domingo, janeiro 30, 2022

As casas antigas de «Abrasivas», de João Pedro Mésseder

 

A Deriva tinha nascido dois anos antes, em 2003. Este livro de João Pedro Mésseder foi acarinhado de um modo muito especial porque inaugurou uma nova colecção a que, por comodidade, se veio a chamar de «poesia». «Abrasivas» é um livro de aforismos, mas também de haikus ou de pensamentos escritos com espontaneidade, em qualquer lugar, ou à noite em apontamentos porque sabemos quão fugidios são os pensamentos a essas horas. Não sei se assim foi, mas os registos deste livro absorvem-nos e é muito difícil não nos lembrarmos deles após os anos decorridos desde a sua publicação. Não sei se poderemos falar em edição bilingue, visto que a expressão galega o acompanha, mas o trabalho de Anxo Tarrío Varela e Blanca-Ana Roig Rechou foi uma ponte para a Galiza tão necessária, quanto oportuna. Por outro lado, o livro que teve a concepção gráfica de Gémeo Luís, na sua folha de rosto vinha aposta uma lixa preta, que volvidos 17 anos deixa uma pequena esquadria amarelada com que marca o tempo. Deixo-vos com João Pedro Mésseder, um poeta referido por António Guerreiro, no Expresso (quando ele lá escrevia), e cuja poesia é das mais literariamente injustiçadas porque raramente referida ao contrário da sua biobliografia infanto-juvenil. Sobre as casas:

«As casas antigas insistem em recordar-nos que estão vivas. Sempre que se abre uma torneira, uivam, gemem ou bocejam.»

«A alma das casas antigas agiganta-se na razão inversa do corpo, que definha.»

«No ardente Verão, as casas antigas cuidam dos homens: têm assomos de brisa ou de floresta. No Inverno, assumem a sua condição tumular e paralisam sem clemência o sangue dos velhos.»

«As casas antigas atraem almas ancoradas que a memória não cessa de assombrar. As novas albergam almas órfãs e errantes.»