Abalancei-me a ler Isabel Stilwell com um interesse cauteloso sobre o que se chama «romance histórico». Sinceramente, não é uma escolha apaixonada por este tipo de literatura, mas a autora é conhecida, desdobra-se em entrevistas, diz algumas coisas com interesse na rádio, tem atrás de si uma equipa de promoção não negligenciável, apresenta bibliografias sólidas sobre a personagem retratada, escreve bem, embora não queira dominar inteiramente a arte de sintetizar e vende milhares de livros. Também tem o cuidado de avisar incautos que se trata de um romance e não um livro de História. Escolhi «D.Teresa». Em primeiro lugar porque é uma personagem com que simpatizo ao contrário do filho, cujos ossos jazem ali mesmo na Baixa coimbrã; em segundo lugar, porque é uma política que cometeu erros de estratégia, assumiu-os e perdeu; em terceiro lugar porque a sua vida privada foi muito interessante e não totalmente separada da política; em último lugar porque o seu filho. se fosse hoje, teria de explicar muito explicadinho os maus-tratos reiterados à mãe. Faltou-lhe um pai português, foi o que foi.
O que mais me impressionou naquele romance é que não há povo. Viste-lo! Só lá para a página 400 e tal é que há um vislumbre das misérias de que padecia devido às guerras intermináveis entre famílias dos Ribadouro, mais os de Trava, os Paios, os Moniz, os Afonsos VI e VII, as Urracas, as Teresas, as Ximenas e as Zaidas! Isabel Stilwell descreve ao pormenor em diálogos de guião cinematográfico todos os golpes palacianos que seriam talvez policial e dramaticamente interessantes se se confinassem, aí mesmo, entre as paredes dos palácios. Mas todos sabemos que as guerras permanentes de séculos levaram a constantes pilhagens, violências de nobres e da sua brilhante soldadesca sobre o povo, queimas de searas, torturas brutais de populares que tiveram o azar de estar em terras erradas, incêndios de casas e de aldeias inteiras, violações de mulheres e infanticídios. Cometidos estes assassínios e brutalidades, a coisa parava e combinava-se uma caçada, mais um banquete e ficava tudo em bem, recomeçando agora a vingança aos anteriores amigos. E isto não parava. Não, esse povo está estranhamente ausente e concorre, perdendo em protagonismo, com descrições físicas das personagens nobres e clericais, os olhos de Teresa, os seus longos cabelos louros, os ombros largos de Afonso Henriques e as gargalhadas de Fernão Peres de Trava. Um pouco arrastado este tipo de literatura, mas vende bem ao que consta, se bem que já tenha encontrado na mesma livraria uma terceira edição juntamente à venda com a sétima do mesmo livro!!