Ainda hoje Hobsbawm é considerado «matéria reservada» para o MI5
Tempos Interessantes de Eric Hobsbawm é um daqueles livros que não se pode ler (nem deve ler-se) de um só fôlego, mesmo que a tentação seja grande pelas situações descritas e opiniões sustentadas de pessoas e factos que este historiador tão bem faz e refere. Deve ler-se devagar.
Hobsbawm é comunista. Mas não nos iludamos: depois de perto de 50 anos de militância política que atravessou os eventos mais trágicos de quase todo o século XX, vê-se sem o Partido Comunista Britânico que sossobrou (ou implodiu) na crise de 89 e anos seguintes. O que resta dele, hoje, é um arremedo estalinista que tenta sobreviver a todo o custo sem que se perceba bem o seu projecto ou se vislumbre sequer uma base social de apoio que o levou a ser um dos principais partidos comunistas do ocidente. Hobsbawm nunca saiu do PC ou dele foi expulso, quando até teriam razões para o fazer; basta dizer que foi contra (e escreveu-o publicamente ao contrário do que dele disse Judt) a repressão húngara de 1956 e da invasão da Checoslováquia, em 1968. Apoiou alguns julgados nas purgas soviéticas dos anos 50 e questionou o papel de Estaline, assim como as diatribes de Kruchev já sem força para a Crise dos Mísseis que tentou manter com Kennedy. Esteve com Che Guevara de que não recorda grandes rasgos intelectuais e tem a coragem de o dizer na ocasião, prevendo, infelizmente com razão, o desastre boliviano e, já antes, congolês.
Mas Hobsbawm é também ele o militante judeu (sem dar grande relevo a isso) que, em Berlim assiste e luta nas ruas contra a ascensão de Hitler e das suas SA e SS. Que se opõe ao Anchluss austríaco e permanece em Viena, quando os primeiros judeus são deportados para os campos de trabalho na Polónia, onde aliás já contavam com amigos seus comunistas e social-democratas que os inauguraram. Como ele lembra, aliás.
É, portanto, um daqueles militantes comunistas de segunda e terceira geração, dos anos 30, que marcam toda uma época de luta e de utopias várias e que nós fomos, de uma maneira ou de outra, seus herdeiros. Que tiveram de gerir, mais tarde, o pacto germano-soviético e organizar a resistência à vertigem totalitária em que a Europa mergulhava. Tudo isto ele nos conta, sem um esgar de raiva ou de arrependimento. É honesto nos seus pressupostos de profunda mudança social que sempre o norteou. Mas é principalmente honesto para com a História e para com Cambridge, universidade que o acolheu e que o protegeu, mesmo depois das perseguições que estes intelectuais sofreram na pele nos anos da guerra-fria. Percebe-se que gosta da «sua» universidade e só assim se compreende a sua ligação com os «Apóstolos» de Cambridge e que tenha sobrevivido mesmo depois do «caso Kirby» de que ele, aliás, nada tinha a ver. Os espiões não devem gostar de intelectuais...
Hobsbawm lembra-se dos anos 60, o que faz dele um não pertencente a esta geração, diz ele, não sem uma certa ironia. Não gostava de ácido ou de drogas e nunca usou jeans. Gostava de jazz (foi crítico em revistas) e abominava o rock que ele acusava de imitar a música negra, embora simpatizasse com os Beatles.
Viveu a recuperação liberal de Reagan e Tatcher e soube juntar a esquerda que então passava períodos graves de dissolução. Continuava a não gostar da experiência cubana e a detestar o terrorismo que nasceu dos anos de chumbo. Já não dizia nada da URSS dos anos 70 - porque não havia nada a dizer sobre este país que comprometia mais do que produzia entusiasmo. Não gostou de lá ter estado. Nunca compreendeu a leveza e a falta de objectividade revolucionárias dos «soixante-huitards». Mas coloca os situacionistas como dos mais influentes movimentos revolucionários que apareceram nesta época. Não deixa de ser estranho que todos os seus livros de História, alguns tão importantes como A Era dos Extremos, A Era dos Impérios ou a Era das Revoluções, nunca tenham sido editados nos países do «socialismo real».
Hobsbawm tem razão, mesmo quando se engana.