terça-feira, março 29, 2011

Normal, de Ricardo Silveira, por Rui Spranger


Normal, monólogo em um acto de Ricardo Silveira é encenado e interpretado por Rui Spranger e estreará a 20 de Abril de 2011, no Pinguim Café, ficando em cena até dia 22 de Maio, de quarta a sexta às 21h30 e sábado e domingo às 22h30.

Normal é o monólogo de um indivíduo que se encontra sozinho num espaço público, constrangido pela situação e preocupado em ter um comportamento normal. Questiona-se sobre a percepção que os outros terão de si, inquietando-se com as diversas leituras que julga perceber, e vai-se refugiando em estratagemas para passar despercebido, inclusive o controlo do pensamento, numa tentativa de construir o clima mental que lhe convém. Nesse processo reflecte sobre o lugar do individuo na comunidade, sobre a forma como é olhado e qual a pose certa a adoptar para se fundir com os outros, para não causar estranheza nem rejeição. Ao tentar obsessivamente ser normal, interroga-se sobre as condições dessa normalidade e põe em causa o seu próprio comportamento e identidade.

segunda-feira, março 28, 2011

Deriva

Ontem, em Serralves. Deriva de Gil J. Wolman, 1968

28 de Março, 32 anos após Three Mile Island

No próximo dia 28 de Março cumprem-se 32 anos do acidente de Three Mile Island (TMI), em Harrisburg, nos EUA. Uma fusão parcial do reactor provocou grandes emissões de gases radioactivos para a atmosfera, as quais nunca foram quantificadas, nem analisados os seus efeitos na população. Os efeitos do acidente de Fukushima Daichii, com a situação ainda longe de ser resolvida, superam largamente os de TMI. Para assinalar a data, várias centenas de espanhóis e portugueses concentraram-se este Domingo em Almaraz, para exigir o encerramento da central nuclear a 100 km da fronteira portuguesa.


O acidente de Three Mile Island

O reactor TMI-2 sofreu graves danos e uma emissão de gases radioactivos que afectou cerca de 25 mil pessoas. Foi classificado como nível 5 na escala INES. O acidente de TMI começa com uma falha do circuito secundário, que resultou num aumento da temperatura do reactor. Nesse momento, um operador tomou uma decisão errada e introduziu grandes quantidades de água fria no circuito primário de refrigeração, na tentativa de baixar a temperatura. Contudo, esta água ferveu, formando borbulhas de vapor.

Além disso produziu-se hidrogénio, tal como em Fukushima, que foi necessário ventilar para evitar uma explosão dentro da contenção. Esta ventilação deu lugar a uma nuvem radioactiva. Não foi possível evitar uma fusão do núcleo e foi necessário lançar água e areia para o seu interior. Ainda que esta sequência de acontecimentos fosse improvável, ela acabou por produzir-se, com efeitos catastróficos.

Situação em Fukushima é muito grave

32 anos depois, o acidente de Fukushima já provocou, pelo menos, uma fusão parcial de três reactores (números 1, 2 e 3) e emissões procedentes da piscina de combustível usado do reactor número 4. As emissões de trítio, iodo e césio já superam - e continuam a aumentar - em várias vezes a magnitude da catástrofe da central norte-americana e, consoante as estimativas, alcançam níveis entre 10% a 50% das emissões de Chernobil (Ucrânia). Hoje foi detectada radioactividade 10 milhões de vezes acima do limite na água junto ao reactor.

A radioactividade medida na água e no leite em mais de três vezes os níveis permitidos, num raio de 40 km da central. Os legumes apresentam concentrações radioactivas cerca de 30 vezes acima do permitido, sendo que nalguns pontos foram encontradas concentrações de césio-137 3 000 vezes acima dos valores permitidos. Isto é grave, dado que a vida média deste isótopo é de 30 anos, o que significa que tardará cerca de 300 anos a desaparecer. Além disso, a situação torna imprescindível o controlo de peixe e moluscos, dado que a água contaminada pela refrigeração dos reactores escoou para o mar. Como se tudo isto fosse pouco, foi detectada contaminação radioactiva em cinco estações de tratamento de água em Tóquio e existe a preocupação na Coreia e China de que a nuvem transporte quantidades significativas de radioactividade para estes países.

As Nações Unidas consideram que a evolução da situação é imprevisível e que esta crise nuclear deverá prolongar-se por alguns meses. Vários especialistas já classificaram o acidente de Fukushima no nível 7 da INES, o mesmo que Chernobil e o máximo da escala.

Protesto exige encerramento de central nuclear de Almaraz, a 100 km da fronteira

A indústria nuclear anuncia, à semelhança do que fez em acidentes anteriores, que aprenderá com os erros e os corrigirá para que as centrais sejam mais seguras. Vários acidentes se sucederam desde então e o lobby pró-nuclear ainda não percebeu a questão central - que a segurança absoluta não existe e que determinados acontecimentos, por mais improváveis que sejam, acabam por produzir-se.

A pergunta que deve fazer-se não apenas à indústria nuclear, mas a toda a sociedade é: se podemos prescindir da energia nuclear, porquê continuar a manter este imenso perigo? A associação espanhola Ecologistas en Acción elaborou uma proposta de geração de energia eléctrica para 2020, na qual é demonstrado como se pode prescindir da energia nuclear e do carvão, mantendo coberta a procura, de forma ininterrupta, ao longo de todo o ano. Desta forma, poderia libertar-se a Península Ibérica do risco que constitui o funcionamento dos 8 reactores nucleares, eliminando a possibilidade de desastres com o de Fukushima, no Japão.

Para assinalar o aniversário do acidente de Three Mile Island, decorreram hoje acções de protesto junto das centrais nucleares de Garoña y Almaraz. Vários portugueses juntaram-se à concentração de mais de 300 pessoas em Almaraz, para exigir o fim da ameaça que constitui a presença para de reactores nucleares na Península Ibérica. A principal preocupação centra-se no reactor de Almaraz, a 100 km da fronteira, embora um acidente em qualquer central Ibérica (ou mesmo noutros pontos da Europa) possa resultar em impactos muito graves no território português.

domingo, março 27, 2011

Teatro Ensaio: "O Teatro, a Carta e a Verdade" de Harry Mulisch, encenação de Pedro Estorninho

O Teatro, a Carta e a Verdade
de Harry Mulisch, com encenação de Pedro Estorninho.

Harry Mulisch (Foto: Anton Corbijn)


Na história de Mulisch, que pretendemos apresentar em forma de peça teatral, a trama da narrativa espelha os acontecimentos que tiveram lugar em 1987, na Holanda.

Aquando da produção da peça de Fassbinder, Der Müll, die Stadt und der Tod (O lixo, a cidade e a morte) surgiram enormes protestos por esta ser entendida como anti-semita, o que veio a tornar-se um enorme escândalo no mundo do teatro holandês da época. Um actor, Jules Croiset, que protestara contra a encenação da peça, afirmou ter recebido cartas ameaçadoras por causa desta, e acabaria por ser aparentemente raptado, só para ser encontrado no dia seguinte. Na verdade, e como se veio a saber depois, Croiset escreveu ele próprio a carta com ameaças e encenou o seu próprio rapto.

