sexta-feira, janeiro 04, 2019

Carta aberta a Lucy que morreu há 4 milhões de anos 16


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Em 1974, um grupo de arqueólogos barbudos, meio hippies, ao ouvirem «Lucy in the Sky with Diamonds (LSD)» deram com o teu esqueleto, nessa ocasião, o mais antigo até então descoberto. Foi na Etiópia e deram-te o nome de Lucy. Sei que tinhas filhos, que provavelmente foste morta ao tentar salvá-los de um predador. Num mero exercício literário, imagino-me a aproximar-te de ti. Imediatamente mostras, agressiva, os teus dentes caninos de australopiteco e, pequena como és, dás saltos para me ameaçar. Provavelmente, pegarás numa pedra a atiras-ma. Queres afastar-me a todo o custo das tuas crias e se me conseguires matar, chamarás todo o bando que me canibalizará, por certo. O meu corpo será um festim de duas semanas. Nesses dias não passarás fome. É provável que da minha coluna vertebral seja retirada a medula, a sobremesa, o postre que dividirás, solícita, pelo bando. Estudei-te na universidade. O teu esqueleto, quanto medirias, quanto precisarias de calorias diárias, tu, uma recolectora que sabe ver em cada manifestação da natureza, um bem. Repito, tenho um eterno carinho por ti. Mas acabaste de morrer, hoje, e não há 4 milhões de anos, em que dataram a tua ossada. Num vídeo de poucos minutos acabaste de ser assassinada por um robôt: Sophie, de seu nome. Encontrei-a aqui https://www.youtube.com/watch?v=BuF7juHPSk0 e não me canso de lembrar-me de ti. Sabes, ela ri-se (ainda é um esgar doloroso), é simpática, tem humor, faz piadas com Blade Runner e com a inteligência artificial, que faz dos humanos seres demasiados estúpidos porque, imagina, somos seres emotivos. É uma robô, que pode ser programada para ser servil, bonita, acompanhante para todo o serviço nas nossas vidas solitárias. Nada de bandos ou tribos. Sós, mas vivendo como robôs, seremos como eles. Ainda não é um objeto sexual, porque a nossa moral e ética mudou entretanto, mas não durará muito a sê-lo. Viajará connosco. Não haverá conflitos de interesses, porque Sophie só pensa em agradar-nos. Nada mais. Pode até deliciar-se com um prémio nobel da literatura e ter um pequeno debate intelectual connosco, humanos. Adorará, à noite ler-nos um poema, enquanto nos prepara uma bebida. Programará a nossa triste felicidade. Não nos matará, nem defenderá as suas crias. Conquistou, facilmente, a cidadania da Arábia Saudita, perto do território onde foste encontrada, Lucy. Terá mais direitos que as mulheres que provavelmente terão ainda os teus genes. Na hora da tua morte, quero reafirmar, perante todos, que te amo, Lucy.

22 de novembro de 2017