Livros Zigurate, tradução de José Mário Silva, Maio de 2025. O Público de 7 de Julho de 2025 publicou uma entrevista com Timothée Parrique.
A leitura deste livro fez-me recordar uma célebre frase de um ex-jogador de futebol que analisou a sua época ganhadora com «...estivemos à beira do abismo, mas demos um passo em frente!». Não estou a ironizar e esta frase vai direitinha para aqueles que pensam que o capitalismo pode renovar-se por si só, tornando-se «verde», «solidário», «amigo da natureza», «socialmente justo», «democrático», etc. Não, não vai, porque a o seu adn é o lucro acumulado e o crescimento contínuo até ao infinito, se possível fôra e existindo, ou não, um abismo à sua frente. Pouco lhes interessa, aos mais ricos do mundo inteiro (os tais 1%), que o planeta se exaure, que as alterações climáticas façam soçobrar povoações ou países inteiros, que a percentagem de pobres no mundo inteiro tenha aumentado exponencialmente, ou que o Sul ande afogado em dívidas impagáveis aos países do Norte desenvolvido, extractivista, imperialista, neocolonizador, que lhes impõe as emissões de carbono em deslocalizações de empresas tóxicas. Pouco lhes interessa, igualmente, que exista uma panóplia imensa de «trabalhos de merda» (David Graeber), inúteis e tóxicos, que não sem alguma lógica capitalista e especulativa, são os mais bem pagos.
«Abrandar ou Morrer - A economia do decrescimento», de Timothée Parrique, não é somente, um manifesto ecologista. Certamente ecossocialista, certamente anticapitalista, mas eivado de um optimismo que até nos pode irritar, pela apresentação tão desconcertante, como sustentadamente viável, dos pressupostos do decrescimento, movimento que tem vindo a alargar-se, cada vez mais, na opinião pública e desde os inícios dos anos 70. Podemos situá-lo num anticapitalismo, mas não deixa de ser sintomático, os ataques que lhe são arremetidos, quer pelos ecologistas, quer pela esquerda parlamentar europeia, ou que está em vias de o ser, que se recusam a apresentar aos seus eleitores propostas sólidas e congruentes de transição pelo decrescimento e reformulação dos itens do PIB, alfa e ómega do capitalismo e indicador de um crescimento enganoso.
Se o decrescimento, segundo os seus detractores, não resolveria nada, antes enterrando as pessoas na pobreza e na desregulação social, no desemprego, perguntar-nos-íamos por que razão o «crescimento» capitalista não teria já resolvido a equação da desigualdade e, pelo contrário, a tenha aumentado exponencialmente, com o aparecimento de fortunas colossais nunca antes visto, mesmo no liberalismo puro e duro do século XIX. As críticas ao decrescimento são de tal modo desproporcionadas e violentas que chego a admitir que talvez Timothée Parrique tenha razão na apresentação deste livro/manifesto. Sólido nos argumentos e dados no ponto de vista económico e social, é contudo, no plano político onde alguma hesitação se faz sentir. É evidente que o processo de decrescimento (volta-se a sublinhar o aumento de pessoas que investem no «ter menos, para ganhar mais vida») está ligado ao aumento da democracia e do movimento cooperativo e autónomo, municipal até, reconfigurando as empresas, tornando-as não lucrativas e proibindo e criminalizando, por exemplo, a obsolescência, entre perto de 380 itens que se cruzariam na proposta ecossocialista. Sintomática foi a resposta de Michel Rocard um peso-pesado do «socialismo» francês que ao ouvir, pela primeira vez, estas propostas, imaginou de imediato uma «guerra civil», como se essa realidade não existisse já e promovida pelos mais ricos e pelos estados que desmantelam os serviços públicos e descartam qualquer hipótese séria de uma economia socialmente útil.
O decrescimento torna-se assim a única saída para uma fase de transição que espolete para uma realidade-outra que pode ser o que quisermos, desde que o capitalismo morra de vez. Exemplos de verdadeiras alternativas não faltam.
«Termino com o meu livro preferido, ''The Future is Degrowth: A Guide to a World beyond Capitalism'' (Junho de 2022), de Matthias Schmelzer, Andrea Vetter e Aaron Vansintjan. Verdadeira enciclopédia do decrescimento, encontramos nele a integralidade da literatura (quase uma centena de conceitos) cuidadosamente organizada em tipologias: ste críticas do crescimento económico (ecológica, socio-económica, cultural, anticapitalista, feminista, anti-industrialista e internacionalista), cinco correntes de decrescimento consideradas de diferentes ângulos (as instituições, a suficiência, as economias alternativas, o feminismo, tal como o pós-capitalismo e a alter-globalização), três princípios do decrescimento (justiça ecológica; justiça social; autodeterminação e a vida boa; independência em relação aos imperativos do crescimento) e seis famílias de propostas (democratização, economia solidária, e bens comuns; segurança social, redestribuição e limites quanto à acumulação de riqueza; tecnologias conviviais e democráticas; revalorização e redestribuição do trabalho; democratização do metabolismo social; solidariedade internacional). este livro, por si só, resume perfeitamente o vasto campo de estudos em que se tornou o decrescimento.» (pág.163)
alc