Em distinta vida já remota,
confesso que cheguei a ser poeta,
mero escriturário de versos falhados,
entretido com rimas vazias e
em vão procurando soletrar
o triste mistério de existir.
Felizmente que fui ainda
a tempo de decidir ser outra
máscara mais real: com a lição
bem estudada, rendi-me ao
injurioso embuste do mundo.
E, desistindo de roubar ao escuro
absurdos alfabetos luminosos,
transformei-me em simples sopro,
voz avulsa que assim veleja à deriva.
Agora - não sei se por arrogância
ou desdém - já nem passo cartão a
escusados apelos de musa inoportuna;
finjo que não me assusta esta dor
De Ricardo Gil Soeiro, Bartlebys Reunidos, a sair na Deriva, 2013