Imaginem uma abelha numa campânula de vidro. Que quer sair e não consegue por mais que choque contra as paredes. Se, contudo, sair a chuva apanha-a e desorienta-a, mata-a. Isto é um romance de morte protagonizado por vivos, meios-vivos e, outros, realmente mortos embora não o saibam ainda. Tudo é feito de vidro que se estilhaça, por cacos que cortam como lâminas, por raiva contida, por vidros que, arremessados, partem retratos violentamente, por copos atirados às paredes cujos líquidos escorrem sem que ninguém os limpe, por garrafas que alimentam Silvestre, um morto que se julga ainda vivo. As vítimas são os jovens que alimentam esperanças, Jacinto e Carla, que se amam e são abafados pela manha frustre e pela maldade dos simples. O mistério da beleza deste livro está não só na mestria da narrativa, mas na depuração da sua escrita. Nem um advérbio ou adjectivo a mais; todavia, as personagens apresentam-se claras e densamente representadas nas suas misérias, frustrações e motivos, tal como as paisagens são descritas com cores vivissimas e com a mesma contenção e precisão. Aqui as abelhas somos nós. Um livro a que se deve voltar sempre que o tenhamos por perto. Um clássico.