Neste texto teatral Croiset é Herbert a personagem princincipal que chora a morte da mulher. O teatro, a carta e a verdade é um episódio perturbadoramente fascinante, apresentado de forma completamente original. A peça explora as possibilidades do teatro, do fingimento e a fusão/afastamento do actor em relação à vida real. É uma constante interrogação sobre se o que estamos a ver realmente está a acontecer ou se é farsa. Quem é quem? Quem está vivo? Quem está morto? Quem é ele? Herbert ou o actor? Um Teatro? Onde acabará a Literatura e começará o Teatro?

Meta-Teatro no seu estado mais puro.
Oficina 1 do Cace Cultura do Porto
(Rua do Freixo, 1071, Porto - estacionamento gratuito, antiga central eléctrica do Freixo),
de 1 a 10 de Abril de 2011 pelas 21h30.

Apoios / Parcerias

IEFP,IP - CACE Cultural Porto / ESMAE - IPP/ TNSJ/ Embaixada dos Países Baixos/ Moagem CERES S. A./ Deriva Editores/ Associação dos Agentes Funerários de Portugal/ Vinhos do Porto Fonseca apoia a Cultura/Nouvelle Vague Photo.
Mais informações, aqui.

Mensagem do 2 de Abril de 2011, Dia Internacional do Livro Infantil

Mensagem do 2 de Abril de 2011, Dia Internacional do Livro Infantil


O livro recorda | Aino Pervik

“Quando Arno e o seu pai chegaram à escola, as aulas já tinham começado.”
No meu país, a Estónia, quase toda a gente conhece esta frase de cor. É a primeira linha de um livro intitulado Primavera. Publicado em 1912, é da autoria do escritor estónio Oskar Luts (1887-1953).
Primavera narra a vida de crianças que frequentavam uma escola rural na Estónia, em finais do século XIX. O Autor escrevia sobre a sua própria infância e Arno, na verdade, era o próprio Oskar Luts na sua meninice.
Os investigadores estudam documentos antigos e, com base neles, escrevem livros de História. Os livros de História relatam eventos que aconteceram, mas é claro que esses livros nunca contam como eram de facto as vidas das pessoas comuns em certa época.
Os livros de histórias, por seu lado, recordam coisas que não é possível encontrar nos velhos documentos. Podem contar-nos, por exemplo, o que é que um rapaz como Arno pensava quando foi para a escola há cem anos, ou quais os sonhos das crianças dessa época, que medos tinham e o que as fazia felizes. O livro também recorda os pais dessas crianças, como queriam ser e que futuro desejavam para os seus filhos.
Claro que hoje podemos escrever livros sobre os velhos tempos, e esses livros são, muitas vezes, apaixonantes. Mas um escritor actual não pode realmente conhecer os sabores e os cheiros, os medos e as alegrias de um passado distante. O escritor de hoje já sabe o que aconteceu depois e o que o futuro reservava à gente de então.
O livro recorda o tempo em que foi escrito.
A partir dos livros de Charles Dickens, ficamos a saber como era realmente a vida de um rapazinho nas ruas de Londres, em meados do século XIX, no tempo de Oliver Twist. Através dos olhos de David Copperfield (coincidentes com o olhar de Dickens nessa época), vemos todo o tipo de personagens que ao tempo viviam na Inglaterra – que relações tinham, e como os seus pensamentos e sentimentos influenciaram tais relações. Porque David Copperfield era de facto, em muitos aspectos, o próprio Charles Dickens; Dickens não precisava de inventar nada, ele pura e simplesmente conhecia aquilo que contava.
São os livros que nos permitem saber o que realmente sentiam Tom Sawyer, Huckleberry Finn e o seu amigo Jim nas viagens pelo Mississipi em finais do século XIX, quando Mark Twain escreveu as suas aventuras. Ele conhecia profundamente o que as pessoas do seu tempo pensavam sobre as demais, porque ele próprio vivia entre elas. Era uma delas.
Nas obras literárias, os relatos mais verosímeis sobre gente do passado são os que foram escritos à época em que essa mesma gente vivia.
O livro recorda.

Tradução: José António Gomes

Nascida em 1932, na Estónia, Aino Pervik publicou cerca de meia centena de livros para crianças, a par de poesia e narrativas para adultos. Distinguida com vários e prestigiosos prémios e traduzida em diversas línguas, obras suas têm sido adaptadas ao teatro e ao cinema. A velha mãe Kunks, Arabella, a filha do pirata, Paula aprende a sua língua (integrado numa série protagonizada pela mesma personagem) são apenas três dos seus títulos mais conhecidos.

A Mensagem do Dia Internacional do Livro Infantil é uma iniciativa do IBBY (International Board on Books for Young People), difundida em Portugal pela APPLIJ (Associação Portuguesa para a Promoção do Livro Infantil e Juvenil), Secção Portuguesa do IBBY.



Dia Mundial do Teatro, Um Punhado de Terra, de Pedro Eiras

Assim entrámos nos batéis Batéis se foram de terra
tranquila quente de fim de dia
Praia ficou longe manchas de sangue desapareceram todas
mas mar não lavou
não pode lavar
Fumo de casas queimadas era preto
dançavam ao sol labaredas
Mesmo quando não houver fumo
haverá labareda
não apagará
Vimos terra desaparecer para sempre

ficar pequena como pedrinha
Vimos montes onde milho crescia e pássaros voavam
Vimos e vimos
última vez
Agora
como teremos notícias de quem fugiu
de quem morreu?
Como saberemos novas de nossos mortos?
Nunca mais beberemos água do poço
não dançaremos a bater pés na terra
como saberemos novas de nossos mortos?
Nunca mais caçaremos gazela atenta
ó criador
nunca mais ouviremos leão antes de atacar
como saberemos novas
ó cheio de cólera
como saberemos novas de nossos mortos?

in Um Punhado de Terra, de Pedro Eiras

Nota do autor


Praticamente todos os factos que descrevo neste monólogo são verídicos; junto-os, mesmo se não aconteceram todos no mesmo século. Encontrei-os em diversos lugares – em Gomes Eanes de Zurara, Bartolomeu de las Casas, no International Slavery Museum of Liverpool – mas um livro corajoso, organizado por Ana Barradas, serviu-me de fonte principal: Ministros da Noite. Livro negro da expansão portuguesa (Antígona, 1992).

