Editora VS. 2024. Tradução de Carina Correia. Prefácio de Tiago Pires Marques
Na contracapa deste livro Jorge Luís Borges e Arthur C. Clarke avisam que se trata de «uma novela prodigiosa», escreveu o primeiro, e de «a mais poderosa obra de imaginação alguma vez escrita», afirmou o segundo. Assino por baixo, evidentemente. No entanto, devo dizer que tanta imaginação levou-me a prescrutar a net sobre a biografia deste homem procurando, em vão, algum fio condutor que me levasse à constatação, um pouco voyeurista, que terá abusado de drogas, mescal ou álcool em abundância. Nada disso. Olaf Stapledon, inglês bem-comportado, escreveu esta obra em 1937 e foi, pelo que observei, um tipo de gentleman admirador das ideias marxistas, adepto do materialismo histórico, não sem que transpareça nas suas páginas um certo incómodo pelas possibilidades de aparecimento de totalitarismos através das utopias bem intencionadas como foi a da construção da URSS. Se nos ativermos às datas da publicação de «Criador de Estrelas» observamos que foram escritas logo após os processo de Moscovo e, sem o referir explicitamente, ele dá-nos a percepção dessa incomodidade que atravessou toda a intelectualidade da esquerda inglesa dos anos 30.
Essa incomodidade não se vislumbra no claro darwinismo de que foi absolutamente adepto. Ou pelo pacifismo que abraçou desde a objecção de consciência que proclamou na guerra de 1914/18 tendo servido o exército inglês no salvamento e tratamento dos feridos da frente. Em 1940, contudo, já não o encontramos envolto nos movimentos pacifistas e atacou claramente o nazismo e o fascismo. Morre em 1950 e ficou com o apodo de «pai da ficção científica» moderna e contemporânea. Este conhecimento da devastação que traz a guerra, por quem a viveu de perto, transparece em cada página.
Sobre o livro em si, será difícil descrever a sucessão de acontecimentos e viagens quer interplanetárias, ou mesmo intergalácticas. Tudo é possível em «Criador de Estrelas»: a possibilidade de viajar a uma velocidade superior à da luz, quer através do processo mental, quer de outras, muitas, viagens do próprio planeta com um sol artificial, irradiando a energia necessária para encontrar outros mundos, também eles inteligentes, ou puramente sencientes que ia encontrando, juntamente com um outro habitante de Outra Terra. A sua «imaginação prodigiosa» levou-o a prever aterradoras alterações climáticas na Terra (é evidente que é tudo imaginado!!) e a solução para o que observamos com a deslocação gradual do eixo da terra: nada como uns foguetões atómicos que seriam colocados nos pólos e, se ligados continuamente, colocariam o nosso planeta nos eixos, ou melhor, no eixo inicial. Sinceramente, adoptei este método como meu, se disso tivesse hipótese! Já com a eugenia, desgraçadamente em voga à época, Olaf Stapledon via-a como tendo uma marca positiva, como melhoramento da inteligência humana que levaria as sociedades ao entendimento e paz globais. Creio que sobre a «inteligência humana» e o seu desenvolvimento posterior a 1950, estamos conversados. Sobre a paz, idem. Sobre o fim do racismo, aspas, aspas!
Fiquei com um travo amargo após a leitura de «Criador de Estrelas». Em primeiro lugar, a própria imaginação do autor limita-me a esmo: não consigo idealizar um planeta inteligente submerso pelas águas de um oceano em que os seus habitantes tinham uma vela na crosta das suas costas, que se locomoviam com o vento e que comunicavam entre si através de sinais acústicos. Como se poderia ler Heidegger com estes sinais tão básicos? Olaf Stapledon não explica esse verdadeiro impedimento social. Vida inteligente nas plantas, sim, conheço muito bem e algumas delas existem na política portuguesa. São uma espécie em absoluto desenvolvimento até pelas lianas que se reproduzem em movimentos sexuais através do pólen e do perfume que lançam. Por que não? De resto e em segundo lugar, cada página, uma novidade, até ao cansaço final que nos tolhe o pensamento diminuído já pela impossibilidade manifesta em acompanhar o autor. Finalmente, a leitura era-me seguida de imagens contínuas de seres extraordinários, mas sómente nas gravuras e na banda desenhada dos anos 30 e 40 do século XX e que eram a maravilha dos miúdos dos anos 60 nas páginas de domingo de «O Primeiro de Janeiro», d'«O Século» e do «Diário de Notícias», com mulheres poderosas de revólver à cintura fina e de guerreiros «armários» de collants vestidos. Ambos os sexos em procura constante de glória eterna em planetas desconhecidos. Não se diga que não os amámos.
alc
