terça-feira, janeiro 22, 2019

Violência e Literatura: um mal nunca vem só / 28


Na capa da inominável revista: «O romance que derrotou a ETA»

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Algo na capa da última LER (nº149) chamou-me a atenção. Um exclusivo de Eduardo Mendoza, editado pela Seix Barral em forma de livro em Espanha, foi aqui publicado nesta revista com o seguinte título: «O que é que se está a passar na Catalunha?». A outra chamada de capa tinha um título mais bombástico. Literalmente. «País Basco. O romance que derrotou a ETA». Ora, depois de desembolsar a quantia nada meiga da revista em causa, pus-me a ler de imediato o segundo artigo sobre o País Basco e tratava-se de uma crítica do livro «Pátria» de Fernando Aramburu, editado aqui em Portugal há pouco tempo. Mas um livro que derrota uma organização paramilitar como a ETA? Afinal, quando abro na página do artigo em causa, o título era outro: «Pátria, a derrota LITERÁRIA da ETA». Ah, literária! Depois de lido o artigo na íntegra onde Aramburu nada tem de sua responsabilidade, chega-se à conclusão que «Depois da derrota nos planos operacional e legal, Pátria deixa a derrota literária da ETA a um passo», Afinal em que ficamos? Derrota final, derrota assim-assim ou vitória nem que seja de Pirro? É minha convicção que não se vence nenhuma luta desta natureza com qualquer livro por muito bem escrito que esteja. E está. Se fosse assim Savater tê-la-ia derrotado antes. A literatura não salva ninguém. Não é redentora. Não se desculpa nem se exorciza. Não derrota ninguém. Talvez nos dê a vaga sensação de catarse, e aí talvez tenha alguma utilidade. O campo da derrota ou da vitória prende-se somente com a política e com a vontade dos homens e mulheres que a fazem.
Já Eduardo Mendoza começa por dizer que não vive na Catalunha (tal como Aramburu não vive no País Basco) mas dá-nos uma visão nítida do que se passa nas terras de Barcelona. É uma perspetiva que é apresentada aos «estrangeiros» como nós, certo. Mas incomoda a não identificação do fascismo com o franquismo e por assim dizer ao salazarismo visto ambos serem de matriz católica. Ora, a estrutura do estado estava assente no fascismo corporativista italiano e segundo Michael Mann o que diferencia estes dois regimes é a não existência de grupos paramilitares promotores de terror sobre as massas. Não o seu catolicismo. Sabemos como foram tratados os radicais de direita nestes regimes. Perseguição em Espanha aos falangistas e às JONS e, em Portugal, aos «Camisas Azuis» de Rolão Preto, que criticavam ambos os regimes. Quer Franco, quer Salazar odiavam a desordem. Mas isso não quer dizer, segundo a minha opinião, que no caso da Catalunha, não sofresse a repressão do franquismo (que Mendoza e Aramburu aliviam cada um à sua maneira e na sua região de origem), proibindo a fala do catalão (tal como o galego e o basco) e cujo desenvolvimento económico levou Espartero a pronunciar a frase «Há que bombardear Barcelona a cada 50 anos». Isto é fascismo. Os dois regimes, espanhol e português, souberam como ninguém criar uma sólida cultura de propaganda e de falso folclore, criando uma espécie de espectáculo popularucho, inventando trajes, músicas e falsos costumes, estereótipos franquistas que Mendoza nos apresenta nesta frase: «o catalão é trabalhador, um pouco lerdo de expressão, bastante tacanho. O seu modo de se comportar é tosco. A sua imagem é a de um homem barrigudo, de meia-idade, careca, risonho, devoto de Moreneta, sócio do Barça desde o berço. Comparado com o andaluz gracioso e preguiçoso, o madrileno jeitoso, o basco algo nobre e duro de moleirinha, o aragonês teimoso ou o galego astuto, mas impreciso, a caricatura poderia ser pior». Por isso, não admira que Mendonza nos atire à cara que a burguesia catalã também não tem literatura e daí a sua derrota frente à intelectualidade espanhola. A existir, o que é pouco provável, salvai-nos da literatura que derrota povos inteiros. E de literatos ou poetas em governos!

António Luís Catarino, 13/07/2018