Um monólogo pede um trabalho de ritmos, tessituras, um fluxo de ideias e imagens. Sem sacrificar essas regras, e sem esquecer a exigência ética que em primeiro lugar me levou a escrever, procurei que este texto fosse o mais possível próximo dos factos registados. Apresentar os ecos que sobreviveram até nós e ser o menos possível – ou mesmo nada – enquanto dramaturgo.





sábado, março 26, 2011

Guias Sonoras, João Pedro Mésseder

"Em termos poéticos, os textos aqui reunidos, até pelo seu carácter lapidar, actuam também como roteiro de uma certa visão do mundo,assumidamente contra-corrente, no sentido em que contrariam o pensamento mais comum e apelam a uma reflexão sobre a realidade e a contemporaneidade. Pequenas farpas afiadas, algumas profundamente perturbadoras, os pequenos textos impõem-se também do ponto de vista ideológico, submetendo conceitos, ideologias e, sobretudo, as palavras a um crivo crítico, às vezes desconcertante, capaz de as desconstruir e obrigar à reflexão.Mais insistentemente revisitados, conceitos como a «Democracia», noções como o Tempo, a Noite (muitas vezes associada ao sono e à insónia, mas também à escuridão e, por oposição, à Luz), o Silêncio, a Amizade e uma determinada imagem de Portugal e dos portugueses e da própria contemporaneidade são recriados com uma certa acidez e um desencanto que só, mais esporadicamente, ecoava em Abrasivas. Assim, a dimensão profundamente lírica daquele volume, visível no canto poético de algumas experiências sensoriais ou no culto da palavra enquanto conjugação de significado e significante, perseguida nas suas múltiplas acepções, reveladora do extraordinário fascínio pela linguagem, é atenuada por um relevo crescente da dimensão interventiva dos textos, sobretudo dos introdutórios, a tal capaz de agredir, por atrito, a superfície das consciências. A metáfora da lixa, presente como elemento paratextual na primeira edição, é agora substituída pela das guias sonoras, objectos destinados a evitar o adormecimento. Por outro lado, lidas enquanto balizas físicas, as guias sonoras obrigam a seguir uma rota pré-estabelecida, condicionando a liberdade. Esta sugestão aparentemente contraditória também ecoa em alguns textos, reveladores da fragilidade da humanidade." do posfácio de Ana Margarida Ramos

quinta-feira, março 24, 2011

TEatroensaio: "A Última Porta"

 
O TEatroensaio e o Café Progresso continuam o seu programa para Março com a Leitura Encenada de

"A Última Porta" de Pedro Estorninho. | Este sábado pelas 16h no Café Progresso.

quarta-feira, março 23, 2011

Utopias Piratas e A Mobilização Global seguida de O Estado de Guerra

A Mobilização Global seguida de O Estado de Guerra, Santiago López-Petit
+
Utopias Piratas, de Peter Lamborn Wilson
30 euros



A Mobilização Global seguida de O Estado de Guerra, Santiago López-Petit


 "Aquilo que deve fazer-se para sabotar a realidade é muito simples: há que recusar-se ser uma microempresa. Há que converter-se num interruptor de mobilização global. Interromper a mobilização que nos porta e incendiar a noite. Incendiar a noite não acaba com a noite. Acaba, sim, com o medo da noite." Santiago López-Petit in "A Mobilização Global, seguido de O Estado-Guerra"

Utopias Piratas, de Peter Lamborn Wilson«no século XVII e princípios do século XVIII, numerosas “utopias piratas” independentes vêem a luz do dia em várias partes do globo. A mais famosa entre estas foi Hispaniola, onde os bucaneiros criaram a sua própria sociedade anárquica de curta duração; a Libertália, em Madagáscar; a Baía dos Ranters, também em Madagáscar; e Nassau, nas Bahamas»

segunda-feira, março 21, 2011

Dia Mundial de Poesia



A Deriva festeja o Dia Mundial da Poesia consigo.


Mas, porque um dia é pouco para celebrar autores e livros, esta semana qualquer livro de poesia encomendado a partir do nosso website tem um desconto de 20% sobre o preço de capa.

Visite-nos em http://www.derivaeditores.pt/ e faça a sua encomenda pelo site ou para deriva@derivaeditores.pt.

Poesia, hoje é o dia

sexta-feira, março 18, 2011

Apresentação de Guias Sonoras, 26 de Março, Ílhavo

Apresentação de Guias Sonoras, de João Pedro Mésseder
dia 26 de Março, Biblioteca Municipal de Ílhavo
por Ana Margarida Ramos 

quinta-feira, março 17, 2011

THEO ANGELOPOULOS - O ÚLTIMO MODERNISTA: O PASSADO COMO HISTÓRIA, O FUTURO COMO FORMA.




Numa colaboração da Medeia Filmes com a Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (Mestrado em Práticas Artísticas Contemporâneas e Artes Plásticas – Multimédia), terá lugar, de 17 a 23 de Março, o ciclo THEO ANGELOPOULOS - O ÚLTIMO MODERNISTA: O PASSADO COMO HISTÓRIA, O FUTURO COMO FORMA, dedicado à obra do cineasta grego, com três dos seus filmes das últimas duas décadas e a estreia da sua nova obra, A POEIRA DO TEMPO.

TEATRO DO CAMPO ALEGRE | (17 a 23 de Março)

O título do último filme de Theo Angelopoulos não podia adequar-se mais aos objectivos deste pequeno ciclo que agora lhe dedicamos. “A Poeira do Tempo”, assim se intitula, e corporiza, logo ali no título, uma espécie de enunciado programático daquilo que é fundamental no seu cinema: o tempo.

18 Março, O OLHAR DE ULISSES (1994) | 19 Março, A ETERNIDADE E UM DIA (1998)
20  a 23 Março, A POEIRA DO TEMPO (2008)

 quarta-feira, 23 de Março, A POEIRA DO TEMPO
 (sessão das 22h seguida de debate com Fernando José Pereira e João Paulo Sousa)

Horário das sessões: 18h30 e 22h (excepto 22 Março, só 18h30)

quarta-feira, março 16, 2011

Para que serve a Literatura?, Antoine Compagnon [trad. José Domingues de Almeida]






Antoine Compagnon, autor de La Seconde Main Ou Le Travail De La CitationLe Demon De La Theorie: Litterature Et Sens Commun e Les Cinq Paradoxes De La Modernité, apenas para referir os mais conhecidos, conhece agora uma tradução portuguesa,  resultante de uma parceria da Deriva Editores com o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa,da Faculdade de Letras do Porto. 

O livro em causa  é Aula Inaugural no Collège de France - La Littérature, Pour Quoi Faire ? -  Para que serve a Literatura?, com tradução de  José Domingues de Almeida ).  Um ensaio essencial que problematiza o espaço e o valor da literatura hoje.


