Patrik Ouredník
Calhou-me às mãos um livro de um rapaz checo nascido como eu
nos anos 50 do século XX: Patrik Ouredník que escreveu o tão estranho, quanto
lúcido «Europeana». A Espanha teve sorte, visto que o livro de 2001, foi
editado aí em 2004 e em Portugal somente em 2017. Adiante. É obrigatório lê-lo
e não ter receio de comparar o seu autor a Swift, Sterne ou mesmo a Beckett. Entremos
no horror: em 1944, aquando do desembarque na Normandia, os americanos tinham
de altura média 1,73m. Se juntássemos os corpos dos que tombaram teríamos uma
fila de 38 Km. Atenção: se utilizássemos o mesmo padrão aos franceses caídos em
toda a II Guerra teríamos 2681 Km, os ingleses 1547 e os alemães 3010. Se num
exercício mais macabro os contássemos a todos, teríamos a soma terrífica de
15508 km. O diâmetro da Terra é de 12 742Km. Mas a carnificina da I Guerra terá
sido mais traumatizante ainda: havia novas armas e novas estratégias que matavam
no mar, em terra e no ar. Perante a morte em massa fixemo-nos na frase de um
soldado italiano que, nas trincheiras infectas, escreve à sua irmã o estranho
título em epígrafe, versão não nuclear do Dr. Strangelove. Não faltará, pois,
entusiasmo e os nazis e os estalinistas criaram campos de concentração, de
extermínio e de reeducação e também a noção do «homem novo», o que vai dar ao
mesmo. Mas foi o trabalho e a técnica, o alfa e o ómega da nova era. As
mulheres também se libertaram entre as duas guerras, substituindo os homens nas
fábricas de armamento e gazes nocivos e algumas morreram de cancro e ficaram
estéreis. Colavam cartazes nos EUA do tipo «Ai quem me dera ser homem:
juntava-me imediatamente à marinha!». Depois, as teorias eugénicas levaram ao
Holocausto e ao genocídio dos judeus em massa mas, em 1985, o Conselho Mundial
Judaico não reconheceu o genocídio cigano. Depois, matou-se Deus lá pelos anos
60 e um revolucionário francês conhecido afirmou que tinha dúvidas que o Homem
O substituísse com competência. Mas nos anos 30 e 40 mataram-se muitos
homossexuais, alcoólicos, inadaptados, subversivos e malucos. Pararam nos anos
50 quando os cientistas pensaram que se os eliminassem a todos, seriam ainda
precisas 90 gerações para conseguir 1 associal em cem mil pessoas. Depois
vieram as crianças e os jovens que queriam produtos para eles e a sociedade de
consumo deu-lhes tudo, embora eles combatessem a sociedade de consumo. Este
hedonismo é que mata a memória, o que é perigoso, diziam os historiadores
entendidos no assunto. Depois, os animais ficaram importantes e os soldados
americanos no Vietname quotizaram-se para construir um monumento aos 4100 cães
caídos pela democracia e pela liberdade. Finalmente (?), em 2000, o estado do
Alabama permitiu casamentos mistos entre brancos e negros. Vieram as teorias
apocalípticas afirmando bastas vezes que o mundo ia acabar. Quase que acabou às
23.59h do dia 31 de dezembro de 1999, quando o «Bug do Milénio» não saberia identificar
o ano de 2000 e voltaríamos a 1900. Como o século não existisse e a
eletricidade não tivesse sido inventada.
António Luís Catarino, 12/02/2018