A importância das coisas sem importância
Porto, 15 de Maio de 2006
Ontem, no Pavilhão do Coimbrões (em Gaia) assisti a uma manifestação desportiva fantástica. Dezenas de crianças divertiam-se a aprender a jogar basquetebol e mostravam aos pais e familiares, sentados nas bancadas, como sorrir é um fermento necessário para a vida ter interesse em ser vivida.
Ao ver aquela gente anónima que organizou o simpático evento desportivo, que não aparece nas primeiras páginas nem nas outras dos nossos jornais - e vivem pouco se preocupando com isso, mais interessados em ajudar a criar crianças para, através do desporto, serem melhores adultos -, lembrei-me de um texto que escrevi em tempos, e depois revi, e com que quis homenagear a real importância das pessoas sem aparente importância. Aqueles que, para mim, são verdadeiramente importantes.
É esse o texto:
Ontem, no Pavilhão do Coimbrões (em Gaia) assisti a uma manifestação desportiva fantástica. Dezenas de crianças divertiam-se a aprender a jogar basquetebol e mostravam aos pais e familiares, sentados nas bancadas, como sorrir é um fermento necessário para a vida ter interesse em ser vivida.
Ao ver aquela gente anónima que organizou o simpático evento desportivo, que não aparece nas primeiras páginas nem nas outras dos nossos jornais - e vivem pouco se preocupando com isso, mais interessados em ajudar a criar crianças para, através do desporto, serem melhores adultos -, lembrei-me de um texto que escrevi em tempos, e depois revi, e com que quis homenagear a real importância das pessoas sem aparente importância. Aqueles que, para mim, são verdadeiramente importantes.
É esse o texto:
O cearense preso a sorriso minhoto
O Hugo ainda venderá lagosta, com os seus 14 anos, na praia do Futuro, em Fortaleza. Caminhando pela praia como quem saltita sobre sorrisos. Assim assumindo a sua importância num importante mundo, com sol, praia, mulheres bonitas e tanta quentura na imensidão.
É apenas mais um naquela praga de vendedores que enfernizam a vida a quem pretende sossego.
Mas a ele, com o tempo, facilmente tudo se aceita. Mostra lagostas como se elas fossem a melhor coisa que há na vida, com um sorriso simpático que agrada; lagostas há muitas, sorriso como o do Hugo há só um, o dele.
George W. Bush nem sabe que ele existe, Saddam Husein também; mas haverá, no Iraque, nos EUA e noutros cantos do Mundo, crianças com a simpatia e o sorriso semelhante ao do Hugo. E outras crianças, certamente, com outros sorrisos e outras maneiras de mostrar a sua ternurenta maneira de aceitar o Mundo
Na praia, aquela criança chamada Hugo tem diariamente uma guerra para ganhar: arranjar dinheiro para entregar à mãe, que também anda no areal a garimpar reais para lutar contra a pobreza, que a mina.
Na praia do Futuro, com o areal sendo a sua fortaleza em Fortaleza, o sol e o mar o seu campo de batalha, a todos tenta conquistar com a sua simpatia.
Naquela Praia do Futuro, crescendo como vendedor de lagosta não é difícil imaginar que o Hugo dificilmente terá outro futuro.
Nos olhos, Hugo foi mostrando o que trazia escondido, o sonho que transmitiu mal a conversa foi para além da lagosta que queria vender. Tinha o sonho de abandonar as lagostas e trabalhar em Portugal. "Português é mais amigo que os outros", diz, atirando logo para a recordação e para o desejo (não quero acreditar que ele diga o mesmo dos outros estrangeiros): "Conheci uma rapariga de Braga, gostava de a voltar a ver, que sorriso lindo ela tinha. É cara, a viagem de avião?"
Naquela praia, os olhos de Hugo levantaram voo. Uma brisa quente convidava ao mergulho, num sol a que apetece regressar. O mar do Ceará é único porque revoltoso e brincalhão e quente. O paraíso também é ali, a uma hora do Equador. O tempo parece imenso e o deleite também.
Não sei se o Hugo já amealhou o dinheiro necessário para voar até ao sorriso da portuguesa de Braga, que só por luminoso acaso dos deuses poderá voltar a ver. Nem sei abandonou a lagosta para começar a estudar a sério um outro projecto de futuro. Sei que nos sentamos à mesa, naquele bar junto à praia, a comer três das lagostas que tinha no cesto para vender. E ali ficamos a conversar de tudo e de nada. Sem haver tempo para questões metafísicas:
É apenas mais um naquela praga de vendedores que enfernizam a vida a quem pretende sossego.
Mas a ele, com o tempo, facilmente tudo se aceita. Mostra lagostas como se elas fossem a melhor coisa que há na vida, com um sorriso simpático que agrada; lagostas há muitas, sorriso como o do Hugo há só um, o dele.
George W. Bush nem sabe que ele existe, Saddam Husein também; mas haverá, no Iraque, nos EUA e noutros cantos do Mundo, crianças com a simpatia e o sorriso semelhante ao do Hugo. E outras crianças, certamente, com outros sorrisos e outras maneiras de mostrar a sua ternurenta maneira de aceitar o Mundo
Na praia, aquela criança chamada Hugo tem diariamente uma guerra para ganhar: arranjar dinheiro para entregar à mãe, que também anda no areal a garimpar reais para lutar contra a pobreza, que a mina.
Na praia do Futuro, com o areal sendo a sua fortaleza em Fortaleza, o sol e o mar o seu campo de batalha, a todos tenta conquistar com a sua simpatia.
Naquela Praia do Futuro, crescendo como vendedor de lagosta não é difícil imaginar que o Hugo dificilmente terá outro futuro.
Nos olhos, Hugo foi mostrando o que trazia escondido, o sonho que transmitiu mal a conversa foi para além da lagosta que queria vender. Tinha o sonho de abandonar as lagostas e trabalhar em Portugal. "Português é mais amigo que os outros", diz, atirando logo para a recordação e para o desejo (não quero acreditar que ele diga o mesmo dos outros estrangeiros): "Conheci uma rapariga de Braga, gostava de a voltar a ver, que sorriso lindo ela tinha. É cara, a viagem de avião?"
Naquela praia, os olhos de Hugo levantaram voo. Uma brisa quente convidava ao mergulho, num sol a que apetece regressar. O mar do Ceará é único porque revoltoso e brincalhão e quente. O paraíso também é ali, a uma hora do Equador. O tempo parece imenso e o deleite também.
Não sei se o Hugo já amealhou o dinheiro necessário para voar até ao sorriso da portuguesa de Braga, que só por luminoso acaso dos deuses poderá voltar a ver. Nem sei abandonou a lagosta para começar a estudar a sério um outro projecto de futuro. Sei que nos sentamos à mesa, naquele bar junto à praia, a comer três das lagostas que tinha no cesto para vender. E ali ficamos a conversar de tudo e de nada. Sem haver tempo para questões metafísicas:
"O que faz uma pessoa sem importância num mundo tão importante?"
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