    


 As colecções Pulsar e Cassiopeia, resultantes de uma parceria com o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa,da Faculdade de Letras do Porto,  dão a conhecer  estudos muito relevantes no âmbito da Teoria da Literatura.
Na  Pulsar, foram já editados Jean‑Pierre Sarrazac (com A Invenção da Teatralidade seguido de Brecht em Processo e O Jogo dos Possíveis), Pascal Quignard (com Um Incómodo Técnico em Relação aos Fragmentos).
Na Cassiopeia, que já acolheu  um inédito de Pedro Eiras, intitulado Tentações: Ensaio sobre Sade e Raul Brandão, teremos brevemente um ensaio sobre Kafka: Kafka, um Livro sempre Aberto, de Teresa Martins de Oliveira e Gonçalo Vilas-Boas.

terça-feira, março 15, 2011

Bailias, de Catarina Nunes de Almeida


 «Catarina Nunes de Almeida lembra e recria, neste seu terceiro livro, as medievais cantigas de amigo e de amor. Imaginário de música e cantos de segréis, trovas de poetas e memoráveis danças de donzelas de corpos finos. Nos ecos dessas seroadas segura a música do seu universo poético, que cerziu a mulher à natureza e dessa ligação fez nascer íntimos catálogos de pássaros, árvores e frutos, novos espaços de idioma, pelejas, sínteses e fábulas. Move-se, com passo seguro, do antigo para o novo e do novo para o antigo, com a graciosidade e o assombro das bailadas, entre ‘Folguedos e Noites de Pastoreio’, ‘Barcarolas ou Manhãs Frias’, ‘Mágoas ou Cantos de Alvoroço’ e ‘Cantigas de Romãzeira’. Volta, com Bailias, a colocar a poesia no seu primordial lugar de cântico: «Irei eu em todas as minhas mãos / pégasos e ventanias / o corpo preso por um frio gentil / o corpo a tilintar de sonhos. // Serei eu o que ele for / na cavalgada». 


O único maremoto de que há memória

aconteceu nos teus cabelos que hoje são lisos
e deixam a água pelos tornozelos
até ser de manhã.

Agora até a terra passou.
Cruzam-se valsas e expedições na curva do seio
a música não cabe na boca das aves

e nós, meninas, bailaremos i.


***

Meu amigo perdoa-me
se espantei as gazelas
para um canto do sótão
se me cresceram músculos
neste olhar-te neste cuidar que dá cuidado.

Mas do alto dos seios
no ruir das lamparinas
vale a pena olhar-te. Daqui
da mais sincera pobreza
onde permaneces apenas tu
adão e erva
e o céu manchado pelas libelinhas.

Catarina Nunes de Almeida, in Bailias

domingo, março 13, 2011

12 de Março


Foto da ATTAC
Se há lições a tomar das manifs de todo o país das gerações à rasca foi a inovação no assomo da palavra política despojada de qualquer arrogância ou manipulação, a liberdade assumida em todos os cartazes feitos à pressa e a enorme criatividade surgida nas palavras de ordem. O «microfone aberto» da Praça da Batalha e, mais tarde, dos Aliados, foi uma verdadeira prova de democracia não muito habitual nos tempos que correm. Foi igualmente um acto de coragem dos organizadores a que a população aderiu totalmente e que soube retribuir na rua. No dia seguinte a 12 de Março, ficou patente a ineficácia das colagens partidárias, a sua incompreensão total do fenómeno popular de protesto e também a sobranceria e por vezes o insulto de grande parte dos «comentadores» políticos aninhados nos media. Foi uma jornada de grande participação popular. A partir de hoje, a política não será mais igual.

O Teatro e a Palavra. TEatroensaio 26 de Fevereiro de 2011

Na sequência do estudo iniciado perante o tema O Teatro e a Palavra foquei-me na palavra enquanto expressão máxima da literatura. Não é de modo nenhum a expressão mínima desse mesmo género enquadrando-a, a expressão, no campo da letra e do silêncio fragmentado. Do espaço em branco da página ou do silêncio. É uma forma igualmente legítima de se compreender a sua relação com o teatro.


Assim, somei vários fragmentos em forma de dúvidas que passam pela relação, por vezes ambígua, do Teatro e da Literatura.

Comecemos pela literatura, pela poesia, pela palavra escrita e com a sua mais que possível morte a partir da cacofonia dadaísta, da expressão livre do surrealismo, da arte pop, do letrismo dos anos cinquenta (actualmente Serralves conta com uma exposição de Gil Wolman) ou do primitivismo dos anos sessenta. Todas estas correntes aceleraram a impossibilidade de um critério artístico para a literatura como arte. Digamos que morreu de cansaço ou de falta de superação da sua própria ideia de arte.

Resta-nos, pois, a experiência com a palavra e com o corpo, terreno fértil e aberto para o teatro e a literatura. E aqui surgem-nos dúvidas, por vezes fragmentárias, que teremos todo o gosto em partilhar convosco:

1. Toda a utopia ditatorial ou controlo ideológico passa, hoje, não pela proibição da palavra e do livro e da leitura, mas pela estimulação da leitura até à paranóia, que serviria de preâmbulo para o seu desaparecimento material. Compreendem-se, assim, as campanhas orquestradas para o fomento da leitura dos nossos jovens. A sociedade de mercado fará o resto. Somos todos possíveis compradores de livros, mas razoavelmente poucos o que estão interessados em lê-los.

2. A produção de infa-livros ou sub-livros é consequência da cópia fragmentária do livro e de partes do livro na era da internet. Introduz-se a cópia dos livros de um modo fragmentário retirando-lhe qualquer sentido ou dando o sentido totalitário às palavras que se querem copiar. A palavra ressentir-se-á assim do sentido que se lhe quer dar.

3. Mac Luhan definiu a Era Xerox como a possibilidade enganosa de todos podermos ser Gutenberg. Hoje a produção da palavra escrita estará confiada não ao artesão que a fabrica diligentemente, mas às massas que a desventram, jogando o papel de estranhos autores e editores de compostos de letras. Vê-se aqui a consequência da grande eficácia democratizadora e populista da produção da palavra escrita.

4. O embaratecimento e a acessibilidade absoluta a um meio, determina no próprio nível dos conteúdos o fenómeno volumoso de uma fraude, ou seja, a filosofia do engano intelectual instaurada quer nas salas académicas, quer nas populares. Perante isso, o copyright, sofreu um desprezo absoluto a que nenhum controlo pode estar submetido.

5. A poesia sofre hoje um processo de saturação, a qual está em grande parte submetida à aniquilação transcendental e totalmente fracassada no que seria a sua determinação social, segundo Walter Benjamim, quando diz que ‘o poeta actual faz do mercado e da mercadoria o seu único objecto’. Ou seja, configura o mundo da palavra sob o imperativo novo de uma pura razão industrial, mesmo que não esteja inteiramente consciente disso.

6. Hoje, atravessa na poesia e na produção da palavra escrita, aquilo que Greil Marcus, em Marcas de Batom, diz sobre o sujeito moderno: ‘o rumo de uma negação e destruição que, de um modo ininterruptamente acelerado, se está a apoderar de todas as formas de criação artística’ considerando-o este um processo irreversível de violência simbólica e que vem actuando sob as formas de uma possível vanguarda.

7. Dentro do mercado da poesia, um facto material evidencia o desinteresse activo pela obra de hoje, chegando este a mostrar-se de modo obsceno na quantificação das tiragens que os nossos poetas conhecem, incluindo os mais célebres. (…) Segundo G. Zaid, afirma que as estatísticas depressoras que o livre comércio procura dizem-nos que, apesar de a poesia ser já só para poetas, nem os poetas lêem os poetas. Neste terreno, o número dos que a lêem já não pode aumentar mais, mas sim os que querem ser lidos.

