«(...)Não te esqueças de falar com o John Garbage”, disse-lhe Simbra, duas horas antes.
O truculento norte-americano disparava palavras como os soldados da coligação anglo-americana estariam a despejar os seus canhões sobre Bagdade. Estava às portas da capital iraquiana, entusiasmado pela previsível conquista, avisou que o momento não era oportuno, por isso, tinha pouco tempo para falar ao telefone, mas foi falando, garantiu que estava a ser tudo very very crazy, estiveram 36 horas debaixo de fogo, yeah, e agora estão a tomar a ponte sobre o rio Tigre, yeah, uma visão incrível, esta guerra de artilharia é crazy, os americanos bateram forte e feio nos iraquianos, ia tudo a eito, yeah, devias ver, mas isso, yeah, não é para escrever, ok?, thanks, diz só que foi uma jornada heróica, yeah, debaixo de fogo, morteiros para lá morteiros para cá, nunca vi igual, yeah, as águas do rio Tigre, yeah, meu, coisa linda, parecia o céu a explodir e a lançar as chamas para o rio, yeah, meu, o rio como um espelho a reflectir as luzes das bombas que estoiravam por todo o lado, yeah, que coisa linda, não sei quantos iraquianos morreram, cem duzentos trezentos milhares, muitos, meu, não interessa, yeah, isso também não é para escrever, yeah, mas estou tired, há dois dias que não durmo, tudo isto é de malucos, Saddam maluco, Bush também e nós aqui a escrever e a filmar esta guerra de tolos, do lado de quem invade, claro, porque do outro não se sabe nada, mas isto também não é para escrever, diz só que amanhã os americanos estarão em Bagdade, yeah, e que foi uma jornada heróica dos marines.
Pousou o telefone com o metálico “yeah” de Garbage a ecoar nos ouvidos. “Aqueles marines devem estar cheios de “speed” para aguentar 36 horas sem dormir na frente de batalha”, disse para o camarada da secretária ao lado. “O tempo dirá se foram cobaias de alguma experiência química”, acrescentou.
Em casa, mãe e filha esperavam-no, tranquilas, às voltas com o puzzle de Mordillo. Montar mil e quinhentas peças minúsculas demorará horas de muitos dias, a vida também se faz assim como se fosse um divertido jogo de paciência, que as relaxa neste país em que paciência é o que mais se tem, longe da guerra iraquiana no gigantesco barril de pólvora chamado Médio Oriente, guerra que não se percebe como não se perceberão todas as guerras. (...)»
O truculento norte-americano disparava palavras como os soldados da coligação anglo-americana estariam a despejar os seus canhões sobre Bagdade. Estava às portas da capital iraquiana, entusiasmado pela previsível conquista, avisou que o momento não era oportuno, por isso, tinha pouco tempo para falar ao telefone, mas foi falando, garantiu que estava a ser tudo very very crazy, estiveram 36 horas debaixo de fogo, yeah, e agora estão a tomar a ponte sobre o rio Tigre, yeah, uma visão incrível, esta guerra de artilharia é crazy, os americanos bateram forte e feio nos iraquianos, ia tudo a eito, yeah, devias ver, mas isso, yeah, não é para escrever, ok?, thanks, diz só que foi uma jornada heróica, yeah, debaixo de fogo, morteiros para lá morteiros para cá, nunca vi igual, yeah, as águas do rio Tigre, yeah, meu, coisa linda, parecia o céu a explodir e a lançar as chamas para o rio, yeah, meu, o rio como um espelho a reflectir as luzes das bombas que estoiravam por todo o lado, yeah, que coisa linda, não sei quantos iraquianos morreram, cem duzentos trezentos milhares, muitos, meu, não interessa, yeah, isso também não é para escrever, yeah, mas estou tired, há dois dias que não durmo, tudo isto é de malucos, Saddam maluco, Bush também e nós aqui a escrever e a filmar esta guerra de tolos, do lado de quem invade, claro, porque do outro não se sabe nada, mas isto também não é para escrever, diz só que amanhã os americanos estarão em Bagdade, yeah, e que foi uma jornada heróica dos marines.
Pousou o telefone com o metálico “yeah” de Garbage a ecoar nos ouvidos. “Aqueles marines devem estar cheios de “speed” para aguentar 36 horas sem dormir na frente de batalha”, disse para o camarada da secretária ao lado. “O tempo dirá se foram cobaias de alguma experiência química”, acrescentou.
Em casa, mãe e filha esperavam-no, tranquilas, às voltas com o puzzle de Mordillo. Montar mil e quinhentas peças minúsculas demorará horas de muitos dias, a vida também se faz assim como se fosse um divertido jogo de paciência, que as relaxa neste país em que paciência é o que mais se tem, longe da guerra iraquiana no gigantesco barril de pólvora chamado Médio Oriente, guerra que não se percebe como não se perceberão todas as guerras. (...)»
In Morto com Defeito, de Vítor Pinto Basto, a sair já em Julho.
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