É já amanhã que o livro de João Camargo, Que se Lixe a Troika!, sai da tipografia direito à distribuidora para estar presente em todas as (boas) livrarias e espaços livreiros do país. Com prefácio de Boaventura de Sousa Santos:
«Pese embora o poderoso slogan que lhe dá o título, este
livro não é um livro de palavras de ordem. É um livro analítico e didático que identifica
com rigor as políticas e os protagonistas que provocaram a crise e a estão
supostamente a “resolver” à custa da destruição da nossa economia e da
degradação do nosso bem-estar.
As análises contidas neste livro explicam, de modo acessível
a leitores não especialistas, como foi engendrada a crise fi nanceira. Entregue
a si próprio, depois de ter neutralizado o direito nacional e internacional que
de algum modo o controlava, o capital fi nanceiro nacional e internacional
envolveu-se em aventuras financeiras que geraram lucros fabulosos para os seus
protagonistas. Quando as condutas irresponsáveis (pondo em risco pensões e
aforros arduamente conquistados pelos cidadãos), moralmente repugnantes (violando
a confi ança e a boa-fé dos depositantes) e mesmo criminosas (evasão fi scal de
proporções gigantescas) finalmente deram para o torto, o capital financeiro
mais uma vez capitalizou no controle que tinha assumido sobre as instituições
públicas para continuar a prevalecer sobre os cidadãos. Assim, o gigantesco enriquecimento
ilícito que gerou a crise continua sob a forma de resgates e recapitalizações
bancárias supostamente para “resolver” a crise (...) »
Do Prefácio de Boaventura de Sousa Santos
«Três períodos | A história do Banco Central Europeu pode
ser dividida em grandes períodos: o primeiro vai desde a sua criação em 1998
até ao fi nal do mandato do primeiro presidente, o holandês Wim Duisenberg, em
2003, acompanhando a introdução do euro, procurando afi rmar a força da economia
e da moeda europeia perante o poderoso dólar e o ceticismo dos mercados financeiros;
o segundo período começa com a entrada do francês Jean-Claude Trichet em 2003,
quando o euro começou a crescer e quando o BCE repreendia França e Alemanha
pelos seus défices orçamentais. Em 2008, já em plena crise financeira, o BCE
congratulava-se pela resiliência europeia e do euro ao choque do subprime, mas
em 2009, com o ataque especulativo à Grécia, após biliões de dólares e de euros
serem utilizados nos resgates do sistema fi nanceiro, Trichet decide baixar as
taxas de juros de empréstimo à banca privada para 1,5%, com o objetivo de
estimular o crédito (nesta altura os Estados Unidos e a Grã-Bretanha já tinham
as taxas de juro de referência perto do zero). Desde então começou o terceiro período
do BCE, tendo continuado a baixar as suas taxas de juro, atingindo os 0,75% em
2 de julho de 2012, já liderado pelo italiano Mario Draghi. (...)
Monsieur Euro | O anterior presidente do BCE foi o francês
Jean-Claude Trichet, antigo presidente do Banque de France. Assumiu o seu
mandato em novembro de 2003, um ano mais tarde do que seria de esperar. Os
presidentes do BCE devem cumprir mandatos de 8 anos não-renováveis, mas, devido
a negociações entre franceses e alemães, o mandato do primeiro presidente, o
holandês Wim Duisenberg, seria apenas metade do que era previsto – quatro anos.
No entanto, chegada a hora do câmbio, Jean-Claude Trichet estava em pleno julgamento
pelo seu papel na gestão do caso Crédit Lyonnais. Este caso foi apelidado pelo
The Economist como “o escândalo financeiro do século”. É um título exagerado,
pelo século que vinha pela frente ou pelo que deixava atrás. Mas foi seguramente
o maior resgate que um Estado fez a um banco naquela década. Durante o mandato
de Trichet enquanto presidente do banco central francês, o banco Crédit
Lyonnais foi resgatado várias vezes, tendo o custo total do dinheiro público
utilizado nestas operações chegado, segundo a BBC, aos 30 mil milhões de euros.
Foi criado um organismo público – o Consortium de Reálisation (CDR) – para o
qual foram desviadas todas as dívidas do Crédit Lyonnais, fruto da gestão
ruinosa anterior que incluiu a compra dos estúdios de cinema MGM. Em maio de
‘96, a sede do Crédit Lyonnais ardeu em Paris durante 12 horas e desapareceram
a maior parte dos arquivos do banco, assim como os seus computadores. O Crédit
Lyonnais foi privatizado em 1999. Em 2003 o Crédit Agricole comprou o banco,
dividindo-o em banca de investimento (Calyon) e banca de retalho (LCL). O
Consortium de Reálisation (CDR), com as dívidas do Crédit Lyonnais, permaneceu
na esfera pública – materializando aquele que já se vai tornando um ditado popular:
“privatizam-se os lucros, nacionalizam-se os prejuízos”. O CDR acabou, entre
outros prejuízos ao erário público, por pagar 285 milhões de euros de dinheiro
público ao magnata Bernard Tapié, antigo proprietário da Adidas e do clube
Olimpique de Marselha (razão pela qual a atual presidente do FMI, Christine
Lagarde, está sob investigação da justiça francesa). Jean-Claude Trichet, no
entanto, foi absolvido de quaisquer responsabilidades no caso e assumiu a pasta
de presidente do BCE a 1 de novembro de 2003. O “Sr. Euro”, como a certa altura
se autoproclamou, teve formação em engenharia e economia. Em 1971 foi nomeado
inspetor-geral das Finanças em França e progrediu em 1987 até chegar ao cargo
de Diretor do Departamento do Tesouro francês. A par da sua carreira pública,
Trichet evoluiu no privado, tendo sido o presidente do Clube de Paris entre
1985 e 1993. Simultaneamente, de 1987 a 1995, Trichet foi um dos governadores
do Banco Mundial, assim como governador alternante do Fundo Monetário
Internacional. Em 1993 foi nomeado governador do Banque de France, banco
central francês, onde cumpriu dois mandatos antes de assumir a pasta no BCE. (...)»
Que se Lixe a Troika, João Camargo. Deriva, 2012