Victor Segalen
Kenneth White, no seu livro «O Espírito Nómada», já nos
tinha avisado sobre Segalen. Ele foi, sem dúvida, uma referência ao que ele
chama de «geopoética» como uma busca de um território radical «dentro do qual
pretende unir a presença no mundo a uma estética que seja poderosa, comovedora
e bela» (Rui Bebiano, Revista Ler, nº 73). É pois um nomadismo intelectual,
mais do que um exotismo ou simbolismo com que Segalen é muita vez tratado pelos
seus biógrafos. Mas este poeta, médico, arqueólogo, marinheiro e escritor,
procurou incessantemente o seu próprio espaço poético. Nascido em Brest em 1878
e falecido em 1919 ousou um errar permanente por um mundo já demasiado pequeno
(chega a ironizar com a inglória viagem de Fernão de Magalhães) e tocado pela
civilização ocidental que Segalen põe cada vez mais em causa, principalmente na
conversão imposta pelas religiões que recusam o prazer e bem descrito no seu
livro «Os Imemoriais». Segalen consegue colocar-se no Outro, na pele do
pensamento mágico, primitivo, e desenhar uma lógica de resistência. As suas
viagens pertencem ao domínio do fantástico. Vive no Tahiti e procura Gauguin
que morre três meses antes da sua chegada. Consegue salvar os seus diários e
sujeitar-se a um «leilão» absurdo das suas pinturas que salva e as remete para
França. No arquipélago, sente comoção e exaltação pela beleza luxuriante da
Natureza. Deslumbra-se com as mulheres, o modo de vida e deuses maoris. Escreve
as suas impressões aos seus amigos De Voisin, Debussy e Claudel, entre outros. Depois
da guerra de 14/18, vai para a China, de que não é particularmente entusiasta.
Interessa-se pelas estelas antigas e escreve um conjunto de poemas com esse
nome e «Terra Amarela». Estes poemas são uma viagem para dentro de si, mais do
que eventuais tentativas de elaborar «poemas chineses». Mas é a sua viagem à
Abissínia que mais me fascina. Vai de encontro à memória de Rimbaud, já uma
«lenda» das belas-letras francesas, em Harrar. Quer saber por que parou o poeta
de escrever. Quais os negócios a que se dedicou. Entrevistou amigos, um deles,
o dono do «Café de La Paix»: as transações de armas e escravos não correram bem
a Rimbaud como ele confirma. Quando Segalen adoece e vai para França, ainda tem
forças para se encontrar com Isabelle Rimbaud a irmã mais nova do poeta, a
preferida, e que assistiu à sua morte. Ao contrário das opiniões de biógrafos,
veio a verdade pela boca de Isabelle: não, nada escreveu nos últimos dias.
Tinha abandonado definitivamente as letras e voltado para a Europa, esse
«charco negro e húmido». Quando, moribundo, a irmã lhe lia algo e encontrava
poesia, ele pedia-lhe para saltar as linhas depressa. Segalen compreendeu.
Escreveu «O Duplo Rimbaud». Ainda hoje não se sabe o diagnóstico que o levou à
morte prematura.
António Luís Catarino, 30/01/2018