Não sei o que deu ao Expresso de 2 de Setembro de 2022 em chamar ao autor de «O Homem que caiu na Terra» Walter Travis, quando o homem se chamava Tevis. Portanto, Walter Tevis. São erros imperdoáveis em jornais ditos de referência! O livro teve muito impacto em 1963 e voltou a dar que falar em 1976 por ter sido vertido para cinema no filme «The man who fell in Earth» protagonizado por David Bowie, quando, na ocasião, pontificavam as músicas de «The Man who sold the Earth» ou «Space Oddity». As músicas de Bowie sucediam-se na minha cabeça ao ler o livro de Tevis, falecido em 1984, e seguindo com atenção a personalidade de Tom Newton, um alien vindo do planeta Anthea, cujos recursos, desaparecimento da água e guerras aniquilaram a sua população. Tentava sobreviver arquitectando uma viagem interplanetária dos seus últimos habitantes para a Terra, rica em água e em combustíveis, como o urânio e plutónio.
Só Bowie poderia dar corpo a Newton tal como o autor o desenhou psicológica e fisicamente. Figura algo frágil, andrógina, albina, envolto na sua solidão e mistério. A sua relação com os primeiros três trabalhos musicais também o catapultaram para o papel e por mais que eu tente não vejo outra personagem para Tom Newton. Talvez um Iggy Pop ou um Lou Reed, mas nos anos 60... ainda haveria a possibilidade remota de um Andy Warhol se ele não estivesse sempre a espremer borbulhas da cara... De qualquer modo, os editores pensaram o mesmo que eu e colocaram David Bowie na capa. A mesma capa do cartaz que deu nome ao filme de 1976 e que, quando o vi, não me entusiasmou por aí além. Tinha outras preocupações certamente. Como por exemplo esticar o Prec até onde fosse humanamente possível. Acabou mal.
Estávamos em 1963, um ano após a crise dos mísseis de Cuba que ia levando a uma verdadeira e gigantesca guerra nuclear e só agora passados quase 60 anos temos a certeza, após a desclassificação de documentos americanos e soviéticos, que a devastação nuclear esteve mais perto de deflagrar do que nunca. Nos anos 60, a ficção científica abandonava os insectos radioactivos do tamanho de prédios e a devorar pessoas, aranhas enormes que engoliam táxis novaiorquinos ou legumes que abafavam aldeias inteiras em busca de carne humana. A partir de uma real ameaça nuclear deseja-se uma invasão alienígena que ponha fim à demência de uma humanidade ainda na idade de uma infância autodestrutiva cuja salvação ou destruição poderia vir do espaço por via de uma vida inteligente que pudesse pôr fim ao pesadelo. Isto é: fossem bons ou maus digam ao que vêem ou fiquem e arrasem isto tudo! Salvem-nos ou destruam-nos! É esse o objectivo de Newton: na aniquilação do planeta Anthea, derivada das guerras nucleares sucessivas, desiste de salvar-se a si, aos antheanos que ainda restam num planeta em fim de vida e aos humanos que prevê o fim numa guerra nuclear arrasadora no prazo de dez, vinte ou mesmo trinta anos. No fim, deixou-se de importar. Torna-se niilista: bebe gim e passeia os milhões de dólares ganhos com as corporações de vendas de armas. Destrói a única possibilidade de salvar os seus desistindo de fabricar uma nave espacial quase pronta, enquanto despreza igualmente os habitantes da Terra igualando-os a macacos um pouco mais inteligentes, é certo. É a conquista do espaço que seis anos após a edição deste livro começa com as primeiras pegadas na Lua com um Armstrong aos saltos. Pobre conquista, diria Major Tom!