Como coabitar com discursos políticos aparentemente panfletários com uma magnífica história de amor tendo, como pano de fundo, a cidade de Lisboa e o abandono a que está votada? Teolinda Gersão consegue-o de uma maneira magistral, prendende-nos através de uma narrativa solta e com personagens muito bem construídas a nível psicológico. Essas pessoas, Rui, Cecília, Sara, são pessoas que sentem, que comem, que se cansam, que entristecem, que amam. Que estão vivas. Elas não estão sozinhas e convivem com a cidade (nem sempre de uma forma saudável) esburacada, pouco cuidada, guiada por gente sem escrúpulos, políticos de algibeira que fingem gostar dela para serem eleitos. Portugal também é assim, a braços com uma crise profunda, que não é só económica, mas que navega à vista da corrupção e da vigarice. Lembramo-nos da História de Portugal e de Lisboa e a autora atira-nos com ela à cara ao ponto de sentirmos algum incómodo. As personagens continuam a viver e a tentar sobreviver, envoltos numa culpa nem sempre assumida. Com quem amam e com o país, a que tentam sempre fugir. Derivam para Londres, Estocolmo, Berlim, mas os encontros definitivos dão-se cá. Em Lisboa. Nas últimas páginas de A Cidade de Ulisses, Rui, a personagem central organiza uma exposição no CAM que vai partilhar, com esse mesmo nome, com Cecília que já não se encontra entre nós. Provavelmente à espera da decisão de uma qualquer Penélope. Muito bom, este livro.