sexta-feira, janeiro 04, 2019

Algumas adendas lusas para a história do desespero universal 19

Imagem relacionada


Não. Não se trata de balanço ou previsões de um ano que findou ou outro que vá começar. Prefiro os anos contados por solstícios e equinócios para que as alterações climáticas não me apanhem desprevenido. Gentes: o Tejo chega a Portugal poluído! Ora, isto é um bom sinal porque, afinal, é prova de que o Tejo ainda existe e tem leito constituído por água. Com alguma poluição é certo, com a sua fauna e flora bem fanadas, mas com água! A maioria dos portugueses acha que haverá mão humana nas alterações climáticas, mas não se mexem perante a conclusão científica que, dentro de pouquíssimos anos, teremos um clima igual ao Norte de África. Os portugueses não se importam. Com a capacidade de resistir contra o desespero, chamar-se-á a arte do desenrascanço e reconverteremos o turismo do Sul em destinos onde prevalecerão as dunas desérticas e os oásis de sonho. Possivelmente ganharemos até o Paris-Dakar. O Norte terá, portanto, um clima semelhante ao Algarve o que deixa todos satisfeitos.
Volta-se a debater a questão dos imigrantes e dos refugiados, desenhando-se leis para o aumento do rigor na sua entrada e flexibilizando a sua expulsão. Nada que nos desespere. Mesmo que sejamos um dos países com menor taxa de natalidade da Europa e cuja diáspora atinja já os dois milhões de mamíferos humanos. Grande parte de emigração portuguesa para a Europa nos anos pesarosos da troika não regressou, igualmente. Nada que nos incomode. Os jovens que saíram de Portugal, esses, não mais virão. O nosso ordenado mínimo continua dos mais baixos. Subiu para 560 euros. Desespero? Vejamos o lado positivo, pouco se paga de impostos com este mísero salário. O nosso ordenado médio é de 1000 euros. O ministro das Finanças (agora chefe do Eurogrupo, eia! eia!) afirma que o próximo ano será o da poupança. E não se riu. Somos dos países cujo fosso entre os mais ricos e os mais pobres aumentou mais que o fosso já existente no mundo. Desespero? Só para os mais ricos, que terão de procurar novas off-shores para não darem nas vistas.
Os portugueses cada vez leem menos e os níveis de iliteracia e de numeracia começam a ser preocupantes. Havemos de desesperar? Não. Os livros, esses objetos cada vez mais pré-históricos serão substituídos por imagens. As letras, esses incómodos que formam palavras, transformar-se-ão numa espécie de runas modernas que são os emojis dos telemóveis.
Somos dos povos que mais ansiolíticos consome. Há uma verdadeira guerra civil nas estradas portuguesas com 15 mil mortos contados no ano passado. Somos dos povos que mais prisioneiros tem em proporção a outros países democráticos. O desemprego jovem não baixa. Os velhos pedem luta contra a solidão que os mata. A floresta arde ao ritmo das celuloses e do negócio dos incêndios. As crianças sentem a falta dos pais afundados em horários de trabalho desumanos. O interior desertifica e as cidades turistificam-se. Ah…a cannabis pode vir a ser prescrita para uso terapêutico e não recreativo. Pena. Somos dos maiores exportadores de cannabis para o Canadá e EUA, enquanto que 9 milhões de lusos, esperam, ansiosos, pela prescrição médica salvadora.


António Luís Catarino, 11/01/2018