"Em termos poéticos, os textos aqui reunidos, até pelo seu carácter lapidar, actuam também como roteiro de uma certa visão do mundo,assumidamente contra-corrente, no sentido em que contrariam o pensamento mais comum e apelam a uma reflexão sobre a realidade e a contemporaneidade. Pequenas farpas afiadas, algumas profundamente perturbadoras, os pequenos textos impõem-se também do ponto de vista ideológico, submetendo conceitos, ideologias e, sobretudo, as palavras a um crivo crítico, às vezes desconcertante, capaz de as desconstruir e obrigar à reflexão.Mais insistentemente revisitados, conceitos como a «Democracia», noções como o Tempo, a Noite (muitas vezes associada ao sono e à insónia, mas também à escuridão e, por oposição, à Luz), o Silêncio, a Amizade e uma determinada imagem de Portugal e dos portugueses e da própria contemporaneidade são recriados com uma certa acidez e um desencanto que só, mais esporadicamente, ecoava em Abrasivas. Assim, a dimensão profundamente lírica daquele volume, visível no canto poético de algumas experiências sensoriais ou no culto da palavra enquanto conjugação de significado e significante, perseguida nas suas múltiplas acepções, reveladora do extraordinário fascínio pela linguagem, é atenuada por um relevo crescente da dimensão interventiva dos textos, sobretudo dos introdutórios, a tal capaz de agredir, por atrito, a superfície das consciências. A metáfora da lixa, presente como elemento paratextual na primeira edição, é agora substituída pela das guias sonoras, objectos destinados a evitar o adormecimento. Por outro lado, lidas enquanto balizas físicas, as guias sonoras obrigam a seguir uma rota pré-estabelecida, condicionando a liberdade. Esta sugestão aparentemente contraditória também ecoa em alguns textos, reveladores da fragilidade da humanidade." do posfácio de Ana Margarida Ramos