Alfaguara, 2024. Tradução de Ana Cláudia Santos
Escrito em 2001 neste «Viagem no Proleterka», a suíça Fleur Jaeggy, que aqui já falámos longamente pela leitura do vigoroso «Felizes Anos de Castigo» (1989), mostra-se agora algo fatigada, não se saberá se fruto da sua quase reclusão em que vive ou, talvez, porque o tema do seu encontro com um pai ausente, estranho, doente, que a convida para uma viagem de catorze dias num cruzeiro «para se conhecerem melhor» terá sido um fiasco. Aliás, todos os temas que Fleur Jaeggy tenta abordar falham. Essa possível relação com o pai não é minimamente conseguida. Se ele se mostra inacessível, a autora, os sentimentos e as acções que leva a cabo durante a viagem não se mostram mais do que pequenos e demasiado fugidios pensamentos para o leitor. Assim como as suas relações fortuitas com membros da tripulação são tão despidas de emoção que chegamos a pensar se chegaram a existir. Tudo é elaborado à pressa, como se a viagem pudesse acabar logo ali, acelerada. As descrições apresentam-se sem grande entusiasmo, como escrever um livro fosse igual a que se bebesse um copo de água e continuasse a escrever no capítulo seguinte. Um leitor, e reivindico para mim esse papel, não é um crítico: para isso, finalmente, já existem cursos universitários em algumas, poucas, universidades portuguesas. Mas no processo de leitura sente-se imediatamente, o estado de espírito de quem escreve. Há uma identificação clara, uma honestidade nossa que reivindicamos igualmente ao escritor. O que move um crítico é outra coisa. O recurso estilístico da autora nada tem a ver com o último, e creio que único, livro editado em Portugal, «Felizes Anos de Castigo». Repito que ali há um cansaço observável e que não é necessário sequer uma lupa para o verificar.
A tradução de Ana Cláudia Santos, e não é a primeira vez que o digo, evitou que se tornasse quase impossível a leitura de «Viagem no Proleterka». Reparem no que eu digo, neste extracto que vos apresento, que se repete em toda a leitura em períodos tão curtos que interrompem o fluído necessário a uma leitura ou, sequer, a uma identificação mínima com a autora e a uma possível densidade psicológica de todas as personagens:
«(...) Era bonita e robusta. Houve vezes em que quis sair com ela. Não conhecia ninguém da minha idade. Ela fazia-se rogada. Tinha percebido logo que eu estava sozinha. Teria de pagar para ter a companhia dela. É possível que tenha sido ela a sugerir ao pai, o diretor, que nos expulsasse. A nós, os da pensão mensal.» (pá.109)
e continua na mesma página, e em todo o livro, esta toada:
«Por vezes, Johannes levava-me ao restaurante da Corporação. A entrada é pelas arcadas. No primeiro piso, silêncio, as pessoas distintas falam baixinho. Os talheres movem-se com leveza, quase sem tocar no prato. Lá fora, o rio corre. Os cisnes deslizam. Passa o elétrico. Carros. Quando morre um membro da Corporação, costuma fazer-se um banquete fúnebre. Johannes sente-se sozinho. (...)»
De resto, não costumo escrever sobre os livros de que não gosto e foram alguns, não muitos, é certo. Este não está nesse rol, mas devo a Fleur Jaeggy um dos melhores livros que li e que citei aqui, o «Felizes Anos de Castigo» sobre o regime de internato para jovens. Verdadeiramente ímpar. Esperemos que o próximo editado em Portugal seja diferente deste «Viagem no Proleterka» em que, por vezes, cheguei a pensar tratar-se de um conjunto de apontamentos livres da autora para a construção, isso sim, de um verdadeiro romance.
alc