grande editora portuguesa), são compradas por um grupo
ligado a uma grande televisão, revistas, ou seja, do que comummente chamamos de
media. Após a compra, inicia-se o processo de despedimento colectivo, enviando
para o desemprego os antigos editores e contratando «novos» gestores que nada
tem que ver com os livros, antes, com dinheiro puro e duro. Schiffrin diz-nos
que se fazem pagar como nababos, sendo de crer que alguns têm ordenados maiores
que alguns administradores de bancos, o que é obra!
Chegados aqui, começa a transformação ideológica das editoras
fundidas: já não haverá lugar para grandes pensamentos ou critérios editoriais
alternativos. Agora, pensa-se em ganhar dinheiro e a direita julga-se boa
nisso. Avança-se com «biografias», com pagamentos principescos a personalidades
dúbias, livros de autoajuda, de cozinha, de viagens, de personalidades da TV e
cinema, livros ligados a Fundações, etc.
Julgam que isto dá dinheiro? Não, não dá. O autor e editor,
garante-nos que os números são claramente inflaccionados, reduzindo-se até a
margem de lucro das fusões para limites inaceitáveis (chega-se a calcular 1% de
lucro, o que não será de admirar tendo em conta os ordenados brutais dos
administradores, o gasto de pagamentos em avanços idiotas por novos editores
mais interessados em ganhar currículo antes do despedimento, a publicidade na
TV de livros que nada vendem, os prémios completamente desajustados, etc,
etc.). Mesmo a venda de livros é uma mentira: quem já não viu, aqui em
Portugal, por exemplo, a 24ª edição de um livro junto a uma 6ªou 12ª edição do
mesmo livro?
Outra coisa que nos faz pensar é a «escolha» do e-book como
alternativa segura ao livro por gigantes como a Amazon. Mais uma inflacção de
vendas: só o que se gasta em publicidade não dá sequer para contrabalançar as
vendas on line. E têm estado a baixar por cansaço das pessoas com as escolhas
sempre iguais no plano editorial. Não fossem alguns jornalistas a serem
cúmplices desta estratégia e provavelmente a situação era bem pior.
Mas é provável, mesmo sabendo isto, que a coisa continue. A
incongruência é parte inseparável do capitalismo e, por isso, o processo de
multiplicação da usura editorial e da especulação também têm aqui o seu papel.
Exactamente, o seu papel!