sexta-feira, abril 06, 2012

A ler A Arte de Morrer Longe, de Mário de Carvalho


Mário de Carvalho é um excelente retratista e um contador de histórias. Mostra-nos um país ocupado em pequenas mezinhas de carácter, em pequenos empregos e ainda mais pequenas relações entre personagens que se dividem em revistas cor de rosa e nas pantalhas luminosas que desvendam o saber atual: a grande wickipedia! Os portugueses são ases no saber sugado pela net. Os mais desenrascados de entre nós, sabem-no. Mas a veromilhança de A Arte de Morrer Longe constrói-se pela capacidade de Mário de Carvalho em apresentar-nos situações que só a realidade nos pode dar. O absurdo é tal que nos é difícil imaginar essas situações no campo literário. Só mesmo a realidade para percebermos a possibilidade de elas acontecerem. Que faz uma tartaruga num apartamento de Lisboa alimentada por um casal desavindo em vésperas de uma separação e loucamente à procura de umas luvas de látex? E os interrogatórios policiais que procuram saber desse afã pouco comum? E a mãe de Arnaldo, uma burguesa da Avenida de Roma que lhe aparece com um avental da Festa do Avante, convidando «Eu sou comunista. Porque não tu?». Aqui tudo se explica pela escrita muito própria de Mário de Carvalho que nos interpela diretamente, como leitores e cúmplices. De qualquer maneira, embora não seja dos melhores romances dele, é uma obra incontornável. Imperdível, na página 94, o retrato de Quintão Malpique um tipo muito português que a net descobriu e ampliou do que, antes dela, denunciava os outros à Câmara ou à polícia «só para chatear» e, agora na possibilidade infinita da net, se diverte sob anonimato a caluniar, a comentar, a insultar e a propagandear salazar. Para um muito português faduncho e fascistóide «Só para chatear»!