8. Como diriam os situacionistas, no fim dos anos 60, ‘os dias dos poetas acabaram’ concedendo actualidade a Hegel quando afirmava que ter-se-ia liquidado a produção simbólica no seu sentido mais forte. A arte verbal, começaria assim a ser ‘coisa do passado entre nós’. No que respeita à construção teórica e filosófica do sentido da palavra, há que dizer que dela ainda surge como um último baluarte para evitar a sua erosão, tornando possível a existência da palavra como um idioma poético, assumindo, em forma de drama (teatral, portanto) o conflito que ela abre: poesia pois, mas apenas na condição de servir para revelar o fracasso de toda a poesia. Se assim é, o teatro abre-se como verdadeiro espaço de assunção de uma palavra poética livre e para ser ‘ouvida’. Como lemos em Fin de Parti de Beckett, já não há muito a temer, mas também nada a esperar. Não há lugar para o temor, mas muito menos para a esperança.

9. Quem hoje morre como poeta pode estar certo de experimentar a ressurreição próxima como romancista, ou como uma espécie de qualquer comunicador de ondas hertezianas, em que se solicitam usos mais discretos e rebaixados do instrumento linguístico. Segundo Fernando de la Flor, o poeta rejeita o seu velho ofício, fechando a loja das musas e aderindo a novas formas mediológicas de modo a não perecerem, demonstrando que hoje há maus tempos para a mitologia da palavra.

10. É possível que hoje se esteja a criar uma cultura inteiramente independente da palavra, facto que poderá ainda assombrar algumas consciências. A palavra estaria submetida a uma pressão social que a re-situa continuamente, chegando mesmo a prescindir dela, a desprezá-la ou degradá-la, substituindo-a, nas suas funções por outros signos mais rápidos ao ouvido, à retina. Assim é possível que Mac Luhan tivesse razão ao demonstrar que as tecnologias mediadoras são o princípio de tudo. O declínio da poesia está portanto dependente à sua comunicabilidade. Como afirmou Karl Marx em, A Ideologia Alemã, a grande poesia épica foi a primeira vítima da imprensa e da máquina de escrever.

11. A palavra poética sujeita-se assim, estritamente, ao processo de coisificação, de objectualização e até de mercantilização de todo o espaço humano.

12. A poesia já não é expressão da radical alteridade do falante, nem acto de uma qualquer natureza rebelde. Pelo contrário, domesticou-se. O poeta entra no mercado comunicacional valendo-se de versos que não lhe pertencem na verdade, integrando-se num gigantesco processo que visa a hegemonização dos homens e das mercadorias. A literatura não foge a este processo.

13. Segundo Fernando de la Flor, a necessidade de silêncio é o reverso da superprodução inflacionista, a velocidade de execução crescente e cada dia menos exigente, a circulação acelerada pelos canais de informação provocou, nas pessoas, uma grande necessidade de silêncio e recolhimento, produto da saturação com que se manifestam as escritas poéticas do século. Produto também da fartura dos signos modernos que já fazia gritar os dadaístas: «devolvam-me o meu vazio!»

14. Os computadores pessoais são criadores de um embuste que todos constatam enganadoramente: ‘desde a sua aparição, escreve-se mais». Segundo Blanchot, por vezes, o volume ainda não está escrito e o escritor já é apresentado como maduro. A edição de poesia, nos nossos dias, mais do que noutros registos, é completamente fantasmal: publica-se, pois, antes de escrever, o público forma e transmite o que não ouve, o crítico julga e define o que não lê e, por último, o leitor tem de ler o que ainda não está escrito.

15. A música é, nos nossos dias, o código que actua no estrato mais profundo e tornou-se emblema dos modos de percepção estética do indivíduo moderno. Do mesmo modo que a palavra foi, em tempos, testemunho de um culto sagrado. A recente vitória da imagem e que alguns teóricos antecipam já o fim do seu reinado ao mesmo tempo que antevêem um certo regresso à palavra, pode restabelecer um certo equilíbrio destinado ao teatro como expressão de uma totalidade. Fragmentária ou não, a realidade do teatro pode ter uma nova dimensão. Se Lledó tem razão o teatro seria então a convocação dos invisíveis espaços interiores, através da poesia, da leitura, da escrita e do sonho onde, diríamos nós a imagem e a música teriam de expandir-se.

16. Deleuze reafirma alguma verdade na sua afirmação: «hoje, estamos inundados de palavras inúteis, de quantidades ingentes de palavras e imagens. A estupidez nunca é muda e cega. O problema não consiste em conseguir que as pessoas se expressem, mas sim em colocar à sua disposição vácuos de solidão e silêncio a partir dos quais se pudessem vir a ter algo a dizer. As forças repressivas não impedem ninguém de se expressar, pelo contrário, forçam-nos a expressarmo-nos.»

17. Finalmente, o livro, os livros, provam que algo foi escrito, e que também algo está em vias de ser lido. No fundo, trata-se não de um objecto mas sim de um domínio de intenções: de um campo, ou melhor, teatro onde se assiste a uma complexa encenação, onde se representa esse mesmo conjunto inabarcável de relações de leitura e escrita. Possibilidades infinitas para a representação teatral como realidade mediada da palavra.

sexta-feira, março 11, 2011

Actualidade: A Intoxicação Linguística e Formação da Mentalidade Submissa, de Vicente Romano


"A manipulação dirige-se ao pensamento, aos sentimentos, às acções (e omissões) de toda e qualquer pessoa. Da esfera íntima até à apresentação pública no trabalho, na escola ou na política, não sobra um único aspecto, uma única dimensão da vida que dela não receba a influência. O objectivo final da manipulação é a obtenção da passividade e da submissão. A manipulação das mentes é uma guerra psicológica planificada, elaborada a partir de conhecimentos científicos, contra o desenvolvimento progressista, isto é, solidário e cooperativo do ser humano ou, o que é a mesma coisa, orientada contra o progresso social" in  A Formação da Mentalidade Submissa, de Vicente Romano


A imprensa, a rádio e a televisão baseiam-se na repetição. A melhor ilustração desta circunstância é o ritual da televisão, uma vez que requer a visão e a audição, forçando os espectadores à postura sentada, enquanto a rádio e a imprensa lhe permitem liberdade de movimentos. Esta porque pode suspender-se e retomar-se noutro momento, a rádio porque a recepção da sua mensagem depende apenas do ouvido. Do ponto de vista da transmissão, a rádio é o meio mais rápido. As suas mensagens podem difundir-se praticamente a qualquer momento e, com a ajuda da telefonia, em praticamente todos os lugares. 

Também aqui, porém, o império dos prazos e da imediaticidade existe, elaborado a partir do ritual horário e de calendário que o interpreta, à semelhança do que sucede com os outros meios. E, onde há interpretação há clero, quer seja religioso quer profano. É ele quem decide o que pode ouvir-se, ler-se ou ver-se a que dias e a que horas. Actualmente, pode observar-se como a televisão estatal se molda e inclusivamente antecipa a concorrência comercial da televisão privada, desbragando a linguagem e reduzindo os programas de conteúdo cognitivo em favor das compensações emocionais ou, pelo menos, atirando-os para horas de escassa audiência. 

