Georg Friederich Haas
A Casa da
Música do Porto, cujo emblemático edifício do arquiteto Rem Koolhaas se está a
tornar um ex-libris, abriu a nova
temporada dedicada à Áustria com um espetáculo memorável. Trata-se de In Vain, de Georg Friederich Haas que,
segundo alguns críticos do jornalismo de referência internacional, foi o grande
acontecimento de composição musical do século XXI (mesmo que este ainda esteja
na adolescência). Tive a sorte de caminhar, lesto, para comprar os bilhetes que
me proporcionariam momentos de grande exaltação sensorial. Georg Haas, sendo
austríaco, compôs In Vain inspirado no
aumento da influência da extrema-direita na Áustria em 2001, quando Jorg Haider
esteve a ponto do seu FPO participar no governo. Hoje, lembremo-nos, este
partido xenófobo e racista está em coligação com os democratas-cristãos no
poder. Por isso, a exaltação da composição está na base da «harmonia
desarmónica» que constitui a experiência musical de Haas, por vezes assustadora
e violenta, principalmente quando as luzes se apagam totalmente na sala e os
músicos entram num jogo de provocação individual improvisada, sem a batuta do
maestro. Não é um jogo fácil, mas o seu produto é esmagador para quem assiste.
Percebemos onde o compositor austríaco nos quer levar, mesmo que o argumento
seja o experimentalismo e a contemporaneidade. Entendemos, portanto, que Haas
se tenha refugiado nos EUA, saindo da Áustria com a sua mulher de origem
afro-americana. Mas ainda lá vive, sob ameaça constante dos cripto nazis, uma
prémio Nobel da Literatura austríaca: Elfriede Jielinek. Escritora,
argumentista (a sua relação dura com a mãe, católica fundamentalista, esteve na
base do filme «A Pianista»), radialista, poeta e dramaturga está na base de
livros de uma beleza extraordinária pela sua crueza, sinceridade e
conflitualidade com qualquer tipo de repressão, quer familiar, quer social ou
política. Jielinek, tal como Haas, não têm perfil de desistentes. São
resistentes. Uma opção, dirão, recuada, mas que nos tempos que correm é a
escolha artística óbvia se soubermos fugir ao panfletismo fácil. Conto-vos uma
estória: estive na cosmopolita e social-democrata Viena há dois anos. Num
passeio pelos museus e pelas livrarias mais conceituadas da cidade (fui a
quatro, uma delas a famosa Shakespeare and Co., que não sabia existir lá)
nenhuma sabia quem era Jielinek ou, se o sabiam, diziam-me que não tinham
nenhum livro dela. O esquecimento é também uma forma de expulsão. Resta-nos a
boa consciência de ter editado o seu Manual
de Sabotagem em português. Isto fica para quem acredita que vivemos tempos
verdadeiramente perigosos. Já não só na Hungria ou na Polónia. Também na
civilizada Áustria, país convidado do Porto em 2018.