quarta-feira, março 30, 2022
« A Amiga Genial », Elena Ferrante
sábado, março 26, 2022
Princípios básicos da «literatura» chegana
Não consegui ler o livro até ao fim. Deixo-vos alguns trechos. Isto pode levar-vos à acusação de descontextualização, mas acreditem que a contextualização é uma experiência muito pior, visto a qualidade é mais que sofrível. Partilhem comigo estes nacos:
sexta-feira, março 25, 2022
«Villa Juliana», de Rui Ângelo Araújo
Não sei se a Villa Juliana é uma metáfora de Portugal; uma casa isolada, integrada num ambiente bucólico face a um lago, perto de uma cidade onde a separação de classes era (é) uma realidade bem conhecida, passados largos anos passa a ser um resort, uma espécie de hotel onde uma mulher, Juliana, que viveu ali a sua infância e adolescência é assombrada como se fosse mais uma cliente pagante de um quarto que foi seu. E também pelo seu passado. Se não é isto o Portugal de hoje onde tudo se paga, inclusive a velha aristocracia (que tem vergonha de o ser) representada por Rodrigo, onde um solar decrépito tem a sua porta aberta (para quem, para quê?) e que hesita na sua queda e degenerescência, até como filho ilegítimo embora único herdeiro, então Portugal o que é? Talvez a mesma decrepitude.
Um livro que me leva a procurar os outros do mesmo autor.
GRAZIA TANTA: A NATO na senda de Hitler – Drang nach Osten
terça-feira, março 22, 2022
«Comboios rigorosamente vigiados», de Bohumil Hrabal, ou de como se hipnotiza um tanque em movimento
sexta-feira, março 18, 2022
«Memórias da Plantação - Episódios de Racismo Quotidiano», de Grada Kilomba
Grada Kilomba tem já uma carreira sólida: trabalhos expostos nas Bienais de S.Paulo e de Berlim, na Documenta 14, no MAAT e na Gulbenkian, é igualmente professora na Universidade de Berlim onde se doutorou cum laude e no Departamento de Género da Humboldt Universität. Este livro creio que é uma adaptação da sua tese de doutoramento e baseia-se muito nos trabalhos de Frantz Fanon, bell hooks, Freud ou May Ayim, entre outros/as, mas que não lhe retira minimamente a sua original radicalidade e rigor conceptual.
Depois de apresentar-nos exemplos da linguagem como instrumento de poder, quer no caso do racismo, quer do género que, aliás, não separa, recorda-nos que o racismo do século XXI é bem diferente do racismo brutal e mais visível do século XIX e XX. Hoje, o racismo liquefez-se, torna-se escondido em palavras e atitudes aparentemente neutras. A desmontagem do racismo quotidiano é feito não só por Grada Kilomba, mas igualmente por entrevistas a Katlheen e a Alicia (nomes fictícios) de mulheres racializadas na Alemanha, sendo que a primeira é natural dos EUA e a segunda filha adoptiva de uma família branca.
Na pág. 39, Grada Kilomba abre o difícil jogo oculto do racismo através da psicanálise e citando Frantz Fanon: «(...) Os psicanalistas dizem que não há nada mais traumatizante para a criança do que o contacto com o racional. Pessoalmente, direi que, para um homem que só tem como arma a razão, não há nada mais neurótico do que o contacto com o irracional.» A autora, mais à frente, recorre ao étimo grego da palavra trauma como sendo uma ferida, um corte profundo na pele, que chega a ser dor física que aliás uma das entrevistadas disse sentir num episódio de racismo «leve» que experimentou na família branca e que a adoptou. Daí, na pág.44, Grada Kilomba propor ao indivíduo branco/a o seguinte: «Em vez de formular a habitual pergunta moral ''sou racista?'' e ficar à espera de uma resposta confortável, o sujeito branco deve antes perguntar ''como posso desmontar os meus próprios racismos?'', pois é a interrogação em si mesma que dá início ao processo.»
Esse processo terá de ser interiorizado pelo homem branco como factor, por vezes inconsciente, outras mais que consciente, das atitudes racistas para com pessoas racializadas principalmente as africanas (e mais à frente Grada Kilomba explica o porquê este ódio pelo africano, em vez do indiano ou do ameríndio do norte, por exemplo). Em «Pode a subalterna falar?» baseada na questão colocada por Gayatri C. Spivak (num livro também editado pela Orfeu Negro), a autora responde, tal como Spivak, com um rotundo «Não!». E mais adiante conclui retirando do exemplo académico: «Não é que não tenhamos falado, mas antes que as nossas vozes - por intermédio de um sistema de racismo - têm sido sistematicamente desqualificadas como conhecimento inválido; ou então têm sido representadas por pessoas brancas que, ironicamente, se tornam ''peritas'' em nós mesmas. Seja como for, fomos aprisionadas a uma ordem colonial violenta. Nesse sentido, a academia não é um espaço neutro nem mero espaço de conhecimento e sabedoria, de ciência e saber, é também espaço de v-i-o-l-ê-n-c-i-a.»
