sexta-feira, março 25, 2022

«Villa Juliana», de Rui Ângelo Araújo

 

Língua Morta, 2021
Uma surpresa de um autor que desconhecia por completo. Embora este seja o seu quarto livro, não sendo portanto uma estreia, apresenta uma escrita muito sólida e uma narrativa bem estruturada, que nos prende à leitura. Os seus livros anteriores foram «Os Idiotas» de 2013, editado pela Lado Esquerdo e «A Origem do Ódio - Crónica de um Retiro Sentimental» de 2015, também publicado pela Língua Morta. Em 2017, a Companhia das Ilhas editou «Hotel do Norte».

Este «Villa Juliana» é um livro de viagem mapeado por périplos ao passado, que se entronca com várias personagens e que se cruzam, por vezes, em decadências e idiossincrasias várias. O que mais me chamou a atenção na leitura de «Villa Juliana» é a verossimilhança das pessoas que povoam o livro, dividido em quatro realidades diferentes, mas onde é possível verificar uma ligação quase íntima connosco ou com alguém que conhecemos em situações idênticas. O surrealismo e o non-sense de certos actos e vivências que lemos só pode ser real, bem conhecidos e vividos por Rui Ângelo Araújo, partindo do princípio que a realidade ultrapassa em muito a ficção. Passar isso para literatura de qualidade não é fácil. 

A ambivalência entre a cidade e o campo, a desestruturação familiar de uma mulher que envelhece, a pista de um poster já antigo de lingerie numa loja decrépita num casco histórico de uma qualquer cidade, o (re)encontro com amigos passados os anos de juventude new age de drogas e álcool que povoou o final dos anos 80 e o início dos 90 (o autor nasceu em 1968), os suicídios, as impossibilidades sociais, o isolamento, quase tudo é descrito neste livro. 

Não sei se a Villa Juliana é uma metáfora de Portugal; uma casa isolada, integrada num ambiente bucólico face a um lago, perto de uma cidade onde a separação de classes era (é) uma realidade bem conhecida, passados largos anos passa a ser um resort, uma espécie de hotel onde uma mulher, Juliana, que viveu ali a sua infância e adolescência é assombrada como se fosse mais uma cliente pagante de um quarto que foi seu. E também pelo seu passado. Se não é isto o Portugal de hoje onde tudo se paga, inclusive a velha aristocracia (que tem vergonha de o ser) representada por Rodrigo, onde um solar decrépito tem a sua porta aberta (para quem, para quê?) e que hesita na sua queda e degenerescência, até como filho ilegítimo embora único herdeiro, então Portugal o que é? Talvez a mesma decrepitude.

Um livro que me leva a procurar os outros do mesmo autor.


António Luís Catarino