Por vezes, quando o autor é bom como é o caso de Jo Nesbo este, através de uma trama policial tão verosímil, como enredada em teias políticas e sociais que nos prendem à leitura, sabemos muito mais quando acabamos o livro, do que a descoberta de quem assassinou quem. Por exemplo, que a Noruega nunca foi o exemplo de paz e bonomia democrática com que a olhamos vulgarmente. Até foi o contrário, segundo o seu compatriota Jo Nesbo. Durante a II Guerra Mundial e a partir dela, a Noruega passou de um país relativamente pobre em recursos para um dos países mais prósperos do mundo. Isso não foi ao acaso. Nunca o é. Mas a fuga do seu monarca para Londres e depois América juntamente com as reservas de ouro, abandonando à sua sorte o povo da invasão nazi, levou a que a «protecção» de Roosevelt contra a URSS fosse traduzida num apoio monetário substancial à construção dos riquíssimos poços de petróleo com que as suas «elites» se deleitam. E por falar em «elites» devemos dizer que não foi por acaso que o rei fugiu. Essa fuga desprezível, para Nesbo também, aponta para uma clara capitulação sem guerra a Hitler, como o foi a «neutralidade» sueca ou a rendição em 3 dias da Dinamarca. Todos eles estiveram, de uma maneira ou de outra, ao lado de Hitler, sendo o caso da Finlândia uma outra conversa. Não se pense contudo que não houve resistência norueguesa. Haver houve, mas foi fraquíssima e com pouca organização. Remeteu-se aos bosques e a algumas cidades, mas aumentou exponencialmente em 1944, já os soviéticos avançavam sobre Berlim. Astutos, não puderam contudo esquecer-se dos números de antes da guerra: a fria estatística apontava para 3 ou 4 vezes mais mobilizações nas Waffen SS na frente oriental contra os russos do que na débil mas honrosa Resistência. Depois da derrota da Alemanha nazi os soldados vivos voltaram para a Noruega e logo nos dias seguintes da libertação o Forte Akershus abateu milhares de traidores como uma fúria, segundo Jo Nesbo, muito maior do que países cuja resistência foi bem maior. Conta perto de cem mil encostados à parede em todo o país. Cem mil num país com menos de 4 milhões em 1950! Percebemos agora a brandura dos tribunais para com os «traidores» que estiveram na frente oriental e que apodaram de «peixe-miúdo»! Era necessário parar com os fuzilamentos e deixar que a economia funcionasse já que as perspectivas americanas mais o Plano Marshall eram as melhores.
Só que, entretanto, e é disto que trata «O Pássaro de Peito Vermelho», passaram três gerações após a II Guerra Mundial e soldados da frente oriental não tinham motivos para pensar que eram traidores de coisa nenhuma e que lutarem ao lado dos alemães foi lutar ao lado do nacionalismo norueguês contra o inimigo russo! E vieram os filhos e depois os netos a ouvirem estas histórias. Não nos admiremos pois, e o autor não se admira nada, que a Noruega juntamente com outros países nórdicos, sejam onde mais cresceu a extrema-direita e está mais arreigado o clima anti-imigração. Já há governos nórdicos com fascistas declarados. Mesmo que angelicamente a Krippo, a polícia norueguesa, tenha contado somente 59 militantes de extrema-direita no país!
Não se viu o «Ovo da Serpente» de Bergman, um sueco? Não lemos igualmente um outro sueco que já não está entre nós: Stieg Larsson? Jo Nesbo escreve tão bem como ele. Tem as mesmas preocupações que ele! Triste social-democracia que não tiveste engenho, arte ou energia para veres a incubação lenta de um ovo!
António Luís Catarino