domingo, janeiro 16, 2022

«A Cruzada das Crianças», de Marcel Schwob


Livro tão estranho quanto belo. Vamos por partes: nunca o leria se o título não me convidasse a manuseá-lo numa livraria e uma pequena nota da contracapa com uma pequena frase de Patti Smith «O livro que mais ofereço é ''A  Cruzada das Crianças'', de Marcel Schwob, por ser tão bonito». A editora, BCF Editores, só referiu o autor por via da grande cantora punk que ouvi e ouço frequentemente e tenho por ela a melhor das opiniões, em todos os sentidos. Mas poderia ter ido mais longe no conhecimento do autor como é da lógica comum. Não digo «senso comum» porque sou contra. Portanto, fiz a minha pequeníssima investigação e cheguei à conclusão que Schwob terá nascido em Chaville, em França, de uma família judaica. Viveu entre 1867 e 1905. Apaixonou-.se por uma prostituta, Louise, a quem dedicou poemas e após a sua morte que o devastou casou-se com a actriz Marguerite Moreno. Como morreu muito cedo viveu com ela somente dois anos. Era claramente simbolista, mas dizer que era precursor do surrealismo talvez seja demasiado exagerado. O que nas biografias me admira é a quantidade de personalidades célebres que o acompanharam como Alphonse Daudet, Paul Claudel, Apollinaire, Valéry, Colette, Óscar Wilde (que lhe dedicou o poema A Esfinge), Pierre Louÿs, Jarry que lhe dedicou Ubu Roi, Proust, Manet, entre outros. Mas quando Jorge Luis Borges afirmou que os seus contos eram influenciados por Schwob, creio que diz da importância deste autor desconhecido.

«A Cruzada das Crianças» (1897) é, como disse atrás, um pequeno livro belíssimo. Suponhamos que centenas de crianças se propõem libertar Jerusalém, vagueando de terra em terra. Intemporal, as crianças, cujo relato é contado por Nicolas, Alain, Denis, Eustace e Allys pressupõem um mundo bom, em que os poderosos se retratam dos seus abusos e poderes. Reparem como se inicia o livro: «Por volta daquela mesma época, crianças sem guia, sem líder, de cada vila e cidade de todas as localidades, dirigiam-se a passos rápidos para as regiões além-mar. E, se lhes perguntava para onde corriam, elas respondiam: Para Jerusalém, procurar a Terra Santa... Ainda não se sabe até onde chegaram. Mas muitas voltaram e, conquanto se buscasse saber delas a causa da sua demanda, disseram não saber. Também, por essa mesma época, se viram mulheres nuas que sem dizer uma palavra, correram por cidades e campos...»

Estranho, límpido e belo, o que poderemos exigir mais de um livro?