A minuciosa coacção dos prazos educa para a fugacidade da percepção. A brecha entre o electronicamente perceptível e o que fica registado em papel aumenta dia a dia. É preciso questionar se aquilo que os olhos vêem é fiável, pois desde Aristóteles que se acredita que ver é saber. A redução sucessiva da linguagem transformada num mero código de sinais ominosos, aumenta, claro está, a velocidade da transmissão. Mas a comunicação à velocidade de relâmpago de insinuações binárias, de símbolos positivos e negativos, não passa de um código que nada tem já a ver com a pugna pela expressão humana através da linguagem.  in  A Intoxicação Linguística, de Vicente Romano

quinta-feira, março 10, 2011

Correntes d'Escritas, Correntes de afectos

"Luís Catarino é editor da Deriva e trouxe este ano o escritor argentino Ricardo Romero. Para o editor, o Correntes d’Escritas é uma “festa” onde editores trazem os escritores por ser um lugar onde “eles se sentem bem”. Apesar de ser aberto a qualquer pessoa, “cada vez mais é um encontro para a comunidade literária, mas há uma relação com o público do Correntes, que vem cá todos os anos”.
[...]
O editor Luís Catarino relembra encontros que tiveram consequências para além do Correntes. “O último livro editado do Ricardo [Romero] nasceu aqui. Chegou ao pé de mim uma tradutora, a Patrícia, que disse "é o editor que eu esperava encontrar para propor dois escritores argentinos”, conta-nos. Para Luís Catarino, o encontro é também especial pelas “conversas que para lá das mesas existem aqui e ali”. escritor argentino, Ricardo Romero, resume estes dias: “que linda é esta vida!” Estivemos lá e comprovamos: são dias únicos, estes que levam as pessoas a enraizarem-se na Póvoa e quererem voltar todos os anos, para rever amigos, aprender mais e levar um pouco disso tudo para a sua vida no resto do ano." [Jornal Universitário do Porto]
Ler na íntegra aqui.

A DERIVA nas Correntes : Diário Digital(I) e Diário Digital (II); Jornalismo Porto Net, ABC.

O fascismo pós-moderno como (auto)mobilização total | Santiago López-Petit

O fascismo pós-moderno como (auto)mobilização total

Ainda que seja difícil aceitá-lo: dizer o que hoje sucede é dizer aquilo que nos sucede. As antigas análises de conjuntura já não nos falam porque nos afundámos na realidade. Ao invés, uma descrição da neve é-nos bem mais útil para sabermos onde estamos. A neve não é branca, mas antes de uma sujidade pegajosa. Os pés que nela se arrastam, por exemplo, não conseguem livrar-se dela. A neve está sempre meia submersa. Desde quando é verdade que a verdade do mundo se nos impõe como a nossa única verdade? A resposta é simples. Desde que a realidade se unificou com o capitalismo. Antes não era assim. Dantes, quando as análises de conjuntura contavam — ou pelo menos quando acreditávamos que sim — a realidade podia transformar-se. Agora também: «Outro mundo é possível». É isso o que as Organizações Não-Governamentais (ONG) afirmam. Foi isso que meio milhão de pessoas afi rmou no dia 16 de Março de 2002, saindo à rua em manifestação contra a Cimeira da União Europeia (UE) reunida em Barcelona. A manifestação foi um êxito. Graças aos numerosos serviços de ordem, perfeitamente coordenados com a polícia através dos telemóveis, correu tudo muito bem. Todos concordaram com isso. Desde o Senhor Ministro do Interior até aos anizadores, passando pelos diversos tipos de polícias.

Com efeito, a manifestação foi um êxito. Mas a manifestação pareceu-se com um funeral. Todos juntos, a avançar, sem conseguirem que a neve derretesse, sequer, um pouco mais. Cada qual sozinho — com a sua história pessoal, os seus desejos, as suas pequenas esperanças — juntamente com todos os outros. Esta manifestação, para muitos, histórica, é o fascismo pós-moderno. Vou à manifestação porque quero ir. Gritarei: «Outro mundo é possível». Voltarei para casa e continuarei a minha vida de sempre. É evidente que ninguém me obriga a participar. Só faltava isso. Eu sou livre. Eis o fascismo pós-moderno. E, ainda assim, os partidos políticos e os sindicatos de classe foram os últimos a desfilar. E, cansados de esperar, já que não estão acostumados a esperar… decidiram ir para casa. O fascismo pós-moderno é uma mobilização total da vida1 que (re)produz a realidade que se nos impõe como óbvia. Não tem nada a ver com a «auto-implicação no trabalho», «com o pôr a trabalhar» dos afectos… Essa ainda é uma análise economicista. Aquilo que agora se passa é que o capital, enquanto selbstzweckmaschine (máquina que tem a sua finalidade em si mesma) cortou a circularidade da vida. É apenas por vivermos, mais exactamente por levarmos a vida que é a nossa, que (re)produzimos esta realidade que se nos apresenta como pura obviedade. Nos Estados Unidos tornou-se moda, especialmente depois de 11 de Setembro, implantar sob a pele um chip que diz quem se é. Desta forma, em qualquer circunstância, pode-se sempre ser perfeitamente identifi cado. É divertido. É como um piercing, mas mais moderno. É o fascismo pós-moderno. Não é necessário insistir muito para justifi car o porquê desta designação.
Estamos para além do panóptico e das suas múltiplas instituições disciplinares. Tampouco se trata somente de uma sociedade de controlo. O fascismo pós-moderno é a conjunção do (auto)controlo com a produção de diferença. Esta conjunção pode funcionar de modos diferentes, consoante se oriente para «projecto autónomo» ou bem como «imposição heterónoma». É daqui que decorre que a mobilização total da vida possua duas faces, ainda que complementares: a auto-mobilização (o Amor com maiúscula, a busca de si mesmo…) e a mobilização forçada (Estado penal, prisão…). Ficarmo-nos pela aproximação acima é totalmente insuficiente. O fascismo pós-moderno não é unicamente a descrição da modalidade actual de exercício do poder. No fascismo pós-moderno, para além disso, o capitalismo identifi ca-se com a realidade. Esta identificação implica o seu próprio rebentamento. Hoje, a realidade é única, mas diz-se de muitas maneiras. Estes modos de se dizer são as diversas formas históricas (neo-esclavagismo, fordismo, pós-fordismo), todas elas presentes na sua simultaneidade.
Na medida, em que o fascismo pós-moderno as contém a todas constitui a suaprópria culminação. Vejamos mais de perto o que quer dizer o termo culminação. Usualmente, conhece-se por pós-fordismo a etapa actual em que o capitalismo se dispersa e fl exibiliza. Para uma melhor descrição, é conveniente fazer referência à política da relação que o estrutura. A política da relação vigente neste período pode centrar-se no princípio da identidade. Quando o princípio da identidade funciona para dentro, gera uma cultura da empresa. Ao contrário, quando funciona para fora, gera uma cultura da emergência. Ainda que muito diversifi cada, a cultura da empresa tem no toyotismo a sua expressão mais acabada. O toyotismo, como é sabido, organiza a produção a partir de equipas de trabalho e funciona pela incorporação da linguagem da competição desportiva (equipas, passagens do testemunho…). O que nos interessa sublinhar é que esta organização aspira à criação de um nós, no local de trabalho. Um nós ou neo-corporativismo de pequena escala tal que, ainda assim, precisa de uma cultura da emergência e da excepcionalidade penal para controlar o de fora, o Outro. A cultura da emergência recorre à prisão como seu dispositivo fundamental. Existe uma legislação amplíssima, com todos os seus aparelhos que complementam e estendem esse controlo normalizador. Com razão se discute se o pós-fordismo é uma nova estabilização do fordismo, ou uma crise mais avançada. Utilizando a terminologia introduzida, poderíamos afirmar que essa ambiguidade deriva da não existência de um isomorfismo entre a cultura da empresa e a cultura da emergência. Por isso, o pós-fordismo tem obrigatoriamente que tender para a sociedade em rede. Na sociedade em rede o princípio de identidade funciona no interior do princípio da razão suficiente, o que permite uma reformulação das duas culturas que facilita a sua máxima convergência. A sociedade rede conectará entre si os segmentos mais dinâmicos da sociedade, ao mesmo tempo que os desconectará e  marginalizará. A sociedade-rede oferece um modo novo de resolver o afundamento da tríade democracia — Estado — capitalismo. Este novo modo que implica um verdadeiro salto por comparação com a mera convergência entre cultura da empresa e cultura da emergência, plasmar-se-á naquilo que anteriormente designámos por mobilização total (autónoma e heterónoma) da vida pelo óbvio. Pois bem, porque essa é a verdade da sociedade-rede, a esta etapa para que a sociedade tende chamámos fascismo pós-moderno. Neste sentido, o fascismo pós-moderno é, ao mesmo tempo, uma totalidade e a sua culminação.
            A MOBILIZAÇÃO GLOBAL seguido deO ESTADO-GUERRA , Santiago López-Petit