Onde está a radicalidade do livro de Grada Kilomba? Começa pela própria definição do racismo de hoje. Resumindo, a autora caracteriza o racismo em três vertentes: 1) vê-o na construção da diferença. O/a negro/a é diferente, estabelecendo essa norma o branco. 2) Essas diferenças são constituídas em valores hierárquicos sendo construída e articulada «pelo estigma, pelo opóbrio e pela inferioridade.» Assim, o/a racializado/a é visto como «problemático, difícil, perigoso, preguiçoso, exótico, colorido ou incomum.» Esta construção da diferença produz o preconceito que se afirma de várias maneiras na sociedade ocidental, na chamada «Europa Fortaleza»; e essa fortaleza não se construiu por acaso; trata-se de recompor um espaço colonial perdido, substituindo-o pela expulsão do sujeito negro. 3) Todos estes processos são acompanhados pelo poder histórico, político, social e económico que consolidam a supremacia branca sobre o negro. E também pelo poder linguístico.
Surge então o que Grada Kilomba chama de «racismo quotidiano» que se revela pelo vocabulário, discursos, imagens, gestos, acções e olhares que posicionam o sujeito negro e as «pessoas racializadas não apenas como ''outras/os'' - a diferença contra a qual se mede o sujeito branco -, mas também como alteridade, ou seja, a personificação dos aspectos reprimidos pela sociedade branca.» Neste aspecto, o sujeito negro está reflectido em itens claramente racistas como a infantilização, a primitivização, a descivilização, a animalização e, inclusive, a erotização.
Grada Kilomba estabelece um debate sobre o género algo polémico, mas a quem não me custa dar-lhe a razão, principalmente pela coerência com que aponta o feminismo negro diferente do feminismo branco, adiantando que uma mulher negra tem não só de lutar contra o racismo, como igualmente pela condição de mulher livre e contra os estigmas com que são atingidas diariamente.
Não deixa de ser sintomático que um país cujo império colonial com todas as suas arbitrariedades, violências e atrocidades e que foi o último a cair, em 1974, ainda se rogue no direito de dizer que não é racista. E não é só a extrema-direita portuguesa que o diz, o que não deixa de ser um contrassenso vindo de quem vem. É comum dizer-se o mesmo sabendo, conscientemente, que é mentira. A questão das estátuas colonizadoras que povoam as nossas ruas e que foram alvo de tentativas de destruição originando uma onda de repúdio caseirinho são disso exemplo, mas igualmente pelo racismo cultural que se apodera das escolas e universidades impondo um qualquer direito à diferença que não é mais do que a imposição de uma lógica colonial branca de que não conseguimos sair. Provavelmente, faremos a catarse do nosso colonialismo interior e quotidiano tarde demais.
Um livro obrigatório.
António Luís Catarino
domingo, março 13, 2022
«Poemas em Prosa», de Stéphane Mallarmé
quinta-feira, março 10, 2022
«Pan», de Knut Hamsun
Pan é uma edição da Cavalo de Ferro de 2010, sendo a 2ª edição de 2015.
terça-feira, março 08, 2022
«Nó», de Daniel Jonas
Não consigo imaginar alguém que goste de poesia e não tenha lido ainda Daniel Jonas. Este livro de sonetos rigorosos feito e de um sarcasmo muito particular, também nos atinge pela surpresa e desconcerto que produz. Não sei que «nó» é este com que Daniel Jonas nos prende, nem ouso sequer aventar hipóteses. Nunca o faço em poesia, porque não quero arriscar-me. Só a leitura me interessa e as emoções que produzem em mim. Logo, prevejo um nó de marinheiro de várias pontas onde sobressaem ventos poderosos que se ouvem em flautas de juncos, com a morte e os jogos de espelhos da vida e do amor, com o clássico pagão e o bíblico onde o erotismo está sempre presente. Deus está presente de um modo raro, em que Jonas joga com Jonas e com a baleia, tal como adiante com Job e Jacob, ou o coxo Hefesto que martela o ferro na ausência de Afrodite ou com Maria e Cristo:
Senhor! (Dizer teu nome só é bom),
terça-feira, março 01, 2022
Pietà, Miguel Ângelo e Rilke
A leitura existente no desenho foi o impulso para o fazer tal como se apresenta aqui. Existe nas páginas 67 e 68 da edição de Bolso da Minotauro de «História do Bom Deus e Outros Contos» de Rainer Maria Rilke. Já não é a primeira vez que o abordo. Aconteceu-me na exposição «Anjos do Desespero» onde pontificava um desenho meu que lhe era destinado e um poema com colagens. Hoje, encontra-se com a minha filha e está no catálogo com o mesmo nome da exposição que aconteceu em Maio de 2018.
Já o livro é do início da sua carreira, se assim se pode dizer, e destinam-se sobretudo a crianças ou era isso que Rilke julgava. A simplicidade, as histórias, as personagens são de uma grande leveza, mas pleno de metáforas que nos permitem variadas interpretações, embora o caminho da paz, do conhecimento, do saber e da amizade entre humanos e a sua relação com Deus, seja uma realidade.
Rilke é inseparável.