Vou falar deste homem que me realizou um sonho. Tripeiro de gema, Luís Ferreira Alves de seu nome, cultíssimo, fotógrafo e aventureiro a que o destino nos fez cruzar num caminho comum: a vela. Ele pertencia ao Clube de Vela Atlântico rival do Sport Club do Porto de que era sócio juntamente com a minha filha Ana Teresa. Hoje o Público faz-lhe uma pequeníssima biografia que está longe do que este homem deu a todos nós. Eu sonhava, um dia, velejar em mar alto, muito diferente da costa de Leixões ou Matosinhos num simples Snipe ou Vaurien, barcos de dois lugares em que ocupei quase todos os fins-de-semana durante 11 anos. Até que um amigo comum apresentou-nos e fiz a primeira de muitas pequenas viagens com o seu iate de fabrico dinamarquês «Fernão Minto». «De madeira tão boa que até as gavetas não emperram!», dizia o Ferreira Alves e contava histórias intermináveis de aventuras que entremeava com um respeito assumido ao Infante D. Henrique. Ele, um homem preso pela Pide várias vezes e assumidamente de esquerda, de uma grande bravura e frontalidade, afirmava que a esquerda nunca compreendeu aquela personagem histórica, principalmente a capacidade minuciosa de planeamento estratégico. E, num dia de Setembro o meu sonho realizou-se numa viagem de Baiona até Leixões. Durante duas horas naveguei em mar bravo ao raiar do sol até ele se pôr alto, enquanto o Luís e o Victor descansavam na cabine. Sozinho eu e o mar com vento de largo. Digo-o agora que o sonho que tinha que muito dificilmente eu poderia alguma vez acreditar conseguir, deu-se pela mão deste homem. Uma lágrima furtiva caiu-me nesse dia. Grande, grande Luís Ferreira Alves.