quarta-feira, março 09, 2011

Tempos de Peste, Tempo de ler a Peste Bubónica, de Ricardo Jorge




"No dia 4 de Julho de 1899, era Ricardo Jorge alertado para uns estranhos falecimentos ocorridos na Rua da Fonte Taurina.  Apesar de aparentarem ter sido causados por “moléstias banais”, uma visita pessoal do médico ao local deixou nele a convicção de “estar em frente dum foco epidémico de moléstia singular e nova”. A obra A peste bubónica no Porto recolhe os relatórios médicos redigidos por Ricardo Jorge entre Julho e Agosto desse ano e destinados exclusivamente às autoridades civis. Eles são escritos enquanto grassa a epidemia na cidade, dando conta da impressão causada no imediato pela sucessão dos acontecimentos. O estilo realista das observações realizadas, o registo minucioso das vicissitudes provocadas pela propagação da peste, as anotações acerca das circunstâncias da vida e da morte de cada infectado, contribuem para formar  uma descrição percuciente do prosaísmo da existência das classes populares nessa época. Por detrás das observações clínicas, Ricardo Jorge realiza uma autópsia social da cidade laboriosa. A distribuição geográfica da morte é sensível à morfologia social do Porto. A prospecção de terreno sobre as condições da doença constitui uma sociografia da vida de todos os dias das classes populares, mostrando impressas em letra de forma a luz, o cheiro, o ruído das suas condições de habitações, de alimentação, de trabalho." da introdução de Bruno Monteiro 
Ver mais aqui.

terça-feira, março 08, 2011

Enquanto a Ameaça na Antártida não chega, Perigo Vegetal, Rámon Cáride e Miguel Anxo Prado



Said e Sheila vivem, no ano 2075, no interior da Galiza, mas estão ligados em comunicação ao mundo global do passado. Uma gigantesca companhia transnacional, a C.U.B., tenta apoderar-se de todas as sementes de cereais existentes como parte de um plano para dominar toda a agricultura do planeta.

O Perigo Vegetal é apenas a primeira aventura destes dois corajosos irmãos.Ramón Caride escreveu e Miguelanxo Prado ilustrou.

 “Depois da colheita da planta, as raízes que ficam na terra sofrem uma mutação e originam esta planta destruidora. […] a única forma de a eliminar é arar muito fundo, a vários metros de profundidade, para eliminar todas as raízes e poder voltar a semear. Mas o processo é muito complexo, basta que fique uma raiz, por pequena que seja e regenera-se a praga.” in Perigo Vegetal

Perigo Vegetal  aborda, de uma forma simples, as consequências nefastas da monocultura e da manipulação genética, sem controlo e sem escrúpulos.

O comportamento das plantas geneticamente modificadas é diferente em laboratório e em vastas áreas. Se as plantas geneticamente modificadas tiverem um elevado poder de propagação elevado, as plantas convencionais podem vir a ser exterminadas. A biodiversidade fica em perigo. Com menor diversidade de espécies a vida na Terra torna-se mais sujeita a alterações ambientais. Pelo contrário, quanto mais rica é a diversidade biológica, maior é a oportunidade para descobertas no âmbito da medicina, da alimentação, do desenvolvimento económico, e de serem encontradas respostas adaptativas a essas alterações ambientais.

 

Plano Nacional de Leitura 

Livro recomendado no programa de português do 6º ano de escolaridade, destinado a leitura orientada na sala de aula - Grau de Dificuldade II.



No blogue As aventuras de Sheila e Said são disponibilizados alguns recursos didácticos para auxiliar na exploração do texto.

Críticas

"Uma aventura para miúdos com dez anos ou mais, cujos protagonistas vivem na Galiza, no ano de 2075. Perigo Vegetal conta-nos como experiências com um super-cereal estão a pôr em perigo o planeta. Sheila e Said são dois irmãos que, do futuro, lançam alertas ecológicos para o passado. Uma espécie de diário a quatro mãos, que não deixa de transparecer as embirrações próprias dos manos adolescentes. Vindo da banda desenhada, o ilustrador Miguelanxo Prado cria um ambiente que se adequa bem à natureza do texto. Um tema pertinente." Rita Pimenta, Milfolhas, Público, 20.Dez.03

"Uma obra bem contada, divertida, actual, das que se lêem de uma só vez e fazem novos leitores para as aventuras que se seguem." Helena Pérez, Julho de 2002

segunda-feira, março 07, 2011

Para que serve a literatura?, de Antoine Compagnon [trad. José Domingues de Almeida ]

Para que serve a literatura?
Ao lado da questão teórica ou histórica tradicional: «O que é a literatura?», coloca-se hoje com maior premência uma questão crítica e política: «O que pode a literatura?», que valor a sociedade e a cultura contemporâneas atribuem à literatura? Que utilidade? Que papel? «A minha confiança no futuro da literatura, declarava Italo Calvino, assenta na certeza de que há coisas que só a literatura nos pode dar». Será este ainda o nosso credo? [Mais aqui]
Nascido em 1950, Antoine Compagnon ensinou na Sorbonne e na Universidade Columbia de Nova Iorque. É, desde 2006, Professor Catedrático de Literatura Francesa Moderna e Contemporânea: história, crítica, teoria no Collège de France. É nomeadamente o autor de La Troisième République des Lettres (1983), Les cinq Paradoxes de la Modernité (1990) e Les Antimodernes, de Joseph de Maistre à Roland Barthes (2005).


