Assírio & Alvim, 2025
Sigo Daniel Jonas com a exacta regularidade com que publica. Na poesia portuguesa contemporânea são poucos que acompanho, mas quando o faço é sem qualquer entrave. Não folheio o livro para ver se o levo ou não. Aqui, com este poeta, com Jorge Sousa Braga, Rosa Oliveira, Golgona Anghel, Maria Lis, Ricardo Gil Soeiro, José Ricardo Nunes ou Miguel Manso não há cá ademanes. É novo livro? Levo-os e pronto. Há outros que os levo igualmente, mas depois de manejados com mão destra e olhos atentos.
Com «Idade da Perda» o que me chamou a atenção foi a sonoridade, a cadência do poema. Não só as aliterações muitas vezes utilizadas, mas a métrica atenta que seduz o leitor na toada do soneto camoniano ou na ironia da cantiga de maldizer ou de amor. Se quisermos igualmente a cantiga de amigo leia-se «Vai-se o meu colega segundanista» uma metáfora bem sucedida ao ambiente universitário. Mas «Idade da Perda» não se inicia assim, irónico e prazenteiro. Antes pelo contrário: Daniel Jonas convida-nos «(...) A casa junto ao lago, / consolo de quem a solo / junto ao mar de Tiberíades / pressente a paz da multidão de peixes.» (pág.11) Após o bíblico entra-se no nascimento, nas ligações físicas, no crescimento, em todo o momento em perda de vida, saboreando-a ou apartando-se dela. A vida em perda constante só sobreleva o conselho: «Guarda o teu sorriso, filho meu / e nele a espontaneidade da surpresa - / não digas que já nada te surpreende - / mas conserva a graça de te admirar / a sabedoria do novo, nem que seja do escândalo. (...) /Não deixes escapar pela raiz / esse mundo querendo crescer. / Assim serás para sempre o mais feliz dos homens / depois de mim.» (pág.19).
Em «Avalon» nasce-se como fruto. Como árvore através de uma queda vegetal: «Colher a promessa importa antes. / A suave abdução / O corte com a corda que o prende / À artéria vegetal da mãe / Em que se adia. / Prestar-se socorro ao suco / Desatarraxá-lo como uma lampa: / A luz dorme no fruto.» (pág.24) E o esquecimento como parte dessa vida aqui aflorada em «Caducos»: «Desprendem-se os amigos / como folhas de ramos. / Desaprendem-se os amigos / / com os anos // a figueira que deu fruto / nem sombra dá / para seu luto.» (pág.27) E em «Cinzas» o refazer o mundo pelo eterno vigor da transformação natural «Lança ao rio o pai que te resta.» (pág.30) ou pousar o momento melancólico em «Demasiado Mar»: «Quando nos fingimos de morto, a vida acredita.» (pág.50).
Destaco o longo poema «Na Filipe Folque» (pág.67 a 73) em forma de auto-retrato irónico não sem que alguma raiva transborde para os espaços em branco com que descansamos a leitura deste extraordinário exercício: «(...) Irei assim eu morrer tantas vezes quanto mas permita / a vida, aqui na Filipe Folque como no mundo todo. / Não hei-de ser eu em vez de mim / nem me queira viver quantas sombras de mim me some. / A não ser que me construa na grande luz / que de repente me escurecer e assim me suma. / Um auto-retrato é mais exacto quanto mais trair o portador.(...)»
alc


.jpg)



(1).jpg)