Outras  obras da colecção Pulsar:


 

domingo, março 06, 2011

O melhor sítio: "Nenhum Lugar", de Ricardo Romero




«O silêncio e a calma do deserto só eram interrompidos pelo chispar do seu isqueiro. Acendia-o e colocava-o em frente dos olhos esperando que o vento o apagasse. Quando o vento o apagava, voltava a acendê-lo e a chama elevava-se por um instante, vibrando na sua alaranjada transparência, até que a brisa o fazia desaparecer outra vez. «Talvez devesse comprar um cachimbo» – pensou Maurício, «dizem que é uma boa maneira de deixar de fumar». Isto era o que Maurício pensava. Entretanto, todo o deserto parecia estar à espera que o seu isqueiro ficasse sem gás. Nenhum Lugar, de Ricardo Romero

Comprar aqui.



MALMEQUERES. in Alfabeto Adiado, de José Ricardo Nunes

MALMEQUERES


Vou omitir alguns factos da minha vida. A minha vida, aliás, não oferece o mínimo interesse. Caberia numa linha, se assim fosse imprescindível. O seu relato será sempre um exercício de redundância.

Vivia no Redondo ou no Alvito, numa dessas vilas brancas do Alentejo onde se amontoa o torpor e a inutilidade dos velhos. Desses tempos conservo na memória a cal e a imensidão do seu reflexo, como se atrás de nós nunca se devesse deixar nada, como se cada passo acarretasse a extinção forçosa de qualquer coisa. Morrera primeiro o meu pai. A doença levaria a minha mãe na Primavera seguinte. Cuidei dela até ao último dia, desafiando com frieza o seu olhar conturbado para me conseguir conter. A morte, o desaparecimento, talvez seja isso o que mais nos perturba quando, após caminharmos por um longo prado, nos detemos na orla de um bosque impenetrável. Abandonara o meu emprego em Lisboa e regressara ao Alentejo para tomar conta dos meus pais e ajudar na loja. Tratava-se de um estabelecimento comercial antiquado, pouco atraente, e a forte concorrência das grandes superfícies, primeiro, e depois dos chineses, retirou-lhe qualquer hipótese de sobrevivência. Não tinha mais família. Não tinha expectativas. Vendi a loja e a casa, paguei as dívidas e apanhei o avião para a América.

Creio que consegui ser conciso até agora. Mas estou consciente de que a síntese pode apenas ser uma desculpa, um mero expediente, pouco hábil, aliás, para evitar a repetição. Às vezes sinto que gostaria de ter outra vida para contar, uma existência com maior densidade factual, digamos, mas contrario esse sentimento ao constatar que, qualquer que fosse essa minha vida alternativa, seria idêntica a história de que disporia para contar. Isto conforta-me, não acaba com a tristeza e não desfaz as dúvidas, mas pacifica-me, contém-me, evita que dê largas a uma imaginação febril que tem tanto de inconsequente quanto de auto-destrutivo. Bem necessitei dela e bom uso lhe dei no momento de escolher um ramo de negócio para me estabelecer, aplicando o dinheiro que trouxera de Portugal. As metáforas não enganam, são até demasiadamente precisas. Na verdade descemos, procuramos as raízes e depois a terra, mas a vida leva-nos de subida pelas árvores, optando pelo ramo que nos parece mais seguro ou que nos deixa mais próximos de um ninho, de um favo de mel, de um fruto. A loja de tintas foi um êxito e o serviço de entregas que organizei, de tão eficiente, viria a ser copiado por todos os comerciantes da região. Casei, tive filhos, comprei um apartamento que mais tarde, quando me tornei um empresário abastado, troquei por uma vivenda nos subúrbios, onde a violência urbana e racial demorou a chegar. Comprei uma casa de madeira na margem de um rio, com um longo ancoradouro onde me sentava a pescar ou simplesmente a olhar para as estrelas, nas noites cálidas do Verão, enquanto ouvia as crianças a brincar e pensava que tudo poderia ter sido tão diferente.

A Portugal nunca voltei. Não mantive contactos com ninguém. Só a duas ou três pessoas confidenciei que vinha para a América, mas nunca escrevi a dar o meu endereço. Não tenho saudades. Na cidade onde vivo não há mais portugueses. Durante muito tempo considerei que se tratava de um factor vantajoso.

A Lúcia morreu há dois anos. Cuidaram bem dela no Lar. Apenas desligaram as máquinas quando se tornou de todo impossível iludir os funcionários da seguradora que vinham todos os meses averiguar a evolução do seu estado de saúde. Sabia que nada havia a fazer, que a recuperação estava fora de causa, mas quando estava junto dela, quando lhe tomava a mão era como se de novo a conhecesse e tivéssemos ainda todo o futuro pela frente.

Os meus filhos quiseram que fosse viver com eles, não estaria sozinho e ajudaria a criar os netos. Todavia, prefiro ficar por aqui. Há ainda coisas que esperam por mim. Saíram de casa muito cedo, os meus filhos, como é de costume na América. Telefonam de vez em quando e vêm pelo Natal, a meu pedido. Peço-lhes também que façam de conta que não existo, pois não pretendo incomodar ninguém com a sobrecarga da minha velhice. Gostava que tivessem uma vida plena. Para me entreter ajudo nas obras sociais da paróquia. É uma forma de me lembrar da Lúcia, de a prolongar em mim um pouco mais. Às vezes digo ao padre que acredito em Deus sem convicção. Ele pensa que gracejo e fico livre de explicações e de conversas difíceis.

Não é possível ficar indiferente a certas imagens. Tenho muito de bom na memória e guardo ainda muito mais na imaginação. Creio, contudo, que já falei de mim mais do que suficiente. Nos dias em que o desalento me desestabiliza dou longos passeios pelos prados das redondezas. Pergunto-me se fui digno da existência que tive, mas trata-se de uma questão retórica, à qual sei de antemão que vou responder positivamente. Porém, quando me pergunto se fui feliz não sou capaz de formular uma resposta convincente. Regresso então a casa, cansado, para me ocupar com qualquer coisa que me livre desse tormento. Nas ocasiões de maior pânico grito. Esbracejo e grito. Mas apenas consigo acalmar depois de arrancar, uma a uma, as pétalas de vários malmequeres. in  Alfabeto Adiado, de José Ricardo Nunes

 
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